A culpa era sempre de Maria Rita Cruz, 48 anos. Toda frustração do marido resultava em violência física. Nas palavras do ex, a artesã, por ser negra, “não era gente”. Foram 14 anos de sofrimento, incluindo três tentativas de homicídio. “No início, ele era educado. Depois, começaram as humilhações.” Maria tentou denunciar várias vezes até alguém ouvir o socorro. Hoje, ajuda outras mulheres a sair desse ciclo de dor.
Pernambuco reduziu em 15,6% os assassinatos de mulheres em uma década, passando de 5º para o 15º lugar na lista dos estados com mais assassinatos de mulheres no país. Em contrapartida, registrou aumento de 29,8% nos homicídios de negras no mesmo período, de 2003 a 2013. Os dados fazem parte do Mapa da Violência 2015 – Homicídio de mulheres no Brasil, divulgado ontem, em Brasília.
Em nível nacional, houve crescimento de 21% nos homicídios de mulheres. O país tem uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo. Enquanto os assassinatos de negrass cresceram 54%, os de brancas caíram 9,8%. O país registra uma média de 13 assassinatos de mulheres por dia. Um terço é cometido por companheiros.
A dor de Maria Rita só começou a ser amenizada quando ela chegou à delegacia toda marcada. “Foi quando tive apoio, me fortaleci e saí do ciclo. Recuperei a autoestima, botei a cara na rua, fui à luta e vi que sou uma negra linda, inteligente e nasci para vencer”, lembra ela, que ainda sofre com o medo do marido, condenado e foragido.
O primeiro lugar em assassinatos de mulheres no país atualmente é de Roraima, com 15,3 homicídios por cada 100 mil. Alagoas está em primeiro lugar no Nordeste e em quarto lugar no ranking nacional, com 8,3 homicídios a cada 100 mil mulheres.
No Nordeste, a situação é grave. Entre as capitais com taxas mais elevadas de assassinatos de mulheres em 2013 – 10 homicídios por 100 mil mulheres – três são da região: Maceió, João Pessoa e Fortaleza. A pesquisa também apresenta um recorte de idade das vítimas e local dos assassinatos. No Brasil, até os 10 anos, a incidência de assassinatos é baixa ou nula. Até o 19 anos, no entanto, há um crescimento e, a partir dessa idade, há tendência de lento declínio até a velhice. Também chama atenção o fato de 27,1% das vítimas serem mortas dentro de casa no país e 22,5% serem assassinadas pelos companheiros, o que aponta crime de feminicídio.
“Sofri violência desde que me casei. Meu marido me humilhava com frequência, me obrigava a fazer sexo e me chamava de vagabunda”, lembra a costureira Luzinete Ribeiro, 68 anos. Ela cansou de contar as vezes que foi arrastada pelo marido. O ciclo de violência durou 45 anos. “Procurei ajuda, recebi informação e hoje minha vida está no céu”, relata ela, cuja história faz parte do livro Reconstruindo vidas: mulheres que romperam a violência doméstica, organizado pela Prefeitura do Recife.
Para especialistas, situação ainda é grave
A redução na quantidade de homicídios contra mulheres em Pernambuco, para os especialistas, tem a ver com o fortalecimento da rede de atenção de apoio às vítimas no estado e à promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006. “Não existe outra explicação. A redução acontece por causa da aplicação de políticas de estado. Esse é o remédio”, pontua Julio Jacobo Waiselfisz, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), responsável pelo trabalho.
Na avaliação da secretária estadual da Mulher, Sílvia Cordeiro, o número de homicídios de mulheres no estado vem caindo desde 2007 em virtude da estruturação do plano de segurança em Pernambuco, o Pacto pela Vida, aliado à rede de políticas públicas específicas. “Temos 43 centros de referência, que são responsabilidade dos municípios, além de abrigamento para mulheres em risco de morte, que atendem 70 mulheres por mês.”
Integrantes de movimentos sociais ressaltam, porém, que ainda falta muito para comemorar. “Somos de um estado pioneiro na luta do feminismo, então deveríamos estar em um patamar melhor. Os esforços têm dado resultado, mas não há motivo para bater palmas”, pondera a conselheira estadual da mulher e membro da coordenação colegiada do Centro das Mulheres do Cabo, Izabel Santos.
Segundo ela, as pautas destinadas à mulher vêm perdendo investimento. Um exemplo são as delegacias da mulher do Cabo e de Vitória de Santo Antão, que perderam as titulares para outros setores. “Hoje há um aparato, a Lei Maria da Penha é do conhecimento da sociedade, mas falta investimento nas camadas populares, onde estão as mulheres negras e pobres. É onde não chega formação e informação.”