Por Fred Figueiroa*
Só existe uma forma de alguém vencer um jogo como o que Novak Djokoviv e Rafael Nadal protagonizaram ontem na final do Australian Open: dedicar a sua vida inteira ao esporte. Uma partida que atravessou a noite e entrou pela madrugada em Melbourne. Uma manhã inteira no Brasil. No relógio, o tempo exato de duração da partida: 5h53. A final de um Grand Slam mais longa de toda a história. Possivelmente, a melhor de todas. Um jogo que definiu o tênis nos dias de hoje. Um esporte que leva o atleta ao seu limite extremo de qualidade técnica, preparo físico, equilíbrio psicológico, inteligência, força de vontade e, sobretudo, dedicação incondicional. E, depois de horas e horas em quadra, o lado mais cruel e inevitável do esporte: o jogo teria que ter um vencedor. E este foi Djokovic. Seu terceiro título na Austrália. Seu quinto Grand Slam. Desta vez, mais do que nunca, precisou mostrar tudo o que tem para ser o tenista nº 1 do mundo.
Para contar a história desta final, é preciso ter consciência que o verbo “perder” não pode estar em nenhuma frase sobre Rafael Nadal. Ainda que a estatística dos confrontos entre os dois seja brutal: Sete vitórias do sérvio nas últimas sete partidas – incluindo as três últimas finais de Grand Slam: Wimbledon, US Open e agora o Australian Open. Impossível imaginar o que passa pela cabeça do espanhol em um momento como esse. Ontem, literalmente, ele fez o possível. E, em alguns momentos, o impossível. Foi um jogo marcado por intermináveis e agressivas trocas de bolas. Na maioria delas, prevaleceu o vigor físico e a raça de Nadal. Foi desta forma, transformando simples pontos em verdadeiras batalhas, que ele se impôs no momento crucial da final. Perdia por 2 sets a 1 e esteve duas vezes muito perto de perder o 4º set.
O primeiro “milagre” aconteceu no 9º game. O set estava 4 a 4, mas Djokovic tinha três bolas para quebrar o saque do espanhol e praticamente por a mão na taça. Mas Rafa demoliu a vantagem do adversário, reverteu o 0/40 e jogou a pressão para o outro lado da quadra. Por pouco tempo. No tiebreak, Nadal chegou a estar perdendo por 5 a 3, com o saque nas mãos do seu rival. Naquele momento nem Djokovic parecia acreditar no nível de tênis apresentado pelo espanhol para sair daquela situação e reverter o placar e, sobretudo, o psicológico da partida.
Passavam de 4 horas de jogo. Dali por diante, ficava claro que a final já entraria para a história. Revigorado, Nadal parecia imbatível no 5º set. Quebrou o saque e chegou a abrir 4 a 2. E seria mesmo imbatível se do outro lado estivesse qualquer outro tenista em atividade. Mas, entre tantas qualidades, talvez a que mais pese a favor de Djokovic seja a tranquilidade. Raramente sua expressão revela qualquer angústia. Sua postura em quadra nãu sucumbe a pressão. Perde um ponto que parecia ganho, beija o crucifixo, conversa consigo mesmo, dá um sorriso e volta para o jogo. Parece inabalável. Talvez, atualmente, seja mesmo. Aos 24 anos vive o auge da sua forma técnica e física. Domina o circuito desde o ano passado.
E isso tudo se transforma em confiança na hora dos pontos decisivos. Depois do que viu Nadal fazer no 4º set, o sérvio sabia que só havia uma forma de sair daquela quadra com a taça: atacar o tempo inteiro. As longas trocas de bola favoreceriam o adversário. Era preciso matar o jogo e ele assumiu o risco. Jogando o seu melhor tênis, devolveu a quebra, empatou o set e não deu mais chance para o espanhol. O empate persistiu até 5 a 5. Há quem diga que aquela final deveria ter acabado justamente neste momento. Era um jogo digno de dois vencedores. Seria até justo. Mas se fosse justo não seria tênis. Não seria esporte. Não prenderia atenção de milhões de pessoas ao redor do mundo. O jogo não termina sem o vencedor. O torneio não acaba sem o campeão. A imagem de Djokovic atacando e cravando último ponto do jogo será repetida incontáveis vezes nos próximos anos. Será vista e revista por milhões de pessoas na TV, na internet e, sobretudo, na lembrança. Afinal jogos como esse nunca terminam.
* Fred Figueiroa é editor da primeira página do Diario e colaborador do blog