Até quando o usuário terá que pagar a conta sozinho?

 

Fotos - Paulo Paica DP.D.A.Press

Por

Ana Cláudia Dolores

Um sistema caro, de má qualidade e que ainda é bancado pelo cidadão. No Brasil, o transporte público é quase todo financiado pelo usuário. Nos países que são comprometidos com a sustentabilidade e a qualidade dos centros urbanos, estado, iniciativa privada e sociedade civil formam um pacto e todos assumem sua parcela de responsabilidade. Aqui, os subsídios ainda encontram resistência, mas são necessários para encerrar o ciclo vicioso.

Um sistema caro, de má qualidade e que ainda é bancado pelo cidadão. No Brasil, o transporte público é quase todo financiado pelo usuário. Nos países que são comprometidos com a sustentabilidade e a qualidade dos centros urbanos, estado, iniciativa privada e sociedade civil formam um pacto e todos assumem sua parcela de responsabilidade. Aqui, os subsídios ainda encontram resistência, mas são necessários para encerrar o ciclo vicioso.

Não é à toa que essa proposta é estranha aos brasileiros. A política histórica do governo tem sido a de beneficiar o transporte privado em vez do público. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos de autopasseio, em vigor, é um exemplo de como esse modal é estimulado. Nesta semana, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nota técnica na qual mostra o quanto o transporte público foi desprezado no Brasil. Na última década, ficou relativamente mais barato andar de carro que de ônibus na média das cidades.

“Claro que vamos enfrentar resistência para derrubar essa lógica de privilegiar o privado. Mas quando a população começar a ver as melhorias, vai acabar se convencendo de que os subsídios são importantes”, assinalou o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho. Na Europa, cerca de 50% das receitas do transporte vêm de fontes extra tarifárias, principalmente dos orçamentos dos governos. “Existem outras possibilidades, como taxar estacionamentos em áreas públicas, gasolina ou o usuário do carro, que se beneficia com vias mais livres”, exemplificou.

Não se pode perder de vista o objetivo do subsídio. “São Paulo adotou o bilhete único para que as pessoas andassem por mais tempo pagando uma só passagem, mas não melhorou o serviço. Subsídio só vale a pena quando não é eleitoreiro e garante qualidade”, sacramentou Germano Travassos.

 

Que nota você dá ao transporte público?

 

 

 

 

Por

Tânia Passos

Um déficit histórico na qualidade do serviço do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR) pode começar a mudar a partir da licitação do serviço. As operadoras terão que cumprir as exigências previstas no edital ou correm o risco de perder o direito de operar. E, pela primeira vez, o usuário dará sua nota sobre o tipo de serviço que usa todos os dias. Os indicadores de qualidade, previstos no edital, levam em conta o cumprimento das viagens, a duração dos intervalos, o índice de quebra dos ônibus e a satisfação do usuário. Cada um desses fatores terá um peso para a nota final. A opinião do usuário terá o maior peso: 3,5. As avaliações serão feitas a cada seis meses e a empresa que tiver nota inferior a 5 perde o direito de operar imediatamente. As que obtiverem notas entre 5 e 7 por seis vezes, consecutivas ou não, perderão o direito de renovar o contrato após os 15 anos de vigência. O edital das linhas da RMR foi lançado ontem.

Para que as empresas possam se adequar às exigências, entre elas a climatização dos coletivos, a regularidade das viagens e a renovação da frota em no máximo cinco anos, o governo do estado ofereceu renúncia fiscal de 100% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o combustível e a compra dos veículos. Com a isenção, os empresários do setor deixarão de pagar R$ 41 milhões de tributos por ano. Também haverá dispensa de Imposto Sobre Serviço (ISS) dos municípios do Recife e de Olinda equivalente a cerca de R$ 11 milhões. “É um esforço para que as empresas possam trazer as melhorias necessárias para a qualidade do transporte público sem impactar nas tarifas. O aumento das passagens continuará a ser feito com base no IPCA”, afirmou o governador Eduardo Campos.

Os indicadores também vão influenciar na remuneração das operadoras. Para ficar na zona de conforto, as empresas terão que obter notas de 8 a 10, incluindo os limites de qualidade. Para cada índice não alcançado será reduzido 1% da remuneração. “Quem não operar com eficiência vai perder dinheiro”, apontou o presidente do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano, Nelson Menezes. Entre os convidados para o lançamento do edital das linhas estava o presidente do Sindicado das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE), Fernando Bandeira, mas ele preferiu não comentar. “Só falo depois que ler o edital”.

 

Saiba Mais

O que vai mudar com a licitação
–    Refrigeração da frota do SEI até junho de 2014
–    Refrigeração de toda a frota até 2020
–    Câmbio automático dos ônibus do SEI até junho de 2014
–    Câmbio automático de toda a frota até 2020
–    3,5 anos é a idade máxima para renovação dos ônibus convencionais
–    5 anos é a idade máxima para renovação dos ônibus articulados (sanfona)

Indicadores de qualidade
–    Cumprimento das viagens
–    Cumprimento dos intervalos
–    Índice de quebra
–    Índice de satisfação do cliente

A frota atual
385 linhas
2.456 ônibus convencionais
214 ônibus articulados
2.691 ônibus + 5% de reserva técnica

A frota com a licitação
391 linhas intermunicipais da RMR
186 linhas do SEI
1.041 ônibus convencionais
655 dos ônibus convencionais com ar-condicionado
489 ônibus articulados com ar-condicionado
221 ônibus do modelo BRT com ar-condicionado
71 ônibus alongado (3 eixos) com ar-condicionado
2.644 ônibus será a frota após a licitação + 5% de reserva técnica

Distribuição das linhas em 7 lotes
Lote 1 – Corredor da Avenida Domingos Ferreira e BR-101 Cabo/Ipojuca
Lote 2 – Corredor da Avenida Mascarenhas de Moraes
Lote 3 – Corredor José Rufino (paralelado metrô) e Abdias de Carvalho
Lote 4 – Corredor da Avenida Belmiro Correia
Lote 5 – Corredor das avenidas Rosa e Silva/Rui Barboda e Avenida Norte
Lote 6 – Corredor das avenidas Beberibe e Presidente Kennedy
Lote 7- Corredor da BR-101/PE-15 (Norte/Sul) e corredor PE-01 (Olinda)
Lote 8 – Corredor da Caxangá (licitado pela Prefeitura do Recife e operado pela CRT até 2020)
20% é o limite das linhas da rede por lote. Cada empresa ou consórcio só pode ter um lote

Renúncia fiscal
R$ 41 milhões em ICMS sobre combustível e dos veículos
R$ 11 milhões em ISS dos municípios consorciados: Recife e Olinda

Prazos
15 anos é o tempo de duração do contrato
5 anos é o tempo para renovar o contrato
Agosto de 2013 ocorrerá a assinatura do contrato com as empresas
6 meses é o prazo máximo para as empresas iniciarem a operação com as mudanças

Fonte: Secretaria das Cidades

Fonte: Diario de Pernambuco

 

Usuários de ônibus sem informações

Diario de Pernambuco

Por Tânia Passos

Informação é uma ferramenta fundamental na mobilidade. Saber, por exemplo, qual ônibus pegar para chegar a um determinado lugar, em tese, seria básico. Mas na prática é uma verdadeira ginástica.

Não por acaso, cerca de 85% das viagens de ônibus ao centro do Recife, segundo a última atualização do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), em 2008, não têm como destino o Centro. Os usuários vão ao local para fazer o transbordo porque sabem que lá vão encontrar linhas para qualquer lugar da região metropolitana.

Reduzir a demanda do centro e o tempo gasto pelo usuário é um dos desafios do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano. E antes de entrarmos no mérito das tecnologias disponíveis, mas ainda não acessíveis, vale ressaltar que a velha e boa escrita já faria uma grande diferença. A maioria das 6.238 paradas cadastradas nos 14 municípios da RMR não dispõe de nenhuma informação das linhas que passam por elas.

Os itinerários do nosso sistema de transporte público são conhecidos por quem é acostumado a fazer o mesmo trajeto todos os dias e teve que decorar. No entanto, podem se transformar numa verdadeira incógnita para quem muda de itinerário ou faz determinado percurso pela primeira vez. “A grande massa transportada é formada pelos trabalhadores e estudantes. Para quem é de fora ou não conhece o itinerário, a estratégia será melhorar a comunicação”, afirmou a diretora de operações do Grande Recife, Taciana Ferreira.

Na Conde da Boa Vista, encontramos a aposentada Maria Madalena de Araújo, 63, que saiu do Pina com destino a Casa Amarela e desceu do ônibus no Centro para mudar de condução. “Não saberia outro jeito de chegar até lá”, afirmou.

Problema cultural

O consultor em transporte público e especialista em mobilidade urbana Germano Travassos lembra que a cultura das linhas voltadas para a região central é uma característica comum das cidades. “O primeiro anseio das pessoas é a ligação com o centro, que é a primeira nucleação. Com o crescimento surgem outras áreas polinucleadas, mas a configuração original permanece. E não é fácil mudar de uma hora para outra ”, explicou Travassos.

De acordo com a diretora de Operações do Grande Recife, a inversão da lógica do fluxo para o Centro só deverá ocorrer com o funcionamento dos 23 terminais do Sistema Estrutural Integrado (SEI). “Hoje, 60% das linhas são complementares e 40% do SEI. Nós queremos inverter isso e a demanda para o Centro será reduzida”, afirmou.

A demanda e a redução no tempo de viagem é um dos aspectos. O outro, igualmente importante, é a qualidade da informação disponível para o usuário, que tanto pode optar pelo SEI como para uma das linhas complementares, de acordo com o seu destino. “Nós não dispomos ainda de um roteirizador que poderá fornecer as informações ao usuário das linhas e os horários”, afirmou.

Saiba mais

Os números do transporte público da RMR

6.238paradas de ônibus estão cadastradas na RMR

390linhas de ônibus operam na RMR

3 milônibus circulam na RMR

14municípios integram a RMR

2,1 milhõesde passageiros são transportados por dia

900 mil passageiros são transportados pelo SEI

Fonte: Grande Recife

Desafio do transporte público:atrair classe média

 

Fernando Bandeira, presidente da Urbana-PE

 

Apesar do Sistema Estrutural Integrado (SEI), que integra os ônibus de toda a Região Metropolitana do Recife, ser um exemplo de modelo para o resto do país, a qualidade do serviço ainda deixa muito a desejar. Nesta entrevista, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros em Pernambuco (Urbana-PE), Fernando Bandeira, diz que ainda é possível atrair o público que foge para o transporte individual. (Tânia Passos)

 

O que é preciso para termos  transporte de qualidade?

Há muito tempo não havia investimentos na infraestrutura do transporte público. E o que é preciso para o ônibus andar? Que tenha corredores exclusivos. Agora com esses corredores que estão sendo construídos o transporte vai poder fluir e não ficar preso nos engarrafamentos. Com isso, nós acreditamos que a população que hoje não utiliza o transporte público vai passar a usar.
A climatização é uma das críticas. Outra é com relação a demora nos intervalos.

O maior problema é que não temos pistas exclusivas e os ônibus ficam presos nos engarrafamentos. Não é uma questão de aumentar a frota. Há trechos na Agamenon em que a velocidade do ônibus é de 5km/h e a expectativa com os corredores é de uma velocidade média de 25km/h. Quanto a climatização isso será modificado com a licitação do transporte público. O edital exige climatização em todos os coletivos, mas isso deverá  trazer impacto na tarifa.
Fora dos horários de pico, muitos ônibus trafegam vazios ao lado de uma fila de carros. Como atrair esse público?

Acho que a instalação dos corredores e a mudança dos ônibus nos moldes do BRT (Transporte Rápido por Ônibus) será uma oportunidade para atrair o público da classe média. No show de Paul Macartney a classe média usou o ônibus e aprovou. Falta divulgação. As pessoas precisam saber que o ônibus fica mais vago for a dos horários de pico.
Já nos horário de pico com aquela superlotação ficará bem mais difícil, não é?

Na verdade teremos ônibus maiores e articulados e com um aumento da velocidade. A tendência é que não fique tão superlotado. Mas não se pode esperar que só tenha passageiros sentados, do contrário a tarifa ficaria impraticável.

A vez do passageiro

A licitação das linhas de ônibus da Região Metropolitana do Recife trará junto um elemento que pode fazer toda a diferença na oferta do serviço: a nota que o usuário dará às empresas. Pela primeira vez, a opinião do usuário terá um peso entre os indicadores de qualidade do serviço. Ao todo serão quatro indicadores: cumprimento do número de viagens, cumprimento dos intervalos, índice de quebra e o índice de satisfação do usuário.

Para se ter uma ideia da importância de agradar o passageiro, a empresa que receber nota inferior a oito, na soma dos quatro indicadores, sofrerá uma perda de um por cento da receita, que será revertida para o próprio sistema e caso a nota seja inferior a cinco, a empresa perderá a concessão.
Ter critérios claros no contrato de serviço de exploração das linhas de ônibus é imprescindível para a melhoria da qualidade, outro ponto é uma fiscalização eficiente. Além do olho do próprio usuário, o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano contará também com a tecnologia. As informações do percurso de cada ônibus e quanto tempo ele gastou por viagem serão repassadas por satélite.
Nós esperamos 24 anos pela licitação das linhas, prevista na Constituição de 1988. Só resta agora acreditar que as mudanças não serão apenas no nome: de permissão para concessão. A licitação será aberta também para empresas estrangeiras, fato inédito no país, o mais importante, no entanto, é que a concorrência seja traduzida pela satisfação do cliente, afinal, pela primeira vez, ele dará a sua nota. Quanto ela valerá? É o futuro que vai nos dizer.