Medo de dirigir tem tratamento

 

 

Tirar a carteira de habilitação, ou seja, ser aprovado no exame prático e teórico, até que não é problema. Os movimentos adequados foram adquiridos, a coordenação motora necessária foi assimilada, as leis de trânsito estão na ponta da língua e o funcionamento básico do carro já é conhecido. Na hora de encarar o trânsito caótico das grandes cidades, porém, é como se todas as lições tivessem sido em vão. As mãos e o corpo inteiro começam a tremer, um suor frio escorre pela face, a pressão cai e há quem sinta até dor de barriga. Isso tem nome: fobia de dirigir. Ou simplesmente, medo. Não se trata de um mal-estar passageiro, mas de um problema que deve ser tratado e que é bastante comum entre os motoristas.

Causas do medo

Há várias causas que podem produzir a fobia ao volante. As principais, segundo Cecília Belina, são:

1. A complexidade do trânsito das grandes cidades, que não permite erros do motorista.

2. Envolvimento em acidente grave, com vítimas fatais de pessoas próximas, como pai ou mãe, também pode gerar o medo de dirigir.

3. Propensão a esse tipo de sintoma — aqueles que têm “personalidade fóbica”.

“O medo é uma emoção boa, porque nos protege do perigo e promove cuidados. Mas pode se tornar uma doença quando é exagerado, prejudicando muito a vida das pessoas”, diz a psicóloga Cecília Bellina. Pioneira, ela começou a trabalhar com vítimas dessa síndrome há 20 anos e hoje possui 12 clínicas espalhadas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santos e Minas Gerais. Nelas, uma equipe de psicólogos e instrutores treinados aplicam um tratamento aos “fóbicos do volante” (como também são chamados), que inclui aulas práticas e terapias em grupo.

 

Mulheres são a maioria

Mais de 90% dos motoristas que frequentam as clínicas para tratar de fobia de volante são mulheres. Segundo Cláudia Ballestero, psicóloga da clínica de Cecília Bellina, o motivo é que “elas têm natureza emocional mais frágil e suscetível ao medo”. Mas não é só: os homens resistem à ideia de um tratamento porque simplesmente não assumem o medo. “É uma questão cultural. Os homens são criados para dirigir e não acreditam tanto nos tratamentos propostos pela Psicologia”, diz Cláudia. Por outro lado, garante ela, os homens que se submetem ao tratamento, conseguem obter sucesso muito mais rapidamente do que as mulheres.

A média de tempo do tratamento é de seis a oito meses, com 12 horas semanais, e o resultado é surpreendente. “Praticamente todos os clientes terminam o tratamento em condições de dirigir em qualquer situação, sem sintomas de medo”, garante Cecília. As exceções são aqueles que desistem do tratamento no meio do caminho, “por não se sentirem capazes de enfrentar seus medos”, diz Cecília, ou por motivos econômicos. O preço é de R$ 480 mensais.

O investimento vale a pena. Quem garante é a advogada Roberta Christ, que desde 1996 tem carteira de habilitação, mas não conseguia dirigir. “Fazia só trajetos curtos”, diz. E logo sentia tremores nas pernas, suava e tinha dores de barriga. “Mesmo nesses trajetos, eu precisava traçar todo o roteiro que ia fazer. Inclusive, prever semáforos e cruzamentos”. Além disso, Roberta era perseguida pelo que chama de “fantasmas”. “Na minha imaginação, eu causava acidentes, atropelava pessoas, atrapalhava o trânsito. Sentia que não era capaz de controlar o carro. Ele é que me dominava”, conta. Em 2008, Roberta sofreu um pequeno acidente de trânsito e, a partir daí, assumiu definitivamente sua incapacidade de dirigir. Mas essa limitação acarretava problemas profissionais e familiares.

Autoescolas não ajudam

O sistema de habilitação de motoristas não ajuda em nada aqueles com mais dificuldades para dirigir. A começar pelas autoescolas. “Elas se limitam a preparar o aluno para o exame, não a dirigir”, diz Cecília Bellina. E, focados nas exigências da prova, muitas vezes sufocam as pessoas que apresentam tendência a desenvolver fobias. “Principalmente aquelas que são mais tímidas e exigentes consigo mesmas”.

Decidiu buscar ajuda. Depois de oito meses de tratamento, com aulas de direção e terapia em grupo, os sintomas desapareceram. “Resolvi um problema grave”, diz. “Passei a ter liberdade e autonomia para visitar meu clientes”, testemunha. Apesar de o acidente ter desencadeado a fobia de Roberta, a psicóloga Cecília não acredita que esse motivo tenha sido o causador do problema. Muitas podem ser as razões e Cecília prefere analisar caso a caso para estabelecer um diagnóstico. De toda forma, há coincidências nas histórias das pessoas que sofrem do sintoma, em geral mulheres.

E há uma explicação lógica para isso. A designer de interiores Nívea da Costa Salles, que terminou seu tratamento em dezembro passado, também sofreu um acidente (“uma leve batidinha”), mas revela que o episódio não provocou o surgimento da fobia de dirigir, que a acompanhou desde que tirou a carteira, em 2005. “Eu não sabia lidar com situações diferentes. Só conseguia repetir os mesmos gestos”, explica Nívea. Outro problema sério que ela enfrentava era a dificuldade de “interpretar o que via no retrovisor”. Ou seja, não sabia calcular a distância e nem mesmo entender por qual lado o veículo de trás passaria. Os sentimentos de insegurança e ansiedade eram insuportáveis. Quando deu a tal batidinha, em 2008, “o mundo acabou”. “Percebi que não estava apta para dirigir”. Ela já havia feito outros cursos em autoescola sem qualquer resultado. A questão, diz ela, não era somente técnica.

Como funcionam as aulas

O tratamento para combater a fobia de volante consiste em duas atividades principais:

1. As práticas, conduzidas por um instrutor com treinamento específico para esse tipo de caso.

2. Terapias em grupo, em que o motorista conta sua história de vida e, principalmente, os episódios relacionados ao carro. “Nessas sessões, os pacientes mostram suas emoções. Choram, brigam, falam. E o processo de cura se inicia”, diz Cecília Bellina.

Foi atrás de tratamento especializado. Em oito meses, começou a dirigir com desenvoltura, sem resquício dos sintomas que antes a atormentavam. “Talvez seja um pouco mais cautelosa do que as pessoas são em geral. Mas não tenho mais aquela ansiedade de antigamente”, garante.

“Essa é uma das fobias que mais atrapalham a vida”, diz Cecília. Outras, como fobia de avião, de cachorro e de elevador, para citar as mais comuns, também podem ser desconfortáveis. Mas a de dirigir mexe profundamente com a autoestima do motorista. Por isso, deve ser enfrentada e tratada, se possível, com profissionais especializados.

Quem busca tratamentos alternativos pode encontrar métodos pouco recomendáveis, que vão da hipnose a meditação e rezas. Cecília garante: “Ninguém perde o medo sem o contato direto com o objeto que produz esse medo”. Cedo ou tarde, o jeito é encarar o volante.

Fonte: Carro Online (Via Portal do Trânsito)