Depois da determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afirmou ser necessário o teste do bafômetro para aplicação da Lei Seca, a Câmara dos Deputados deve votar um projeto que vai de encontro com essa decisão e também aumenta o rigor das punições para motoristas que bebem e dirigem. A proposta em tramitação no Congresso torna crime conduzir veículos sob o efeito de qualquer quantidade de álcool e permite que o flagrante seja feito mesmo quando o motorista se recusa a fazer o teste do bafômetro.
“Já há um acordo com todos os atores envolvidos, o que nos permite dizer que a Câmara vai votar esse projeto em breve”, prometeu o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), nesta quinta-feira. O projeto da tolerância zero foi aprovado pelo Senado em novembro. O texto aguarda votação na Comissão de Viação e Transportes.
A nova lei prevê que, quando o condutor se recusar a fazer o exame do bafômetro, o agente pode se valer de outras provas, como o depoimento de testemunhas ou vídeos que comprovem a influência de bebidas alcoólicas sobre o motorista.
Embora continue tratando como crime dirigir sob efeito de qualquer quantidade de álcool, o projeto deve ser abrandado na Comissão de Viação e Transportes. A proposta do relator Hugo Leal (PSC-RJ) prevê a pena de prisão apenas para quem for pego com pelo menos 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Nestes casos, a pena seria de seis meses a três anos de cadeia.
Se a quantidade de álcool for menor, o crime seria punido apenas com penas administrativas. Hoje, o motorista pode ser multado se for pego com 0,1 grama de álcool por litro de sangue, mas a conduta só se torna crime se a quantidade chegar a 0,6 decigramas.
A tolerância zero para o motorista que dirige depois de beber, estipulada pelo projeto que altera a Lei Seca, deve ficar restrita a penas administrativas, conforme o texto que está sendo fechado na Câmara dos Deputados. Apenas motoristas flagrados dirigindo com mais de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou com sinais de que beberam antes de assumir a direção poderão ser processados criminalmente.
A alteração discutida pelos deputados cria um parâmetro para diferenciar o motorista que eventualmente bebeu um copo de cerveja daquele que dirige embriagado. Para ambos, haverá multa e perda da carteira de habilitação. Para detectar os sinais de que o motorista bebeu ou está com a capacidade psicomotora alterada, a polícia poderá se valer do bafômetro ou de exames de sangue, caso o motorista se disponha a fazer o teste, ou usar filmagens, fotos e testemunhos.
O Conselho Nacional de Trânsito deverá estabelecer como essas provas poderão ser colhidas. As alterações visam a dar efetividade à Lei Seca, cujo rigor foi reduzido pelo entendimento da Justiça de que os motoristas não são obrigados a se submeter a exames ou ao bafômetro. Os deputados devem tirar do texto e deixar para outro projeto a discussão sobre o aumento das penas. O maior rigor nas penas foi aprovado pelo Senado, mas a Câmara, por enquanto, votará pontos consensuais.
O debate em torno de penas mais duras para motoristas que dirigirem sob o efeito de álcool ou outras drogas será levado, no dia 20 de março, ao Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Segurança e Paz no Trânsito. O comitê, formado por representantes da sociedade e do Poder Público, deverá se manifestar principalmente sobre o Projeto de Lei 2788/11, que criminaliza o ato de dirigir sob o efeito de qualquer concentração de álcool no sangue.
O assunto será discutido na reunião a pedido do relator do projeto na Comissão de Viação e Transportes, deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). O resultado da discussão, que terá também a participação de juristas e de técnicos em segurança de trânsito, deverá ajudar o relator na elaboração do texto final da proposta.
Entre outras alterações ao Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97), o projeto determina que dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa sujeita o infrator à pena de detenção de seis meses a três anos, além de multa e da suspensão ou proibição do direito de dirigir. Atualmente, o condutor deve apresentar pelo menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue para que fique configurado crime.
O comitê deverá se manifestar ainda sobre outros pontos do PL 2788/11 e de projetos apensados, como o uso de outros tipos de prova para caracterizar o crime de dirigir embriagado, caso o motorista se recuse a fazer o teste do bafômetro.
“De antemão, entendo que devemos ampliar o rigor da lei e punir motoristas que dirigem alcoolizados. A sociedade entende que hoje há impunidade. Motorista embriagado provoca morte e não vai para a cadeia. Isso tem que mudar rapidamente”, disse o deputado Edinho Araújo, que vai propor audiência pública na Câmara para debater o assunto depois de receber as sugestões do comitê.
Mortes
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou no ano passado 7.552 acidentes envolvendo motoristas embriagados em rodovias federais, dos quais 307 resultaram em morte. Ainda segundo a PRF, 699.903 motoristas passaram por teste de bafômetro em 2011. Dentre eles, 18.895 (2,6%) foram autuados por embriaguez e 8.424 (1,2%) também foram presos.
O Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Segurança e Paz no Trânsito é integrado por 25 pessoas, que representam cinco ministérios (Cidades, Justiça, Saúde, Educação e Transporte), três secretarias do governo federal (Antidrogas, Juventude e Direitos Humanos), Ministério Público, Poder Judiciário e Câmara dos Deputados, além de 10 instituições da sociedade civil ligadas ao trânsito.
Mesmo sem fazer teste do bafômetro ou exame de sangue para comprovar a embriaguez, os motoristas que dirigirem após consumir bebida alcoólica podem responder criminalmente pelo ato.
Isso porque a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 48, que impõe tolerância zero e punição a todos os condutores que guiarem sob o efeito de qualquer concentração de álcool no organismo — a lei atual prevê que a pessoa flagrada com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões seja punida apenas administrativamente.
O PLS foi apreciado pela comissão em caráter terminativo, ou seja, sem necessidade de ir ao plenário, e segue agora para avaliação na Câmara dos Deputados.A adição de novos parágrafos ao artigo 306 da Lei Federal nº 9.503/1997 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) aumenta também o rigor para motoristas que, ao dirigirem sob o efeito de álcool, causarem mortes no trânsito.
A penalidade pode chegar a 16 anos, conforme emenda do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Na redação original, de autoria de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a punição em caso de morte chegava a 12 anos de reclusão.
Se o acidente provocar lesão gravíssima, os condutores estarão sujeitos a penas de seis anos a 12 anos, enquanto para lesão corporal grave, a sanção varia de três anos a oito anos. Já as consideradas leves, de um ano a quatros anos de detenção.
A proposta ainda sugere que a comprovação da embriaguez seja feita não apenas por meio do teste do bafômetro ou de exame de sangue, mas também por “meios que permitam certificar o estado do condutor, inclusive prova testemunhal, imagens, vídeos ou outras provas em direito admitidas”.
Para o senador Ricardo Ferraço, o projeto vai penalizar com rigor os motoristas que insistirem em dirigir embriagados. “É tolerância zero. A pessoa tem que ser punida gerando, ou não, qualquer tipo de lesão no trânsito. Beber e dirigir é como andar com uma arma sem ter porte. Não precisa utilizá-la para ser criminoso”, ressalta o autor da proposta.
Durante a leitura do relatório, na manhã de ontem, o senador Pedro Taques (PDT-MT) acatou a emenda do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que propôs aumentar as penalidades para 12 e 16 anos de reclusão em casos de lesões gravíssimas ou morte, consecutivamente. O texto inicial previa a pena máxima de 12 anos.
“O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre ninguém ser obrigado a produzir provas contra si, desmoralizou o bafômetro e deixou de comprovar a embriaguez dos motoristas. Se o projeto for aprovado, vamos resgatar essência da lei seca, que produziu resultados importantes e registrou redução no número de acidentes fatais no Brasil”, afirma Ferraço.
Na Câmara, a proposta vai passar por comissões e seguir para votação em plenário. Se a redação for alterada, volta para o Senado, onde as sugestões serão analisadas e corrigidas, caso seja esse o entendimento dos senadores.
Para o advogado criminalista Antônio Alberto do Vale, o projeto é bom no que diz respeito a punir criminalmente a embriaguez ao volante. Entretanto, ele diz que os critérios usados pelos agentes de fiscalização para determinar se a pessoa consumiu ou não álcool podem ser alvo de contestação. (Kelly Almeida e Mara Puljiz)
Saiba mais
Mais rigor
O Projeto de Lei nº 48 acrescenta parágrafos ao art. 306 da Lei Federal nº 9.503/1997, do (CTB) e torna mais rigorosa a punição aos motoristas que dirigem sob o efeito de qualquer concentração de álcool. Veja as mudanças:
Lei atual:
É considerado crime dirigir estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Atualmente, a pena para quem dirige embriagado é de seis meses a três anos de detenção, além de multa. O motorista pode ainda ter suspenso o direito de dirigir.
Como pode ficar:
É crime conduzir veículo automotor sob influência de qualquer concentração de álcool ou substância psicoativa que determine dependência. Se aprovado, o projeto prevê pena de até 16 anos de reclusão ao motorista que, alcoolizado, provocar acidente que resulte em morte. As penalidades para envolvimento em colisões leves, graves e gravíssimas também serão mais rigorosa, com variação de um a 12 anos de prisão ou detenção. Em caso de recusa à realização do teste do bafômetro, a proposta também permite a comprovação da embriaguez por meio de provas testemunhais, imagens ou vídeos.
Saiba mais
Um levantamento divulgado recentemente pelo Ministério da Saúde, com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), mostra que o Brasil registrou no ano passado 40.610 vítimas de trânsito. Acredita-se que, deste total, 70% estejam relacionados ao consumo ou abuso de bebidas alcoólicas. Nos Estados Unidos, as principais causas dos acidentes de trânsito são pais tentando acabar com brigas dos filhos no banco traseiro e o uso de laptops.