Do Diario de Pernambuco, por Ed Wanderley
Há três anos, o município de Ingazeira no Sertão do Pajeú, a 390 km do Recife, não sabe o que é um homicídio. É a recordista de Pernambuco, sem registro de assassinato desde março de 2012. A 80 km dali, outra cidade salta aos olhos: Calumbi, desde janeiro de 2013 sem qualquer assalto. As cidades fogem à escalada da violência no estado, desde 2014.
Menor cidade pernambucana, Ingazeira tem pouco mais de 4,5 mil habitantes. Possui um distrito quase do tamanho do Centro, onde, pela manhã, é fácil encontrar moradores sob a sombra das árvores ou conversando nas calçadas. Já são 42 meses desde a última vez em que a população teve de lidar com um assassinato em seu perímetro. “Aqui é bom demais. Não era assim. Antigamente era violento, tinha briga, tanto que a cidade acabou não desenvolvendo”, conta o aposentado Cícero Ribeiro Sobrinho, 84.
Para a promoção de tanta tranquilidade, não faltam “pais”. O prefeito Luciano Torres Martins atribui a realidade ao trabalho preventivo com crianças entre 8 e 12 anos, por meio de aulas de policiais militares durante o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência. “Assim, eles acabam influenciando os pais, o que evita problemas. O que mais temos aqui é problema com perturbação do sossego e outras questões leves”, afirma, acrescentando, no entanto, que 12 guardas municipais foram contratados pelo poder municipal para proteger o patrimônio público (porque “a farda já intimida”) e anunciando a instalação de oito câmeras de monitoramento no centro comercial, ao custo de R$ 6 mil. Diz ainda que o município não dispõe de orçamento fixo para segurança pública por não haver demanda para isso.
Já o chefe de estatística do 23º Batalhão da Polícia Militar, capitão Marcos Antônio Barros das Neves, aponta o patrulhamento e a conscientização dos habitantes, por parte da polícia, sobre cidadania – bem como as investidas contra possíveis áreas de uso de drogas e recolhimento de armas – como o fator crucial para colocar sua área de segurança como uma das de melhor desempenho dentro do programa Pacto pela Vida, atingindo, inclusive, os padrões aceitáveis da Organização Mundial da Saúde no que diz respeito à taxa de homicídio inferior a 10 mortes por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, em Jaboatão dos Guararapes, essa taxa foi de 48,5 em 2014.
Quem vive na cidade, pensa um pouco diferente. O fato de conhecer uns aos outros e de a cidade não ser visitada por muitos “forasteiros” são determinantes para a sensação de paz. “A polícia passa por passar. Mesmo com festa, não tem problema”, argumenta Maria Aparecida Alves. O fato de “existir por existir” não chega a ser incomum no município onde a delegacia praticamente não tem fachada identificada e fica junto a uma cadeia pública, que, segundo a PM, foi inaugurada há anos sem nunca ter recebido qualquer preso, além de bodes de criadores locais.
Diálogo e atenção inibem roubos
A 360km do Recife, Calumbi não é diferente de Ingazeira. Seus 5,8 mil habitantes aprenderam a não conviver com crimes – há 34 meses não há registros de assaltos no município. Como não há ocorrências de roubos a banco ou sequestros, por exemplo, seria o mais próximo de uma “capital da paz do ano”, não fosse a decapitação de um agricultor por seu filho, em setembro deste ano.
“É o tipo de coisa que a polícia não consegue evitar. Questão de droga somada à crime de proximidade, fora da área urbana”, defende o delegado Williams Cavalcanti Lacerda. Ele acredita que como toda transgressão registrada no município, nos dois anos de sua atuação, é remetida à Justiça e há ouvidas oficiais, há uma espécie de “presença” da polícia no imaginário da população local, o que inibiria crimes mais graves. “Aqui só tem Maria da Penha e agressão por conta de álcool”, minimiza.
O prefeito Erivaldo José atribui a tranquilidade aos investimentos feitos em educação e ao fato de 70% da população residir na zona rural, dificultando intrigas. “Problema maior é quando vem gente de fora, em especial de Serra Talhada. Um grande aliado é o 190 (emergência policial telefônica)”, garante, afirmando não haver recursos destinados à segurança pública no município além de palestras em escolas por parte da Polícia Militar.
Para o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, diferentemente do que ocorre na Região Metropolitana do Recife, é a cultura do sertanejo que contribui para a queda da violência no Pajeú. “Todo mundo se conhece, tem uma relação e eles têm uma cultura mais apurada sobre o valor do trabalho e dos princípios morais”, diz.
Desde 2014, assim como Ingazeira, não possuem registros de homicídio as cidades de Granito, Itacuruba e Vertente do Lério. A exemplo de Calumbi, estão sem assaltos Quixaba e Solidão.