O encontro com as drogas aconteceu nas escadarias do bairro recifense onde Marcelo mora desde o nascimento. Tinha 14 anos quando começou a observar com mais curiosidade colegas e vizinhos fumando maconha. Via também o movimento de dinheiro, a facilidade de circulação das valiosas notas entre vendedores e compradores do entorpecente. Não demorou para decidir entrar naquele mundo. Hoje tem 16 anos. É traficante de drogas e assaltante de casas lotéricas e mercadinhos. Só não assalta “pai de família”. Porque esse trabalha para sustentar a casa. Não merece ser roubado, justifica.
O levantamento da área a ser assaltada pode durar meses. É preciso saber se há policiais fazendo a segurança dos estabelecimentos. O embate, nesses casos, é mais perigoso. E pode ser evitado. “A gente passa uns meses fitando pra depois ir lá buscar a boa. Nos assaltos, uso armamento para intimidar as vítimas. Tem que usar arma pra não dar errrado. O cara sem arma é um homem sem ataque”, diz.
A arma usada pelo adolescente tem dono. É alugada nas comunidades próximas por valores que variam entre R$ 500 e R$ 800. O preço cobrado vai depender do local a ser assaltado. Na “bolsa de valores” do crime, uma investida na lotérica, por exemplo, vale mais que no mercadinho. “A gente só não pode perder a arma. Se perder, vai ter que pagar”.
Na rotina de Marcelo, assalto é como uma atividade secundária. Chega para somar quando o tráfico de drogas está ruim. “No tráfico a gente pega até R$ 3 mil por dia, mas tem que tirar o dinheiro do dono. Aí a gente ganha R$ 100 por cada bolsa que vende”. O dinheiro, conta o adolescente, é gasto com a mãe e dois irmãos mais jovens que ele. Não há outra renda em casa. O tráfico é o patrão de Marcelo. O sustento da família.
As bocas de fumo têm regras. E Marcelo sabe cada uma delas. O movimento precisa ser rápido. Dinheiro, só trocado. Moedas não são aceitas. “As moedas pesam muito e não dá para demorar dando troco. Por isso o dinheiro tem que vir certo”. O boom do movimento na boca acontece das 18h às 20h. É quando aparecem mais viciados. “Quando a maconha é de boa qualidade, um vai comunicando ao outro. Aí chove gente pra comprar. Cada ‘dola’ custa R$ 10”.
Marcelo tem 1,90 m e uma fala tranquila. Diz pensar em mudar de vida. Sair do tráfico e dos assaltos. Voltar para a escola. Arrumar um emprego. “Mas não tenho nenhuma ajuda. Um emprego é melhor do que viver como eu tô agora. No crime a gente corre risco de ser pego pela polícia, de ser baleado. Mas tem que batalhar do jeito da gente, do jeito que vem dinheiro mais fácil.”
No Brasil, 2.802.258 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola, assim como Marcelo. O dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015. Segundo o estudo, a exclusão escolar atinge sobretudo meninos e meninas das camadas mais vulneráveis da população. Do total de crianças e adolescentes fora da escola, 53% vivem em casas com renda per capita de até meio salário mínimo.
Um levantamento chamado Educar ou punir? A realidade da internação de adolescentes em unidades socioeducativas de Pernambuco reforça a informação. Cerca de 95% dos adolescentes infratores encaminhados para as unidades socioeducativas no estado não têm acesso à educação nem antes nem após serem inseridos no sistema, apresentando algum índice de atraso escolar. Para Marcelo, por exemplo, estudar é prejuízo. “O tempo que eu perco na escola, deixo de atender clientes na boca”, compara.
*Marcelo é apenas um dos personagens do especial Exército Juvenil feito por mim e Marcionila Teixeira com fotos e vídeos de Teresa Maia. Confira o trabalho no endereço: bit.ly/ExercitoJuvenil