Ao chegar em casa após o trabalho, o condutor estaciona o carro na garagem e o conecta a uma tomada. Durante a madrugada, o equivalente a umas oito horas, o veículo fica parado enquanto carrega a bateria na rede elétrica. A situação, que parece ser de um filme futurístico, é real e pode se tornar uma cena comum no Brasil nos próximos anos. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, os carros elétricos já fazem parte do cotidiano dos motoristas.
O que pouca gente sabe é que eles não são uma ideia nova. São mais antigos, inclusive, que os veículos movidos a combustíveis fósseis como a gasolina. Em 1890, os carros elétricos atingiram seu auge porque se apresentavam como solução mais adequada para o transporte coletivo – a baixa emissão de ruídos, por exemplo, não assustava cavalos e pedestres.
As estradas eram ruins e as distâncias percorridas, curtas. A autonomia – capacidade para circular sem precisar de uma nova recarga – dos carros não precisava ser alta. Essas características fizeram com que veículos de passeio, utilitários e ônibus elétricos começassem a ser produzidos – e aprimorados – na França, Alemanha e nos Estados Unidos.
Mas a descoberta do petróleo, no início do século XX, colocou em xeque a utilização desse meio de locomoção. A autonomia reduzida – entre 50 km e 100 km, a demora na recarga das baterias, o preço e a escassa rede de atendimento passaram a ser um diferencial na hora de escolher um meio de transporte. Resultado: a preferência passou para os veículos convencionais.
O carro elétrico voltou a ser viável partir da crise do petróleo na década de 70 e, recentemente, por ser uma alternativa de transporte mais sustentável. “Esse veículo apresenta uma contribuição muito significativa para a redução do consumo de combustíveis fósseis, diminui a emissão de gases poluentes e traz melhorias no que diz respeito à mobilidade urbana”, explica à Agência CNT de Notícias o diretor presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber.
De volta à cena da indústria automobilística brasileira, os elétricos (VEs) chegaram ao país em 2007, mas ainda não atraem os clientes. Em 2011, por exemplo, um levantamento do Instituo Delloite, divulgado em agosto, aponta que apenas 72 modelos foram licenciados no país, enquanto 34,8 milhões de veículos leves, caminhões e ônibus convencionais saíram das concessionárias.
No entanto, segundo a pesquisa, o mercado tem potencial para crescer. Quando questionados sobre a compra do próximo veículo, 30% dos brasileiros afirmam que provavelmente comprariam um VE, enquanto 56% consideram a possibilidade. Para que a mudança aconteça, os entrevistados revelam que a autonomia, o tempo de carga e o preço ainda são fatores importantes na hora da compra.
Vantagens e desvantagens
Apesar de ter melhorado nos últimos anos, a distância percorrida pelos elétricos com uma única recarga, de aproximadamente 200 km, ainda preocupa. “No carro a bateria, essa capacidade é satisfatória para o sujeito que circula na cidade, que se desloca de casa para o trabalho. Mas os consumidores são resistentes aos carros que não lhe oferecem segurança para fazer uma viagem mais longa”, destaca Erber, da ABVE.
Para o diretor-geral do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), Jayme Buarque de Hollanda, essa autonomia é suficiente porque é inferior à média utilizada pela maioria das pessoas. “Se imaginarmos um trabalhador que circula pela cidade, de um local para outro, 100 km é uma quantidade razoável. Ao final do dia, você chega em casa e põe o carro para carregar”, defende.
O tempo de recarga, ainda elevado, é outro impasse. “Não há condições de ter um carro elétrico se não existirem pontos de carregamento. É preciso criar uma infraestrutura para estimular as vendas. Cabe ao governo acelerar a padronização das tomadas e instalá-las nas garagens dos condomínios, prédios comerciais, estacionamentos e em postos de carregamento rápido nas ruas”, sugere Erber.
Enquanto essas mudanças não chegam, ele avalia que “a tendência, pelo menos no início, será a opção por carros pequenos, de uso urbano e com uma autonomia razoável”. Segundo Erber, os VEs serão adaptados com uma bateria menor, menos potente e mais barata: “os carros devem ser compactos e leves, o que representa vantagens sob o ponto de vista da mobilidade urbana”.
Mais uma solução viável, indica o especialista, seria a adoção de outra categoria de veículo: o híbrido. Movido a eletricidade ou a combustível, ele surge como alternativa a quem busca mais autonomia e não quer depender apenas da bateria instalada no modelo elétrico. Enquanto a distância média percorrida a cada abastecimento ou recarga é de 600 km ou 200 km, respectivamente, o carro híbrido roda até 700 km.
A eficiência energética do elétrico é maior. Enquanto o motor a combustão rende 15% e desperdiça o restante em calor e fumaça, o elétrico queima aproveita 85%. “É o equivalente a trocar um carro que faz 10 km/l por um que roda 20 km/l. O VE utiliza um processo mais eficiente de uso da energia”, explica o engenheiro eletricista da Assessoria de Mobilidade Elétrica Sustentável da Itaipu Binacional, Márcio Massakiti Kubo.
Os motores elétricos também reduzem a poluição e, por consequência, trazem benefícios à saúde. Segundo o professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Saldiva, a adoção do modelo é uma das ações viáveis para solucionar o problema do trânsito nas cidades. Mas ele adverte que se a frota mudar, fica resolvida a questão da poluição, mas não a da mobilidade. “É preciso buscar uma análise mais integrada”, destaca.
Nesse sentido, Saldiva sugere, por exemplo, a adoção de ônibus elétricos ou híbridos para o transporte coletivo, sistemas eficientes de uso e desocupação do solo, políticas de utilização mais eficientes dos combustíveis e de mobilidade. “A cidade tem que oferecer uma mescla de alternativas. Os carros sempre terão espaço e o veículo elétrico será a melhor alternativa de transporte individual”, afirma o especialista.
Fonte: Agência CNT