Questionados se mudariam para o transporte coletivo, grande parte dos motoristas entrevistados respondem que aceitariam, desde que ele tivesse mais qualidade e, invariavelmente, apontam o metrô como o paradigma da grande solução. O mesmo acontece com a população quando pesquisada nos bairros da cidade. Por que, afinal, o metrô é tão bem quisto, ao contrário do que acontece com o transporte por ônibus?
Para melhor compreender porque isso é assim, é necessário observar quais são as qualidades do metrô que tanto agradam a população e como esse padrão de qualidade foi construído ano a após ano. Depois disso, como essa experiência pode ser transferida para os ônibus.
Para um bom entendimento é importante separar a discussão em dois aspectos importantes: de um lado o sistema em si – a infraestrutura, o veículo, as estações, o sistema de controle; de outro lado, a empresa Metrô e como ela se organizou desde o início para tirar o máximo proveito da tecnologia e quais foram os princípios adotados de atendimento ao público.
O metrô é um sistema de trens que circulam em via própria, sem qualquer obstáculo, sem cruzamentos e sem interferências de outros meios de transporte. São composições com seis carros, cada qual com quatro portas amplas e que permitem a realização simultânea de embarque e desembarque.
Todos os sistemas de informações de tráfego, energia elétrica e sistemas de observação (câmeras) são duplamente centralizados: em cada estação há uma sala de controle que permite observar tudo o que acontece por ali; e há o Centro de Controle Operacional, que tudo vê e observa, com painéis de monitoração 24 horas por dia.
Essa organização de sistemas tecnológicos permite um total controle sobre todos os equipamentos e, especialmente, sobre a circulação de trens. Essa é uma das condições que permite certos itens de qualidade que serão descritos mais à frente.
As estações são espaçadas entre si de um a dois quilômetros, com plataformas situadas no mesmo nível do piso dos trens. São arquitetonicamente bem construídas, com equipamentos que facilitam a movimentação dos usuários, especialmente em grandes desníveis, como as escadas rolantes.
São iluminadas, com grande disponibilidade de informações sonoras produzidas pelos seus funcionários. Contam, ainda, com informações em painéis bem distribuídos, onde se pode consultar a rede de metrôs, outras estações e onde fazer conexões com outras linhas. Contam, também, com mapas dos arredores da estação, que mostram as ruas e principais logradouros num raio de 500 m.
Os trens são bem iluminados, a maioria já com ar condicionado e os usuários são informados continuamente pelo sistema de som interno dos carros. São permanentemente limpos, com aparência de veículos modernos, mesmo aqueles com 40 anos de uso! Há informações sobre as estações da mesma linha e pontos de conexão, além de mensagens institucionais e educativas. Para distrair os usuários, há monitores com informações e notícias de interesse social.
Para manter um funcionamento adequado, seus funcionários, de todos os níveis, seguem rigorosos procedimentos e passam por treinamentos tanto mais sofisticados quanto mais complexas são as tarefas. Um operador de trem não assume a função antes de alguns meses de treinamento; um controlador de trafego, antes de alguns anos de trabalho com trens e muitos meses de treinamento intensivo. Um supervisor de CCO precisa de anos de experiência em funções inferiores e um treinamento que dura meses.
Mas toda esta tecnologia e essas qualidades próprias do sistema metrô, embora absolutamente necessárias, não seriam suficientes para garantir a qualidade dos serviços que o usuário identifica e elogia. Se fosse assim, não teríamos ainda sistemas ferroviários em situações precárias no país, porque deixados assim anos a fio. É necessária uma gestão voltada para o usuário, para a qualidade de atendimento público.
O metrô, empresa, desde sua inauguração, considerou seu usuário como o centro das atenções. A manutenção do sistema foi sempre tratada com prioridade, cuja qualidade foi reconhecida e certificada pela ISO. Não há trens ou estações sujas, equipamentos quebrados ou vandalizados, e as falhas, normais em sistemas de transporte, são corrigidas imediatamente, e estatisticamente com pouca repercussão para o público.
Mas o essencial é o tratamento dado ao usuário, desde seu início. Já em 1974, operando ainda de Jabaquara a Ana Rosa, as estações já contavam com caixas de sugestões/reclamações e uma central de atendimento ao usuário, antecipando em 20 anos a criação dos SACs, bem como as exigências que só viriam com o Código do Consumidor.
Este conceito de atendimento foi mantido até hoje, com modernização na forma, com a utilização do Portal da Companhia, SMS e outras ferramentas de redes sociais. Acrescente-se pesquisas de opinião, levadas a efeito desde o início de sua inauguração, ouvindo-se o usuário sobre vários aspectos da qualidade do serviço.
Essa foi a ideia pioneira em transporte no Brasil: o usuário em primeiro lugar!
Seus funcionários de estação, sempre dispostos a dar informações e prestar boa orientação do público, são treinados para prestar um bom atendimento e fazem isso com esmero.
O sistema é complexo, transporta hoje 4,5 milhões de pessoas por dia. Onde há multidões, é natural que ocorram problemas de saúde, mal estar e, por isso, o sistema conta com ambulâncias e atendimento hospitalar gratuito para seus usuários, a tal ponto que mães pobres, com parto iminente, aprenderam a entrar nas estações para serem atendidas e encaminhadas aos hospitais.
O conjunto de sistemas tecnológicos, com ênfase em procedimentos, treinamento de pessoal e a existência de centrais de controle operacional, permite oferecer aos usuários um transporte limpo, com regularidade, confiabilidade, pontualidade e segurança. O metrô, de fato, está lotado em certos períodos e trechos da viagem, mas o usuário sabe que há uma composição a cada dois minutos e que, uma vez embarcado, a viagem dura exatamente o mesmo tempo todos os dias, o que proporciona confiança.
A atenção dada ao sistema – manutenção, conservação e limpeza – e a forma e qualidade do atendimento ao público – relações pessoais, orientações, informações – resultam num tratamento ao usuário primado pela dignidade, o que o faz se sentir bem atendido e respeitado.
São essas virtudes que fazem do metrô o sistema de transporte coletivo mais desejado pela população. O que falta ao ônibus, então?
Primeiro, infraestrutura viária, que permita a circulação dos ônibus o mais livre possível, com o mínimo de interferência. Em outras palavras, faixa ou corredor segregado do tráfego geral para uso exclusivo das linhas, pontos mais espaçados entre si (passar de 300 m para 400 m para que o usuário não ande mais do que duas quadras), pontos com cobrança externa nos corredores e, até mesmo, controle dos semáforos nos cruzamentos (sempre verde para os ônibus).
Segundo, a melhoria do veículo, tornando-o mais adequado ao transporte de passageiros, com bancos confortáveis, piso plano, com acessibilidade às pessoas com deficiência, mas sem as escadarias absurdas que hoje tem a bordo, e degraus mais baixos para permitir embarque e desembarque decentes.
Terceiro, um sistema inteligente de rastreamento e controle operacional, com equipamentos embarcados e centrais de monitoração, que permita intervir na marcha dos veículos a distância, promovendo regularidade nos intervalos entre ônibus e velocidades médias maiores.
Quarto, um sistema de informação aos usuários, tanto nos pontos de embarque ou desembarque, quanto no interior dos ônibus e nas estações terminais, que oriente corretamente os passageiros, em especial acerca de conexões com outras linhas ou outros sistemas de transporte.
Quinto, terminais de transferência para outras linhas ou outros sistemas de transporte que propiciem a troca mais rápida, com menos obstáculos e que minimizem os efeitos indesejáveis das baldeações.
Sexto, um sistema de gestão, compartilhado entre o Poder Público e o privado (concessionário), baseado em princípios da Qualidade e do Código do Consumidor, que permita a manutenção dos padrões de qualidade ao longo do tempo, com equipes operacionais treinadas, com procedimentos rigorosos e canais de atendimento ao público que funcionem bem.
Sétimo, regras claras entre o poder concedente e o concessionário, com padrões de qualidade e desempenho bem definidos, aliados a um melhor aparelhamento do órgão público para acompanhar e fiscalizar o contrato.
Oitavo, pesquisas de opinião e percepção do usuário periódicas, para melhor compreender os problemas e poder intervir num propósito de melhoria contínua.
Pode parecer exagero, mas são exatamente estas oito recomendações que fazem do metrô, há 40 anos, o sistema de transporte mais bem avaliado da cidade e uma das empresas mais bem avaliadas do Brasil.
Se a sociedade automobilizada não reclamar tanto com as medidas sendo tomadas para melhoria do transporte por ônibus, não será impossível levar o padrão de qualidade reconhecido no metrô também para o transporte coletivo nas ruas, se considerarmos que parte destes itens já são realidade, apenas exigindo outras formas de gestão e medidas adicionais às atuais faixas exclusivas colocadas em operação, o que vai requerer ainda algum tempo.
Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco) é superintendente da ANTP