Bocas de lobo e galerias são armadilhas nas ruas do Recife para condutores e pedestres

Bocas de lobo abertas nas ruas do Recife são armadilhas para condutores e pedestres Foto Allan Torres DP/D.A.Press
Bocas de lobo abertas nas ruas do Recife são armadilhas para condutores e pedestres – Foto Allan Torres DP/D.A.Press

A Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife gasta por mês uma média de R$ 330 mil na reposição e manutenção de tampas de galerias e bocas de lobo, o que equivale a R$ 3,9 milhões ao ano.

O dinheiro seria suficiente para comprar cerca de 4,7 mil tablets para a rede municipal de ensino e representa o investimento de 33,6% de todos os 14 mil equipamentos distribuídos em 34 escolas do município no ano passado. A verba que escapa pelo ralo das galerias também serviria para tapar 32,5 mil buracos, suficientes para quase oito meses da operação tapa-buraco.

A Prefeitura do Recife gasta cerca de R$ 330 mil para fazer a manutenção de galerias e bocas de lobo Foto - Allan Torres DP/D.A.Press
A Prefeitura do Recife gasta cerca de R$ 330 mil para fazer a manutenção de galerias e bocas de lobo Foto – Allan Torres DP/D.A.Press

Mesmo com todo esse investimento ainda é comum encontrar galerias sem manutenção, faltando tampas ou em desnível. O município é responsável por apenas parte desses equipamentos, outros são de responsabilidades de concessionárias de serviço público. Sem plano diretor do subsolo, o município não tem controle da parte que cabe a cada uma. Também não existe padronização do serviço e há diferenças nos tamanhos e formatos.

A Celpe é responsável por três mil galerias, mas não informou o custo de manutenção das tampas. Já a Compesa não dispõe de informação sobre o número de poços de visita, mas segundo a assessoria, de setembro do ano passado até maio deste ano foram investidos R$ 800 mil na substituição de 600 tampas. As novas tampas de ferro possuem dobradiças para dificultar a remoção.

Onde não é feita manutenção, o risco de acidente para pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas aumenta principalmente no período de chuva. O motociclista Higor Veras de Lima, 25 anos, foi vítima de uma boca de lobo no bairro do Hipódromo, Zona Norte do Recife. “Graças a Deus o prejuízo foi só material, mas o susto foi grande. O pneu da moto ficou preso numa boca de lobo que estava aberta”.

A Emlurb não dispõe do número de galerias e bocas de lobo que pertecem ao município Foto - Allan Torres DP/D.A.Press
A Emlurb não dispõe do número de galerias e bocas de lobo que pertecem ao município – Foto – Allan Torres DP/D.A.Press

Segundo a diretora de manutenção da Emlurb, Marília Dantas, o município resolveu investir em tampas de concreto. “Onde é possível, a gente faz a troca da tubulação pelo sistema pré-moldado de concreto. Mas as tubulações antigas de ferro não têm como ser substituídas. É preciso repor a tampa”, explicou.

Outro problema comum é a falta de nivelamento entre as galerias e o pavimento. “Isto está sendo corrigido nas vias onde o pavimento está sendo substituído, mas a gente reconhece que existe desnível em vários pontos da cidade”.

Acessibilidade não acessível: Ensaio sobre a cegueira nas ruas do Recife

Segunda matéria sobre a série acessibilidade não acessível. Aqui o deficiente visual Júlio Tabosa mostra as dificuldades de circulação em um trecho “tecnicamente” acessível. Matéria publicada no dia 03 de agosto de 2009.

 

 

Tânia Passos

taniapassos.pe@dabr.com.br

Um teste simples de equilíbrio. Ficar de pé com uma perna só e abrir os braços. Tente fazer o mesmo de olhos fechados e irá perceber o grau maior de dificuldade, mesmo sem sair do lugar. Imagine então andar pelas ruas da cidade sem ter a mínima ideia de onde está pisando e o que vai encontrar pela frente.

Segundo o censo do IBGE de 2000, em Pernambuco eram mais de 900 mil deficientes visuais, dos quais cerca de 9.340 eram cegos e 146 mil tinham uma grande dificuldade permanente de enxergar. Estes dois últimos grupos estão à mercê das inúmeras barreiras que dificultam a acessibilidade.

Sejam buracos, orelhões, árvores e as temíveis bocas de lobo. Reduzir o abismo que separa a acessibilidade plena da realidade das ruas é um dos desafios dos gestores públicos e de todos nós.

Foi aos 19 anos que Júlio Tabosa, hoje com 52, perdeu a visão. Ele chegou a passar cinco anos trancado dentro de casa com medo do mundo. Mas decidiu ir à luta. Fez um curso de locomoção na Associação Pernambucana dos Cegos (APEC).

Hoje preside a Associação Beneficente dos Cegos de Pernambuco, uma casa de apoio aos cegos do interior do estado, na Estrada dos Remédios, no bairro de Afogados.

Para se deslocar na área urbana, utiliza o transporte público. Sem nenhum tipo de ajuda, Júlio concordou em fazer uma espécie de “ensaio sobre a cegueira” pelas ruas do Recife. E assim como no romance do escritor português José Saramago, ele sabe que é preciso confiar no outro

“Por mais que o cego aprenda a caminhar sozinho pelas calçadas, precisa confiar nas pessoas. Seja para pegar o ônibus certo ou atravessar o semáforo. Sempre aparece alguém para ajudar, mas há também os que dão informação errada. Se possível, é melhor confirmar com mais de uma pessoa e confiar”, ressaltou.

O ensaio pelas ruas teve início no Corredor Leste-Oeste, uma das mais recentes e importantes obras do município no sistema viário da cidade contemplada com acessibilidade.

O mesmo local onde o cadeirante Edvaldo Gonçalves, da primeira matéria da série, já havia apontado dificuldades nas rampas do entorno da Praça do Derby e na falta de continuidade dos acessos. Júlio iniciou sua caminhada no mesmo ponto da praça.

E assim como ensina o manual de locomoção para cegos, procurou a linha do canto esquerdo da calçada e seguiu em frente com a segurança de quem parece enxergar tudo.

Poucos metros à frente, o primeiro obstáculo. Um banco de concreto em um espaço que deveria estar livre. Mesmo com a bengala, quase tropeçou. Um susto para quem observa e só mais uma barreira para Júlio contornar e seguir em frente. Dessa vez, um pouco mais pela direita, pois já não parecia tão certo de que o caminho à sua esquerda estivesse livre.

Encontrou pela frente um orelhão, sem sinalização no piso. A batida foi inevitável. Mais na frente, ao lado de uma parada de ônibus, mais dois orelhões. Um ao lado do outro. Júlio tentou livrar o primeiro, mas esbarrou.

Ele contornou pelo lado contrário e deu de cara com o segundo. Foram três orelhões e três batidas emuma mesma calçada. Um sofrimento desnecessário se a acessibilidade tivesse sido respeitada. E o mais grave, em um espaço que em tese já recebeu ações e investimentos para esse fim.

As barreiras nas calçadas não são o maior temor dos cegos. O principal inimigo deles são as bocas de lobo, verdadeiros precipícios que surgem do “nada” pelo caminho. Uma lição que Edson José de Amorim Oliveira, 18 anos, já aprendeu. “Certa vez eu caminhava pela Avenida Guararapes com uma colega cega e caí em uma boca de lobo. Ela me ajudou a sair. É difícil encontrar um cego que não tenha sido vítima de uma boca de lobo”, revelou.

A preocupação é tanta que Edson faz um apelo desesperado. “Se não fizessem nada em acessibilidade e tapassem todas as bocas de lobo nós nos sentiríamos mais seguros”, desabafou o jovem, que chega ao extremo de exigir tão pouco quando tem o direito legítimo a tudo.

Remoção – Em nota, a Secretaria de Serviços Públicos da Prefeitura do Recife informou que os orelhões da praça vão receber pisos táteis e que os técnicos da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) vão estudar uma forma de sinalizar os bancos das calçadas.

Especialista em acessibilidade, a arquiteta do Crea Ângela Carneiro tem outra sugestão. “A solução é remover os bancos da calçada. Eles podem ficar no interior da praça, mas não na calçada que deve estar livre de obstáculos”, explicou.