O baiano Popó foi um fenômeno no boxe. Em duas categorias diferentes, ganhou 39 lutas. Chegou a estabelecer 29 nocautes consecutivos. Foi quatro vezes campeão mundial.
A sua história, como a de outros tantos brasileiros, começou na miséria, tendo o esporte como o maior vetor para a mudança. Sua, de sua família e até de sua própria modalidade.
A história de Acelino Freitas ganha a sua primeira biografia oficial no livro Com as próprias mãos, editado da Panda Books. As 200 páginas contando a vida de Popó foram escritas por um pernambucano, o jornalista Wagner Sarmento, do Jornal do Commercio, há tempos aficionado pela nobre arte.
Curiosamente, o contato começou em um texto escrito e divulgado por Wagner em seu perfil no facebook, após a luta que marcou a despedida nos ringues de Popó. Aquelas palavras chegaram até Acelino. A partir daí, a história só cresceu, com direito a prefácio de Galvão Bueno, que tanto narrou as vitórias de Popó.
Confira a capa do livro em uma resolução maior aqui.
Texto publicado por Wagner Sarmento no facebook, e que deu origem à biografia:
A primeira lição é: por um filho, o pai faz qualquer sacrifício sorrindo. Promete, jura, afiança, assevera. Sua, corre, luta, se entrega. Faz de tudo para mostrar que é mesmo o super-herói em que todo rebento acredita. Popó abraçou Popozinho depois da luta e, aclamado por uma torcida barulhenta, disse baixinho: “Papai ama você”. Fez-se ouvir. Pronto, dever cumprido. Estava realizado, como boxeador e como pai. Ensinava, no ringue, valores da vida. Correu todos os riscos, mas lutou. O choro de pai e de filho era um só. A segunda lição é: não mexa com quem está quieto. Michael Oliveira cavou a própria cova. Provocou, zombou, subestimou.
Falou que ia fazer e acontecer. Tem 22 anos, está no auge da forma e nunca havia conhecido o sabor de uma derrota. Talentoso, invicto, título latino em mãos, achou que o pouco caminho percorrido e a pouca sola de sapato gasta eram suficientes para arrotar arrogância contra o maior boxeador brasileiro ao lado de Éder Jofre. Guiou-se pela típica afoiteza adolescente. Chamou Popó para a briga como o menino que, corajoso, toca a campainha do vizinho e sai correndo ou picha com giz de cera o muro do colégio.
Um campeão se faz com humildade. Assim mesmo: mais clichê impossível, também mais verdade impossível. Michael devia ter apanhado de cinturão para aprender. Popó tem logo quatro. A terceira lição é: nunca duvide de um campeão. Aposentado, meia década sem lutar, 36 anos de idade. Em longa abstinência do boxe, Popó respirava outros ares, estava acima do peso, nem de longe lembrava o boxeador de outrora quando foi desafiado. O Brasil inteiro vaticinou um vexame homérico. Qualquer comentário que não fosse passional dava como certa a vitória de Michael Oliveira. Chamaram Popó de velho, gordo, acabado, ultrapassado. Cometeram o erro fatal de registrar um tetracampeão mundial de boxe como azarão e dá-lo como morto.
Jogaram a história no lixo e ignoraram o significado da palavra “superação”. Popó não adentrou o ringue apenas para vencer. As vitórias nem sempre dizem tudo. Ele entrou para ensinar, para provar que, mesmo sem precisar provar mais nada, restava um último ato de enredo imprevisível antes de fechar as cortinas. A quarta lição é: quem sabe não desaprende. Popó parece ter passado cinco anos congelado. Voltou tinindo, jogando no ralo o vácuo do tempo sem treinar. Propalavam que ele não aguentaria mais de três rounds.
Só de pirraça, o baiano esperou até o nono para nocautear. Sobrou em todos os outros. Bailou no ringue, buscou mais a luta, castigou o adversário. Quando Michael tentava algo, esbarrava em uma esquiva afiada. Parecia que o desafiante atacava em câmera lenta. Um menino em slow motion contra um coroa na velocidade cinco da dança do créu. E créu. A quinta lição é: foi a aula de boxe mais cara de que se tem notícia. Custou 500 mil reais, sem contar os remédios para curar a ressaca.