Melhoria do transporte do Recife é mais do que discutir tarifa e salários

A espera pela melhoria do transporte a cada degrau - Foto - Ricardo Fernandes DP/D.A.Press
A espera pela melhoria do transporte a cada degrau – Foto – Ricardo Fernandes DP/D.A.Press

Depender do transporte público no Recife nunca foi tão incerto. Sem nenhum aviso, o usuário pode ser surpreendido por uma paralisação. A eterna disputa entre patrões e empregados sobre o percentual de reajuste salarial da categoria não deveria comprometer o funcionamento do sistema, mas compromete. Dispor de um transporte diário é mais que um direito, mas talvez já tenha passado da hora de avançar nessa discussão e subir alguns degraus para um serviço de melhor qualidade.

Enquanto Amanda Stephanie, 25 anos, aguarda a chegada do ônibus, em uma parada da Marquês de Olinda, no Centro do Recife, sem ter ideia de quanto tempo terá que esperar, em outra esquina encontramos a estudante Helena Gomes, 20, que faz uma busca no celular para localizar a posição exata do seu ônibus. A tecnologia já existente ainda não chegou para todos.

Além da necessidade de se ter um aparelho capaz de baixar o aplicativo do CittaMob, disponibilizado pelas empresas de ônibus, é preciso sorte para o alcance do sinal. “Onde moro, na Guabiraba, não pega, mas aqui no Centro eu acesso. É bem prático”, contou Helena. Além do CittaMob, existem outros aplicativos em operação, mas isso não tira a responsabilidade do órgão gestor de disponibilizar informações nos pontos de parada e terminais.

Os painéis eletrônicos dos terminais da RMR, que deveriam informar as linhas e os horários, permanecem inoperantes. O sistema da central de controle operacional do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano, só deve iniciar os testes do projeto piloto no fim do ano. Enquanto isso, nas paradas de ônibus não há informação das linhas e muito menos conforto nos abrigos ou calçadas que dão acesso às paradas.

“Há medidas que poderiam ser implantadas de imediato para a melhoria do sistema, como a boa pavimentação da faixa do ônibus, acessibilidade das calçadas e a disponibilização da tecnologia GPS, para que o ponto de ônibus seja ponto de chegada e não de espera infinita”, apontou o urbanista Nazareno Affonso, do Movimento pelo Direito ao Transporte (MDT).

No Grande Recife, o Sistema de Transporte Público de Passageiros deixa de fazer cerca de mil viagens por dia por conta do trânsito ruim. “Precisamos ampliar as faixas exclusivas. Não adianta aumentar o número de ônibus com trânsito travado”, destacou o presidente do Grande Recife Consórcio, Nélson Menezes.

Estação de BRT no corredor Leste/Oeste - Foto - Alcione Ferreira - DP.D.A/Press
Estação de BRT no corredor Leste/Oeste – Foto – Alcione Ferreira – DP.D.A/Press

As promessas da linha do BRT

Depois de 40 anos de jejum em investimentos na mobilidade na RMR, a construção de dois corredores com o sistema Bus Rapid Transit (BRT) encheu de expectativas os usuários do sistema de transporte público. A operação, no entanto, ainda é limitada em decorrência de atraso nas obras. E dos 300 mil passageiros diários previstos para os dois corredores, somente 10% tiveram o privilégio de usufruir do modal.

O sistema, que começou com três estações no corredor Leste/Oeste, opera com 10 das 27 paradas previstas. Já o Norte/Sul, começou com uma e atualmente está com quatro das 28 estações que permaneceram no projeto.

Os corredores de BRT do Recife, previstos para serem entregues entre dezembro do ano passado e março deste ano, podem ser finalizados até o fim do ano. O ritmo das obras é lento, as faixas, que deveriam ser segregadas, permanecem coletivas e não há sinal da obra de urbanização da rodovia PE-15. “Houve atraso, mas no quadro geral a mobilidade avançou muito em relação há 40 anos. Antes tínhamos nove terminais integrados. Hoje temos 15 e vamos chegar a 27”, avaliou o secretário das Cidades, Evandro Avelar.

Não basta entregar a obra. Para ter o padrão de BRT, o corredor deve atender a requisitos essenciais para tornar o sistema eficiente. “Além da estação nivelada com o piso do ônibus e o pagamento antecipado, quanto menos intervenções no corredor melhor”, afirmou Clarisse Linke, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).

Transparência no lugar da caixa-preta

 

Sistema de Transporte Público de Passageiros precisa abrir as contas ao público - Foto Blenda Souto Maior DP/D.A.Press
Sistema de Transporte Público de Passageiros precisa abrir as contas ao público – Foto Blenda Souto Maior DP/D.A.Press

Que a qualidade do transporte público no Brasil deixa muito a desejar, não é nenhuma novidade. A mudança na forma de olhar o sistema não passa apenas pelos investimentos que precisam ser feitos no setor, mas também na transparência de como as operações são realizadas. No imaginário coletivo, a famosa “caixa-preta” esconde ou simula a verdade da receita e o custo da operação do sistema. Entre verdades e mitos, o fato é que essas contas nunca ficaram mesmo às claras e para resgatar a confiança no sistema é preciso fazer mea-culpa e começar a agir com transparência.

A má fama que o atual modelo carrega é resultado, segundo o presidente da Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, do silêncio dos empresários e omissão dos órgãos gestores. “Essa é uma questão muito mal resolvida. Nas manifestações pela redução da tarifa, os empresários ficaram calados e o poder público, que estabelece o valor, também se calou. Via de regra, isso vem acontecendo”.

Ainda, segundo Cunha, falta clareza. “A gente não tem sabido explicar e esse número é para ser público. O órgão gestor tem obrigação de saber como a operação é feita. E hoje com a bilhetagem eletrônica não tem como não saber”, afirmou. A razão é simples: o sistema eletrônico permite identificar quantos passageiros passam pela catraca, quantas viagens são feitas e quantos quilômetros cada ônibus percorre em um dia. “Nós temos como saber quanto entrou de receita e com a quilometragem percorrida há indicadores para avaliar desgaste de pneus e combustível”, detalhou.

Fazer as contas e disponibilizá-las para o público é o caminho mais transparente que os especialistas da área apontam. “No próprio site do órgão gestor essa tabela de custos pode ser disponibilizada e atualizada a quem interessar”, ressaltou Marcos Bicalho, diretor administrativo da NTU. Na RMR, o site do Grande Recife Consórcio não dispõe de informações a respeito da planilha de custos da operadoras.

Na RMR, são transportados por dia cerca de 2 milhões de usuários e uma frota de três mil ônibus. Foi o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros que revelou dados do custo de operação para justificar a incapacidade de dar um aumento de 10% aos empregados do sistema e mais um reajuste de 75% no tíquete alimentação. A queda de braço entre patrões e empregados penaliza o usuário com as paralisações.

“Nós estamos com um déficit de quase R$ 7 milhões por mês e a saída está sendo usar o fundo da renovação da frota para alimentar o sistema”, revelou o presidente da Urbana-PE, Fernando Bandeira, em entrevista coletiva.

O déficit pegou todo mundo de surpresa, até mesmo o presidente do órgão gestor, Nélson Menezes, que na ocasião disse ser necessário um estudo para a avaliar a existência ou não de um buraco no sistema. Alheio às contas, o usuário também tem dúvidas sobre a matemática do sistema.

Passageiros ônibus/Recife - Foto - Roberto Ramos /DP/D.A. Press
Passageiros ônibus/Recife – Foto – Roberto Ramos /DP/D.A. Press

A lei anticorrupção também no transporte

Aprovada em 2013 após as manifestações populares de junho, a Lei 12.846/13, também conhecida como lei anticorrupção, pode ajudar a mudar a imagem do sistema. As empresas de ônibus sempre tiveram a imagem associada aos financiamentos de campanhas eleitorais. Não por acaso, o tema foi destaque do último seminário promovido pela Associação das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

O puxão de orelha nos empresários é para usar da transparência em todas as áreas. “Quanto mais transparente, melhor. A lei anticorrupção vai apertar cada vez mais e a sociedade está cobrando isso”, afirmou o diretor administrativo da NTU, Marcos Bicalho. Segundo ele, a licitação do sistema servirá para deixar as regras mais claras. “Na licitação, se firma um contrato com direitos e deveres. Nem mais, nem menos. O que possibilita uma melhor transparência do processo.”

A advogada Rogéria Gieremek, gerente executiva de Compliance traduziu para o setor as várias vertentes da legislação, que não pode ser ignorada pelas empresas em qualquer ramo. “A grande novidade dessa lei é que ela não pune apenas pessoas, mas as empresas também são responsabilizadas. E ela pode, inclusive deixar de existir. Além disso, a prisão é uma consequência possível”, alertou.

Ela também ressaltou a responsabilidade objetiva. Qualquer irregularidade na empresa, o proprietário é diretamente responsável e não poderá dizer que não sabia.

Saiba mais

Receita da tarifa R$ 76.349.619,67
Folha de pessoal R$ 38.433.176,30
Combustível R$ 14.798.710,99
Depreciação R$ 7.767.306,29
Lucro R$ 4.344.266,30
Impostos R$ 6.184.319,19
Peças R$ 6.067.015,08
Gratuidade R$ 5.409.857,26
Custo total R$ 83.004.651,42
*Déficit mensal R$ 6.655.031,75

Tributos e desonerações das atividades das empresas operadoras na RMR
– IPVA PE – 1% sobre o valor do veículo
– ISS – Reduziu de 5% para 2% sobre o faturamento
– RST (Remuneração por Serviços Técnicos) – 5,5% sobre o faturamento
– COFINS – 3% (cobrança suspensa, atualmente está em 0%)
– PIS – 0,65% (cobrança suspensa, atualmente está em 0%)
– CSLL – 12% (Contribuição Social sobre Lucro Líquido)
– Contribuição social – reduziu 2% sobre o faturamento
– Encargos sociais – 70% sobre o salário. Não houve redução
-Tributos incidentes sobre os insumos (pneus, peças e acessórios, combustível), ICMS, IPI, PIS, COFINS

Fonte: Urbana-PE