Por
Daniel Santini
Quando o Programa de Proteção aos Pedestres de São Paulo foi lançado, em maio de 2011, a Prefeitura de São Paulo anunciou a meta de até o final de 2012 diminuir entre 40% e 50% o número de mortes por atropelamentos na cidade. Em 2010, 7.007 pedestres foram atropelados, sendo que 630 morreram. A campanha está prestes a completar um ano e a redução ainda não chegou nem perto do esperado. O número de mortes por atropelamento caiu cerca de 8%, de acordo com o levantamento mais recente apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego. De maio de 2010 a janeiro de 2011 aconteceram 464 mortes em atropelamentos, enquanto no mesmo intervalo de 2011 a 2012 foram 427. Praticamente duas pessoas morreram atropeladas por dia na cidade, média considerada ainda bastante alta – para efeito de comparação, em Nova Iorque, aconteceram 237 mortes durante em 2011 o que representa uma morte a cada dois dias.
Até agora, as campanhas de publicidade em favor do respeito aos pedestres e à faixa de pedestres consumiram R$ 5.560.773,68 dos cofres públicos, segundo levantamento feito pelo Outras Vias com base em informações que, por lei, a CET é obrigada a divulgar. Mesmo com tantos recursos, o programa não dá os resultados esperados e os gestores públicos parecem não saber o que fazer. A falta de rumo da campanha – que teve um bom começo, registre-se -, foi tema de artigo recente aqui no Outras Vias e de críticas em análise detalhada publicada na revista Veja São Paulo.
Em vez de retomarem medidas efetivas inicialmente adotadas, como a diminuição do limite de velocidade nas ruas (decisiva para a conquista da redução de 8%) e a defesa de que o respeito à vida deve ser prioridade em qualquer circunstância, os representantes do poder municipal optaram por radicalizar na tentativa de responsabilizar o pedestre pelos resultados pífios alcançados até agora.
Após a criação do Homem Zebra e do Homem Faixa (imagem ao lado), após ações para coibir e ridicularizar quem ousar pisar fora da faixa, iniciativas marcadas pela presença de homens com bandeiras e mímicos, agora os zelosos agentes da Prefeitura voltam seus olhos para quem atravessa na faixa sem levantar o braço. Nesta terça-feira, 17 de março, a Secretaria Municipal de Transportes apresentou um “estudo” que “mostra como a postura do pedestre se reflete no respeito do condutor”.
Nas palavras da CET: “Em suma, o estudo aponta que a atitude dispersa do pedestre durante a travessia acaba gerando dúvidas no condutor do veículo. Este, embora muitas vezes afirme ter a intenção de parar e dar preferência ao pedestre, termina por não fazê-lo porque não consegue constatar no pedestre seu real desejo em atravessar.”
Frente à constatação que os milhões gastos para tentar tornar a faixa sagrada não deram o resultado esperado e que atropelamentos continuam a acontecer com constância grave e alarmante, a CET abriu espaço para os próprios motoristas explicarem porque desrespeitam sistematicamente a faixa. A culpa ficou para o pedestre: 53,2% dos condutores responsabilizaram o “pedestre distraído, que fica olhando para os lados”, 46,3% reclamam que “o pedestre na calçada falando ao celular”, 29,2% dizem que o que atrapalha é “o pedestre na calçada, mas conversando com outras pessoas” e 18,3% lamentam a existência do “pedestre fumando e não observando a movimentação dos veículos”.
Mãos ao alto, pedestre!
A eficiente equipe responsável pelo trânsito de São Paulo não iria, claro, abrir espaço para as críticas sem apontar soluções. Assim, no texto institucional além de indicarem a falta de responsabilidade dos distraídos e inconsequentes pedestres, que insistem em conversar, falar no telefone e fumar enquanto caminham, os agentes destacaram que a maioria dos motoristas “disse que seria aconselhável se os pedestres fizessem mais o gesto do pedestre, estendendo o braço e reforçando, assim, sua vontade em cruzar a via”, sendo que “é importante atentar que essa ação do gesto em si não pára o motorista automaticamente, mas sim significa que ele, motorista, visualiza melhor o pedestre quando este sinaliza sua intenção”. Em outras palavras, quem se move sem o uso de motores (e sem poluir as ruas com ar e barulho, que, afinal, é um dos motivos deste blog estar abrigado em um portal de meio ambiente) tem que esticar o braço, mas deve também redobrar o cuidado porque às vezes mesmo esticando a mão, o motorista pode insistir em avançar.
Parte dos jornais da capital simplesmente ignorou o “estudo” – cujo dado mais relevante, na realidade, é o fato de não ter havido praticamente nenhuma mudança no respeito às faixas de pedestre mesmo com o investimento de milhões em peças publicitárias com este foco. Agentes analisaram o comportamento de motoristas em quatro cruzamentos diferentes da capital e constataram que, antes da campanha, 89,6% deles desrespeitaram a faixa, e depois 86,1%. Em um dos cruzamentos observados, na Rua Haddock Lobo, nos Jardins, houve aumento do desrespeito: de 91,2% na primeira amostragem, o índice saltou para 93,5%. A informação não foi divulgada no informe institucional da Prefeitura, mas consta no site do Centro de Treinamento e Educação de Trânsito da CET.
O jornal Estadão publicou um texto debochado sobre os dados apresentados. A Folha de S. Paulo, por sua vez, abriu espaço para a responsabilização dos pedestres, publicando até um infográfico indicando como o braço deve ser levantado ao se atravessar a rua. A verdade é que, com ou sem o braço levantado, o pedestre tem preferência sempre nas faixas (salvo quando há semáforos orientando a passagem de pessoas e veículos), conforme indica o Código de Trânsito Brasileiro. O artigo 214 prevê que “deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado: que se encontre na faixa a ele destinada; que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal verde para o veículo; portadores de deficiência física, crianças, idosos e gestantes” é infração gravíssima. Desrespeitar o pedestre “quando houver iniciado a travessia mesmo que não haja sinalização a ele destinada; que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo” é infração grave. Os artigos 215, 216 e 217 também fazem referência à necessidade de se priorizar o direito de quem caminha.