Acessibilidade não acessível: mãos que falam

Na última reportagem da série sobre acessibilidade não acessível, mostramos as dificuldades dos surdos e descobrimos que são os que mais sofrem com a falta de investimentos na comunicação visual nos equipamentos urbanos. Matéria publicada no dia o4 de agosto de 2009.

 

Tânia Passos

taniapassos.pe@dabr.com.br

A linguagem aproxima, rompe barreiras, revoluciona. Línguas diferentes são barreiras em qualquer lugar. Pior ainda no mesmo lugar, na mesma cidade, no bairro, na rua, na própria casa.

Os surdos alfabetizados têm uma língua própria e são perfeitamente capazes de se comunicar com quem conhece a linguagem dos sinais.

Não admitem o estigma da mudez. Falam com as mãos e em geral entre eles mesmos. Por isso, é comum saírem em grupos. Como minoria linguística, não têm acessibilidade plena aos serviços que exigem a condição da audição e da voz.

A falta de comunicação visual, por exemplo, é um dos obstáculos que trazem problemas no acesso ao transporte público, bancos, hospitais e até no comércio. Se não há a informação visual ou alguém capaz de interagir, a comunicação não ocorre e ele se isola, se limita, se marginaliza todos os dias.

Os surdos, aliás, são os menos favorecidos nas intervenções de acessibilidade para a pessoa com deficiência realizadas pelos gestores públicos. Uma das razões apontadas é o desconhecimento da realidade dessas pessoas.

O fato de se locomoverem com as próprias pernas e enxergarem acaba deixando-os de fora das ações voltadas, em geral, para as obras físicas. Quem nos convida a revelar nas ruas as dificuldades enfrentadas por eles é a presidente da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) em Pernambuco, Patrícia Cardoso, 38 anos.

Ela ficou surda quando criança, vítima de sarampo. Graças à família, teve acesso desde cedo à educação voltada para surdos. Hoje é professora de Libras, a língua brasileira dos sinais.

Os problemas revelados por Patrícia começam no transporte público. Muitas das paradas de ônibus do Recife ainda não dispõem de informações básicas sobre o destinos dos coletivos. Na frente da estação do metrô do Recife, um dos exemplos. A parada de ônibus não tem o painel indicando as linhas que passam no local.

Se o surdo decidir aguardar um transporte, terá que esperar para saber se algum deles coincide com a sua opção de viagem. Paradas sem placas informativas das viagens são barreiras contra a acessibilidade.

Um simples passeio pelas ruas do centro da cidade também exige um esforço do surdo para tentar se localizar. De acordo com Patrícia Cardoso, as placas de sinalização do tráfego nem sempre são claras.

A professora explica que a linguagem dos surdos não tem a tradução literal do português escrito, por isso é importante o uso de símbolos para facilitar a comunicação até para o surdo não-alfabetizado.

Na Rua da Concórdia, ela apontou como exemplo uma placa que indica a estação do metrô do Recife e a Casa da Cultura. Em sua opinião, os sinais não são claros e o surdo que não for capaz de ler não tem como compreender o que está sendo dito.

Mas é na estação do metrô onde aponta dificuldades que passam despercebidas pela maioria das pessoas. Quem iria imaginar que o surdo teria dificuldade de saber o destino dos trens? Ele tem.

Patrícia explica uma situação bastante recorrente: ao chegar à estação de embarque, se o trem já estiver no local com as portas abertas prestes a sair, o surdo só tem um jeito de saber o destino dele: precisa correr até a frente para ler o letreiro.

Com esse deslocamento, corre o risco de perder a condução. Mesmo assim, ela conta que é mais seguro esperar o próximo transporte (se não for possível correr e voltar a tempo de entrar no trem) do que pegar o destino errado.

Situações enfrentadas no dia a dia

– Um surdo passa mal e é levado para uma emergência de um hospital público do Recife. Não há profissionais preparados para atendê-lo e ele não consegue dizer o que está sentindo

– Em um caixa eletrônico, o cartão é engolido pela máquina e há apenas um telefone para o cliente informar a situação ao banco. O surdo não tem como fazê-lo

– Um surdo tem os seus cartões roubados e não consegue fazer o bloqueio ou desbloqueio por telefone

– Um surdo é acusado de um crime e não tem como se defender. As delegacias também não dispõem de profissionais para ajudar em casos desse tipo

– A campainha toca informando um incêndio em um prédio. O surdo ignora o aviso. A campainha do surdo é a luz e a maioria dos prédios não adota o procedimento

– O surdo também não pode pedir comida ou remédio por telefone

Fonte: Feneis

Saiba Mais

9.725 são pessoas com deficiência auditiva no estado

9.941 alunos com deficiência estão matriculados na rede estadual de ensino

4.488 alunos estão emsalas destinadas apenas a alunos com deficiência

5.453 alunos estão matriculados em salas inclusivas

775 empresas no estado estão sujeitas ao sistema de cotas pelo regime celetista

19.749 postos de trabalho estão previstos no sistema de cotas das empresas

2.920 pessoas com deficiência estão devidamente empregadas

16.829 é o déficit de vagas nas empresas

Fonte: Secretaria Estadual de Educação e Superintendência Estadual de Apoio à Pessoa com Deficiência 

 

Acessibilidade não acessível: o guerreiro em duas rodas

Em 2009, o Diario fez uma série sobre as as obras de acessibilidade nas vias urbanas do Recife, que na verdade são pouco acessíveis. E levamos três deficientes para mostrar como elas (não) funcionam na prática. Aproveito as férias para resgatar essa série bem legal. Vale a pena ver de novo.

 

 

 

 

 

Tânia Passos

taniapassos.pe@dabr.com.br

 

Nada parece mais básico, do ponto de vista da cidadania, do que o direito constitucional de ir e vir com plena acessibilidade. Simples, mas ainda distante para um universo de pessoas com deficiência física. Mais de um milhão só em Pernambuco.

A acessibilidade é uma condição primordial para a inclusão social. Um assunto relativamente novo, onde as cidades ainda estão tateando para encontrar o caminho. Um começo inseguro e carente de acertos.
Até mesmo as obras já contempladas com equipamentos para esse fim se tornam pontos inacessíveis, ou pela falta de continuidade ou por não terem sido executadas de acordo com as normas técnicas previstas no Decreto Federal 5.296/04.

Servem de “enfeite” para propagar uma medida “politicamente correta”, porém ineficaz. Durante uma semana, o Diario acompanhou pelas ruas do Recife as dificuldades de pessoas com deficiência. Gente como o cadeirante Edvaldo Gonçalves, que ficou paraplégico há 17 anos, vítima de uma esquistossomose medular.

E, ainda, o jovem Edson Amorim, 18 anos,cego aos 2 anos, vítima de glaucoma e cheio de sonhos para realizar. A dificuldade de acessibilidade não é apenas para o cadeirante ou o cego.
O surdo, mesmo enxergando e sendo capaz de se locomover, também fica à margem é o que nos conta Patrícia Cardoso, 38, surda desde os 2 anos.

A deficiência da comunicação visual limita e constrange. E talvez seja uma das mais difíceis barreiras a serem vencidas e uma das menos combatidas nas intervenções de acessibilidade.

O cadeirante Edvaldo Gonçalves, 54 anos, está longe de ser o tipo atlético, mas se transforma em guerreiro todas as vezes que precisa enfrentar os desafios da rua.

Quem conhece as péssimas condições das nossas calçadas e a infinidade de obstáculos existentes pode até ter uma vaga ideia do que isto representa, mas jamais será capaz de enxergar sob o ponto de vista de quem está sentado em uma cadeira de rodas e precisa seguir em frente. É assim que Edvaldo vê o Recife. É também assim que ele quer mudar o que ainda não é acessível.

Convidado para ser personagem desta matéria, não hesitou e traçou o roteiro dos problemas que costuma enfrentar. A viagem teve início em uma das mais importantes obras da Prefeitura do Recife, o Corredor Leste-Oeste. Um investimento de R$ 14 milhões e que foi apontado como uma das maiores obras de acessibilidade no trânsito executada nos últimos anos.

Pois foi lá mesmo que o cadeirante Edvaldo Gonçalves mostrou o que não funciona. O ponto de partida foi a Praça do Derby, restaurada, no ano passado, para integrar o corredor. Depois de estacionar o carro da reportagem no lado direito da praça, nós acompanhamos o trajeto feito por ele na cadeira de rodas.

Uma rampa de acesso ao cadeirante na lateral da praça parecia ser o caminho natural para subir na calçada. E seria, se tivesse sido feita da forma correta. A diferença na altura do pavimento da pista bem acima do nível da rampa é facilmente percebida. Um risco para o cadeirante.

“Como há uma diferença na altura dos dois pisos, a cadeira inclina e corro o risco de ser projetado para frente”, explicou. A velocidade da descida na rampa foi amortecida pela areia acumulada no local. “A areia segurou, mas exige um esforço físico maior”, explicou.

Na praça veio também o primeiro elogio. A rampa frontal que dá acesso à faixa de pedestre na Agamenon Magalhães recebeu nota máxima. “Não há risco de inclinação da cadeira e o piso está no mesmo nível da pista. Ela é perfeita”, afirmou.

O caminho perfeito é também curto. Só serviu mesmo para dar acesso à faixa de pedestre que corta a avenida. No fim da faixa os problemas recomeçam. No outro extremo não há rampa.

Sem opção, ele toma uma decisão arriscada e continua o percurso na pista de rolamento concorrendo com os carros. Segue em frente, mais uma vez, destemido. “Não posso parar no meio do caminho. Se não for acessível tenho que contornar e continuar. Se não for assim, não saio de casa”, revelou Edvaldo.

No Centro – Ao longo do Corredor Leste-Oeste, um dos trechos de melhor acessibilidade para o cadeirante é a Avenida Conde da Boa Vista. As calçadas foram alargadas e se encontram praticamente livres de ambulantes.

A locomoção na extensão do passeio não apresenta dificuldades. Mas o mesmo não se pode dizer das vias transversais. Dificuldade também na hora de atravessar de um lado para outro da avenida. “Aqui a preocupação é com o tempo do semáforo”, ressaltou.

No centro da cidade, ele convida para mais uma demonstração de desrespeito à condição do cadeirante. Na Praça Joaquim Nabuco, as rampas mais uma vez não estão no nível do pavimento da pista.

Por causa disso, exige um esforço hercúleo até mesmo para Edvaldo, habituado a travar batalhas diárias para vencer as barreiras que encontra pela frente. “Aqui não consigo sozinho”, admitiu. O fotógrafo Hélder Tavares o ajudou a vencer o obstáculo.