Planejando o trânsito do amanhã

 

O engenheiro civil Laédson Bezerra, 61 anos, presidente do Fórum Desafios para o Trânsito do Amanhã, promovido pelos Diários Associados, teve desde o início a carreira voltada para a área do trânsito e transporte. Formado pela Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco em 1973, iniciou sua experiência profissional na empresa de consultoria Astep Engenharia Ltda, que era vista na época como uma segunda escola de engenharia, responsável pela formação de um corpo técnico de excelência, que até hoje, segundo ele, ainda é a principal referência do mercado. Na década de 1980, ele ajudou a elaborar o projeto do Metrô do Recife e apoiou sua implantação. Foi em 1989 que assumiu a direção do Detran-PE com a missão de reestruturar o órgão e tirá-lo das páginas policiais. Permaneceu no Detran até junho de 2006, quando foi convidado a assumir a Secretaria de Turismo e presidência da Empetur. Atualmente é responsável pela parte de projetos da ATP Engenharia. Nesta entrevista, ele fala sobre a experiência de presidir o Fórum de Trânsito com o desafio de agregar o envolvimento dos diversos segmentos na discussão de melhorias da política de mobilidade urbana antes da Copa de 2014.

 

De alguma forma, ao longo da sua carreira, o senhor sempre esteve envolvido com a questão da mobilidade. Como isso aconteceu?

Acredito que tem a ver com a minha própria formação e a experência na Astep, que teve uma influência grande, uma vez que é uma empresa de consultoria que já desenvolvia, na época, projetos na área de mobilidade. Embora seja uma palavra nova, havia já uma discussão de melhoria de trafegabilidade. Lá se formaram grandes nomes da engenharia pernambucana a exemplo de Emir Glasner e Anton Melo.

Quanto tempo o senhor permaneceu na Astep?

Eu entrei lá como estagiário em 1973 e fiquei até 1985. Foi uma experiência muito rica. Aliás, todo estudante de engenharia tinha como principal meta participar do corpo técnico da Astep, que formou profissionais que ainda hoje atuam na área de consultoria. Um dos projetos que ajudei a elaborar e apoiei a sua implantação foi do metrô do Recife, que já era visto como um importante equipamento para melhoria do transporte coletivo.

O senhor assumiu a direção do Detran em um momento em que o órgão recebia muitas críticas. Como foi esse desafio?

O desafio, de fato, era tirar o Detran das páginas policiais e reestruturar o órgão do ponto de vista físico e de equipamentos. Tirar o ranço burocrático, descentralizá-lo e simplificar o processo. Antes era apenas a sede com filas enormes para qualquer procedimento, o que facilitava a figura do “despachante”. Nós informatizamos o serviço e levamos o Detran para os centros de compra.

Como ocorreu essa transferência dos serviços para os centros de compra?

Nós quebramos alguns paradigmas e vencemos a resistência que havia na época do Shopping Recife. Havia o medo de filas enormes e de receber gente de todo “tipo”. Na verdade, o serviço se mostrou muito eficiente. Criamos o sistema de senhas e as pessoas esperavam sentadas ou iam fazer compras e depois retornavam. Também levamos o serviço para o Tacaruna, Plaza, Jaboatão e Caruaru. No Tacaruna tivemos até que ampliar e ainda houve a expansão dos serviços para o Expresso Cidadão. Com essa descentralização, o movimento na sede caiu 70%.

Além da modernização e descentralização dos serviços como o senhor encarou a questão da educação no trânsito?

Nós implantamos o projeto que é sucesso até hoje do palhacinho do trânsito. O agente de trânsito tem que ser antes de tudo um educador e não apenas usar o talão para aplicar multas como se fosse uma “chibata”. A ideia do palhacinho foi quebrar esse paradigma e levar a educação de trânsito para as escolas.

O senhor acredita que os órgãos de trânsito têm condições de fazer a educação de trânsito no lugar das escolas?

Acredito que sim. Basta aplicar o que diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Por exemplo, os recursos das multas arrecadados pela Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) devem ser revertidos na educação. Nem todo município faz isso.

Mas há uma discussão onde se defende que a escola tem um poder de penetração maior do que os órgãos de trânsito em todos os municípios. O que o senhor acha disso?

Isso é verdade. A única forma de conseguir uma eficiência na educação do trânsito é primeiro tornar a ação sistemática e não temática com a realização de campanhas em determinadas épocas do ano. E os órgãos de trânsito precisam ter essa interação com as escolas, mas é o órgão de trânsito que deve coordenar e capacitar.

Existe quase uma unanimidade em educar a criança para respeitar as normas de trânsito, mas não há essa mesma lógica para o jovem que está mais perto de começar a dirigir. Não é um contra-senso?

Há uma lacuna realmente e é importante observar que o jovem acaba sendo influenciado pelo grupo e muitas vezes “esquece” o que aprendeu quando era criança.

O senhor deixou a direção do Detran em 2006 e já estamos praticamente em 2012,  qual a avaliação que o senhor faz do aumento da nossa frota?

Eu costumo dizer que da descoberta do Brasil até 2002, nós levamos 502 anos para atingir o primeiro milhão e, nove anos depois, em 2011, chegamos ao segundo milhão. É uma frota bastante preocupante e boa parte se deve ao aumento das motocicletas, que estão substituindo o papel que é do transporte público de oferecer regularidade e conforto. Como ainda não temos um transporte com essa qualidade, as pessoas migram para moto ou o carro.

Como o senhor recebeu o convite para presidir o primeiro Fórum Desafios para o Trânsito do Amanhã, promovido pelos Diários Associados?

Eu recebi uma ligação dizendo que o presidente dos Diários Associados no Nordeste, Joezil Barros, queria conversar comigo e foi uma grata surpresa saber da preocupação de um jornal do porte do Diario de Pernambuco em abraçar uma causa como essa. Acredito que o Diario partiu na frente e é importante levar a discussão dos problemas do trânsito e da mobilidade para a sociedade que precisa estar diretamente envolvida.

Como foi a definição dos temas?

A escolha dos temas teve como propósito alcançar os diversos segmentos que envolvem a questão do trânsito e da mobilidade e tendo como gancho o evento da Copa do Mundo. E decidimos distribuir os temas em 10 edições. Começamos com a discussão sobre as condições das rodovias federais que cortam o estado, das rodovias estaduais e da operação do trânsito nos municípios. Trouxemos ainda o problema do aumento das motocicletas e as consequências para o trânsito e a saúde pública em um fórum específico e ressaltando ainda a questão da legislação de trânsito e da educação.

O senhor concorda que a Copa do Mundo é uma oportunidade para termos um salto na qualidade da nossa mobilidade?

Eu diria que as obras devem ocorrer independentemente da Copa do Mundo, mas, sem dúvida, os investimentos que resultam de um evento desse porte devem ser vistos como uma excelente oportunidade.

De que forma o senhor acredita que o fórum poderá contribuir na melhoria do trânsito?

A primeira contribuição foi despertar essa discussão e nós tivemos, ao longo das edições, contribuições importantes que serão apresentadas numa carta aberta com as sugestões para as autoridades. Acredito que iniciativas como essa podem incentivar outras organizações a tratar do assunto. Nós estamos em um momento de crescimento econômico do estado, que tem seu lado positivo, mas também preocupa na questão do aumento da frota. Por isso, precisamos cada vez mais nos prepararmos para enfrentar o que vem por aí. A gente corre o risco de dizer que éramos felizes e não sabíamos.

Saiba mais

Frota do estado nos últimos 40 anos

1973
– 108.675 veículos (era a frota do estado quando Laédson entrou na universidade)

1989
– 357.926 (essa era a frota ao assumir o Detran)

2002
– 1.007.613 veículos (o 1º milhão)

2006
– 1.250.400 (ao deixar o órgão essa era a frota)

2011
– 2.039.542 (o 2º milhão em menos de 10 anos do 1º)

Acidentes de trânsito no mundo

1,3 milhão
de pessoas morrem vítimas de acidentes de trânsito por ano em todo o mundo

2011
-2020 é a Década Mundial de Ação para Segurança Viária

A meta mundial da OMS é reduzir em 50% as mortes
de trânsito nesse período

Fonte: Detran e OMS