Vidas destruídas pelo crack

O crack segue fazendo total destruição nas vidas de quem o prova. Apesar dos efeitos e consequências serem conhecidos por quase todos nós, talvez muita gente ainda não tenha conversado com usuários dessa droga para saber quais são os seus dramas. Na semana passada, visitei alguns pontos de consumo de crack e uma casa do Programa Atitude, do governo do estado, onde havia cerca de 30 usuários da droga. Enquanto algumas pessoas afirmaram que estavam tentando deixar o vício, outras revelaram que pretendiam continuar consumindo o crack.

Droga provoca alucinações e paranoia. Foto: Teresa Maia/DP
Droga provoca alucinações e paranoia. Foto: Teresa Maia/DP

Enquanto os trabalhos de repressão e investigação realizados pela polícia tentam reduzir a oferta da droga nas ruas, as ações desenvolvidas pelos governos estadual e municipal têm o objetivo de devolver a cidadania aos usuários, sobretudo aos que estão em situação de rua ou de vulnerabilidade. Pesquisa da Fiocruz Pernambuco mostrou que 52% dos usuários entrevistados tinham renda de um ou menos salário mínimo por mês. Para tentar ajudar essas pessoas, é preciso que a sociedade e o poder público trabalhem juntos.

O governo do estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ), oferece assistência aos usuários de crack por meio do Programa Atitude. Com foco em reduzir os riscos e danos individuais, sociais e comunitários dos usuários de drogas, o Atitude foi criado em setembro de 2011 e hoje está inserido na programa de política estadual de segurança pública, o Pacto Pela Vida. Confira abaixo entrevista com uma usuária desempregada e moradora do bairro de São José.

“Não quero deixar de fumar crack”

Fernanda (nome fictício) faz programas sexuais ou pede dinheiro para fumar. Foto: Peu Ricardo/Esp/DP
Fernanda (nome fictício) faz programas sexuais ou pede dinheiro para fumar. Foto: Peu Ricardo/Esp/DP

Quem passa pela Rua Imperial, no bairro de São José, no Recife, já deve ter observado uma concentração de pessoas embaixo do Viaduto Capitão Temudo a qualquer hora do dia. Segundo a polícia e entidades de ajuda a usuários de drogas, esse local tem se tornado ponto de consumo. Foi lá que encontramos Fernanda (nome fictício). Mãe de dois filhos, desempregada e com 37 anos, ela disse que não pretende deixar de usar a droga.

Há quanto tempo você está usando o crack?
Faz dois anos que fumei o crack pela primeira vez e fiquei viciada muito rápido. Algumas pessoas que eu conheço estavam usando e um dia me ofereceram. Eu sabia que poderia fazer mal, mas mesmo assim eu provei. Hoje eu uso o crack quase todos os dias.

Como você consegue dinheiro para comprar a droga?
Faço programas sexuais ou peço dinheiro às pessoas para comprar o crack. Cada pedra que a gente compra é R$ 10. Quando bate a vontade de fumar, a pessoa faz qualquer coisa. Hoje mesmo eu já fumei. Estou aqui só esperando anoitecer para ir em casa tomar um banho.

Você mora com seus filhos e familiares?
Não. Moro na rua. Mas sempre eu passo na casa do meu pai. Meus dois filhos de 10 e 9 estão sendo criados pela minha irmã e todo mundo mora na mesma casa. Eu não durmo lá. Prefiro ficar pela rua, em qualquer lugar que eu chegar eu durmo.

Tem vontade de deixar o vício do crack?
Apesar de saber que ele faz muito mal, não quero deixar de fumar o crack. Já me perguntaram se eu queria fazer tratamento, mas não quis. Na minha família só eu que uso essa droga e vou continuar vivendo assim mesmo.

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Grávidas usuárias de crack terão atenção especial do governo

A barriga de sete meses de gravidez é um incentivo. Não impede, porém, que B.B, 19 anos, acenda um cachimbo de crack quando a abstinência chega ao limite. “Comecei a usar grávida de dois meses da minha primeira filha. Tinha me separado. Eu estava passando debaixo de uma ponte, vi uma roda de gente e fui saber o que era. Foi a primeira vez que usei o crack”, contou.

Esperando seu segundo filho, J.BJ. participa do Atitude (RICARDO FERNANDES/DP/D.A PRESS)

Hoje, ela luta para se livrar do vício. Entre idas e vindas está numa casa de apoio há três meses mas passou um mês fora e só retornou há três dias. No Recife e Jaboatão, são pelo menos 68 gestantes e usuárias de crack e outras drogas vivendo nas ruas, estima a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

Devido ao número relevante, a pasta passará a oferecer, na segunda quinzena de março, atendimento especializado a estas mulheres, através do Programa Atitude, que trabalha com dependentes químicos. As gestantes ficarão lá por até um ano, separadas das usuárias que não grávidas, no novo Centro de Acolhimento Intensivo, de localização sigilosa.

De acordo com o secretário Bernardo D’Almeida, o núcleo funcionará 24 horas e a meta é atender pelo menos 90 gestantes da RMR. O maior desafio, segundo ele, é convencê-las a entrar no programa. “As equipes fazem um atendimento inicial nas ruas e as convidam. Se ela aceitar, vai para o acolhimento. O fato de ser um espaço específico pode atraí-la. Também estaremos integrados com outros programas como o Mãe Coruja, no qual ela vai ganhar kits e enxoval.

Após ela ter o bebê, ficará de um a dois meses até ser alocada em um aluguel social, onde disponibilizamos moradia por até seis meses”. O investimento com a ampliação do programa é de R$ 1,5 milhão.

J. B. J., 30, participa do Atitude desde 2012 e gostaria de atendimentoo especializado. Grávida do segundo filho, diz que está “limpa” há seis meses, quando descobriu a gestação. “A minha força de vontade e o programa me ajudam. Comecei aos 15 anos e usava tudo. Me prostituí e fui presa na Alemanha por aliciar menores”.

Para compor o quadro do programa, de hoje até a próxima segunda-feira estão abertas as inscrições para 30 profissionais das áreas de assistência social, psicologia e enfermagem trabalharem no Centro de Acolhimento. É necessário experiência com usuários de crack.

Obs: Os interessados em atuar no centro devem enviar currículo para o e-mail: centrodeprevencao.adm@hotmail.com

Do Diario de Pernambuco