De pai para filho

Libertadores-2009: Cruzeiro 1 x 2 Estudiantes

Juan Ramón Verón fez história vestindo a camisa do Estudiantes.

O ponta-esquerda foi revelado no Pincha no início dos anos 60. Em 1968, começou a sua saga no gigante de La Plata, quando ganhou a sua 1ª Libertadores e marcou o gol do título mundial, diante do Manchester United, do craque maluco George Best.

Nos anos seguintes, já com o apelido La Bruja (a bruxa), ganhou mais duas Libertadores, transformando o Estudiantes no primeiro tricampeão da competição.

Em 1975 nasceu o filho de Juan Ramón. Batizado de Juan Sebastián. O novo Verón.

À sombra do pai, Verón cresceu no velho estádio Jorge Luis Hirschi. Além de ser um hincha (torcedor) fanático do clube, ele também passou pelas categorias de base do Pincha. Exibia certa categoria e liderança, mas a comparação com o seu pai, uma lenda viva (hoje com 65 anos), era um peso enorme.

Um peso do tamanho do futebol daquele meia que receberia anos depois o apelido de La Brujita (a bruxinha). Aos 19 anos, vestiu a camisa do clube pela 1ª vez, já como grande promessa. Diante de grande expectativa. Mas acabou migrando para Buenos Aires, onde passou uma temporada no Boca. Depois foi uma década na Europa (Itália e Inglaterra). Nesse meio tempo, inúmeras partidas pela seleção argentina.

Com 31 anos, quis voltar para casa. Sabia que ainda devia algo ao clube que o formou, que idolatra o seu pai. O clube que é a sua paixão. Mesmo com mercado, Verón topou uma proposta menor do Estudiantes. Jogou pela camisa. Uma camisa de tradição. Silenciada por décadas, é verdade…

Chute, passe, marcação, liderança, raça… Verón conseguiu se livrar da imagem do velho Juan Ramón. E também conseguiu deixar o seu nome escrito na história pincharrata. Primeiro, com o título nacional de 2006, quando o Estudiantes ganhou o Apertura após um jogo-desempate duríssimo contra o Boca. Só isso já seria algo histórico, pois eram 23 anos sem nenhum troféu argentino.

Mas La Brujita foi além. O careca, que é o dono da camisa 11, ensaiou a glória na América no ano passado, quando o título da Copa Sul-Americana bateu na trave, escapando apenas na prorrogação, no Beira-Rio, diante do Inter de Nilmar.

Quase 3 mil hinchas estiveram naquela noite em Porto Alegre. Eles festejaram a garra da equipe. Simbolizada no seu capitão, que ainda jogou a camisa para os fiéis após a partida. Veio 2009. Verón continuava em La Plata, já aos 34 anos, e num clube que se modernizava ano a ano. Não jogava mais naquela cancha acanhada, e inaugurada em 1907, mas sim no mais moderno estádio do país, o Ciudad de La Plata.

Com a nova temporada, veio o desejo final: “É o título da minha vida”.

A frase acima foi a que Verón cansou de repetir na Argentina sobre a disputa da Taça Libertadores. Uma edição emblemática. Nada menos que a 50ª. Três delas expostas no museu do clube, graças ao seu pai. Ele queria o mesmo.

Com uma campanha sólida (não levou um gol sequer jogando em casa e ainda teve o artilheiro da competição – Boselli, com 8 gols), o Estudiantes foi caminhando a passos largos até a final. E enchendo de esperança aquele antigo hincha, cujo primeiro sonho era apenas virar jogador de futebol.

Chegou a decisão. Contra o Cruzeiro, um time com 100% de aproveitamento em casa. Nos primeiros 90 minutos, em La Plata, 0 x 0. Um empate que tornou a façanha ainda mais surreal. Mas o sangue de Verón naquele jogo (o volante/apoiador levou uma cotovelada) não seria por nada…

Semana seguinte, capítulo final em Belo Horizonte. O jornal argentino Olé estampa na sua capa de quarta-feira, com uma foto de Verón treinando no gramado do Mineirão: Campo grande. Coração enorme”. Perfeito!

Jogo tenso, brigado. Placar em branco na primeira etapa. Acompanhado de perto por 62 mil cruzeirenses e 4 mil pincharratas, que atravessaram uma distância de 2.170 km para ver de perto uma glória alcançada há 39 anos. Hinchas que cresceram ouvindo histórias fantásticas dos pais. Viram ao vivo. Vão poder contar para as próximas gerações.

Viram Henrique acertar uma bomba no 2º tempo, balançando as redes e, também, as arquibancadas do Mineirão com o gol celeste. Com uma tranquilidade que parece natural para os times argentinos na Libertadores, o Estudiantes conseguiu a virada… Primeiro com Fernández e depois com Boselli, numa cabeçada aos 27 minutos.

Fim de jogo. O Estudiantes é tetracampeão da Libertadores. Foram 620 partidas desde a estreia de Juan Sebastián Verón como profissional, em 24 de abril de 1994. Tempo suficiente para alimentar um desejo de criança. Agora realizado.

1968, 1969, 1970 e 2009.

Gigante.

4 Replies to “De pai para filho”

  1. Parabéns ao Estudiantes. Eu particularmente gosto do futebol argentino. Mais rápido, com passes precisos, boa organização tática algo que falta no futebol Brasileiro onde vemos distribuidores de camisas que se dizem técnicos embora não entendam nada. Até na primeira divisão é difícil acompanhar um jogo no Brasileiro, com jogadores que andam em campo. Mas o Cruzeiro é uma exceção, excelente trabalho de seu técnico e libertadores é isso mesmo, vence que é mais preciso nos detalhes.

  2. Cássio,

    Dois motivos para estar feliz: o primeiro, óbvio, está na condição de atleticano
    que sou. E não me venham falar de Minas Gerais, de Brasil ou coisa parecida! Quando se trata da rivalidade, torço para qualquer time contra o Cruzeiro! O segundo motivo: seu texto é excepcional, jornalismo da melhor qualidade, bem preparado e bem escrito. Não hesito em dizer que seu blog é o melhor blog de esportes de Pernambuco e um dos melhores do Brasil. Parabéns! E não é só por este texto, que é grande, como grande é o Estudiantes de Véron!

  3. Cássio,

    Belíssimo texto. Você está acima da média dos jornalistas esportivos, rapaz!

    Abraço!

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