Integrantes do grupo de trabalho para enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes definiram o cronograma de atuação para uma caravana que percorrerá o estado a partir de outubro para incentivar a prática de ações contra esse tipo de violência. O assunto foi discutido em reunião no último dia 20, na sede das Promotorias de Justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
De acordo com o coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude (Caop Infância e Juventude), promotor Luiz Guilherme Lapenda, a iniciativa visa abranger todo o estado, com ênfase nos municípios onde existem maiores índices de crimes e exploração sexual de crianças e adolescentes. A primeira parada é a cidade de Goiana. “Nosso objetivo é mostrar o assunto, conscientizar a população, prevenir e criar diretrizes de proteção e repressão contra os responsáveis por tais condutas, que causam gravíssimos males físicos e psíquicos nas vítimas”, destacou Lapenda.
Ele também explicou que a caravana consistirá de reuniões públicas com vários atores sociais a fim de orientar a criação de um fluxo para a responsabilização criminal dos responsáveis pelas práticas de exploração sexual contra menores de 18 anos.
Grupo – o GT foi formado como um desdobramento de uma audiência pública sobre o enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias que cortam o Estado, realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Fazem parte do grupo o Ministério Público de Pernambuco, Ministério Público do Trabalho (MPT), Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), Alepe (através da deputada Simone Santana, presidente da Comissão da Primeiera Infância), Polícia Civil, SDSCJ, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria de Desenvolvimento Social Criança e Juventude (SDSCJ), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco (Fepetipe) e Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec).
Com informações da assessoria de Comunicação do Ministério Público de Pernambuco
O encontro com as drogas aconteceu nas escadarias do bairro recifense onde Marcelo mora desde o nascimento. Tinha 14 anos quando começou a observar com mais curiosidade colegas e vizinhos fumando maconha. Via também o movimento de dinheiro, a facilidade de circulação das valiosas notas entre vendedores e compradores do entorpecente. Não demorou para decidir entrar naquele mundo. Hoje tem 16 anos. É traficante de drogas e assaltante de casas lotéricas e mercadinhos. Só não assalta “pai de família”. Porque esse trabalha para sustentar a casa. Não merece ser roubado, justifica.
O levantamento da área a ser assaltada pode durar meses. É preciso saber se há policiais fazendo a segurança dos estabelecimentos. O embate, nesses casos, é mais perigoso. E pode ser evitado. “A gente passa uns meses fitando pra depois ir lá buscar a boa. Nos assaltos, uso armamento para intimidar as vítimas. Tem que usar arma pra não dar errrado. O cara sem arma é um homem sem ataque”, diz.
A arma usada pelo adolescente tem dono. É alugada nas comunidades próximas por valores que variam entre R$ 500 e R$ 800. O preço cobrado vai depender do local a ser assaltado. Na “bolsa de valores” do crime, uma investida na lotérica, por exemplo, vale mais que no mercadinho. “A gente só não pode perder a arma. Se perder, vai ter que pagar”.
Na rotina de Marcelo, assalto é como uma atividade secundária. Chega para somar quando o tráfico de drogas está ruim. “No tráfico a gente pega até R$ 3 mil por dia, mas tem que tirar o dinheiro do dono. Aí a gente ganha R$ 100 por cada bolsa que vende”. O dinheiro, conta o adolescente, é gasto com a mãe e dois irmãos mais jovens que ele. Não há outra renda em casa. O tráfico é o patrão de Marcelo. O sustento da família.
As bocas de fumo têm regras. E Marcelo sabe cada uma delas. O movimento precisa ser rápido. Dinheiro, só trocado. Moedas não são aceitas. “As moedas pesam muito e não dá para demorar dando troco. Por isso o dinheiro tem que vir certo”. O boom do movimento na boca acontece das 18h às 20h. É quando aparecem mais viciados. “Quando a maconha é de boa qualidade, um vai comunicando ao outro. Aí chove gente pra comprar. Cada ‘dola’ custa R$ 10”.
Marcelo tem 1,90 m e uma fala tranquila. Diz pensar em mudar de vida. Sair do tráfico e dos assaltos. Voltar para a escola. Arrumar um emprego. “Mas não tenho nenhuma ajuda. Um emprego é melhor do que viver como eu tô agora. No crime a gente corre risco de ser pego pela polícia, de ser baleado. Mas tem que batalhar do jeito da gente, do jeito que vem dinheiro mais fácil.”
No Brasil, 2.802.258 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola, assim como Marcelo. O dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015. Segundo o estudo, a exclusão escolar atinge sobretudo meninos e meninas das camadas mais vulneráveis da população. Do total de crianças e adolescentes fora da escola, 53% vivem em casas com renda per capita de até meio salário mínimo.
Um levantamento chamado Educar ou punir? A realidade da internação de adolescentes em unidades socioeducativas de Pernambuco reforça a informação. Cerca de 95% dos adolescentes infratores encaminhados para as unidades socioeducativas no estado não têm acesso à educação nem antes nem após serem inseridos no sistema, apresentando algum índice de atraso escolar. Para Marcelo, por exemplo, estudar é prejuízo. “O tempo que eu perco na escola, deixo de atender clientes na boca”, compara.
*Marcelo é apenas um dos personagens do especial Exército Juvenil feito por mim e Marcionila Teixeira com fotos e vídeos de Teresa Maia.Confira o trabalho no endereço: bit.ly/ExercitoJuvenil
Um verdadeiro exército de crianças e adolescentes é recrutado nas comunidades, todos os dias, para lidar com armas, tráfico de drogas e assaltos. Vulnerabilizados por condições de pobreza e desagregação familiar, tornam-se presas fáceis de criminosos. Entram numa jornada às vezes sem volta. Quase 10% dos homicídios ocorridos no estado entre janeiro e abril deste ano vitimaram menores de 18 anos.
São 199 assassinatos de crianças e adolescentes de um total de 2.038 mortes registradas no período, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS). São 69 corpos a mais quando a comparação é feita com os mesmos meses do ano passado. Outros 480 sobreviventes dessa “guerra” terminaram encaminhados para as unidades da Funase nos dois primeiros meses do ano.
O não cumprimento de metas determinadas por traficantes e dívidas de drogas estão por trás da maioria das execuções de crianças e adolescentes em Pernambuco. Não os únicos motivos. Uma operação da Polícia Civil chamada Escudo da Juventude prendeu, em abril, 24 suspeitos desses crimes, todos ligados ao tráfico nas cidades de Olinda, Paulista e Recife. A vítima mais nova tinha apenas 13 anos.
Uma análise dos assassinatos revela mais: 42% das vítimas têm 17 anos, 93% são do gênero masculino, 51% foram assassinadas à noite ou de madrugada e 96% são pessoas classificadas pela polícia como pardas.
Compreender o contexto das ações violentas praticadas pelos jovens é mais um ponto de partida para uma reflexão sobre o assunto. Marcelo, 16 anos, traficante e assaltante desde os 14, usa o dinheiro do crime para sustentar a mãe e os dois irmãos mais novos. Para ele, ir à escola significa perder clientes no comércio de drogas. Débora, 17, tem celular e computador bons presenteados pela mãe. Luta contra a tentação dos convites para assaltar. Nem sempre vence.
Como pontua Marcelo Pelizzoli, professor do mestrado em direitos humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Espaço de Diálogo e Reparação da UFPE (www.ufpe.br/edr), a violência não é uma questão de caráter moral ou mera irracionalidade, mas um tipo de linguagem. “É um tipo de reação incorporada na forma de organizar as relações de sobrevivência biológica e psicológica e de reconhecimento, pertencimento ao grupo. Tudo que gera exclusão nesses níveis, conectados a pensamentos/imagens, emoções, necessidades, linguagem e sistema de relações, está fadado a encontrar respostas de violência.”
Na outra ponta dessas histórias estão as famílias dos adolescentes, agora mutiladas. Estão sem seus filhos e filhas, distanciados por estarem mergulhados na violência ou por terem sido assassinados. A dor de quem perdeu um ente querido nessas condições tem a mesma intensidade do medo. É um sentimento presente até o fim da vida. Um pavor de reviver toda a violência, de tornar-se alvo. Poucos falam ou mostram o rosto. Alguns evitam até mostrar a foto dos parentes.
Os relatos dos sobreviventes dessa guerra, ontem soldados e hoje autores de um novo olhar sobre a própria vida, são um alento. Auxiliados por uma rede de ajuda humanitária, as histórias de superação são como um chamado para entender que um outro final é possível.
A Superedição deste fim de semana do Diario de Pernambuco traz uma reportagem especial de cinco páginas sobre o recrutamento de crianças e adolescentes para o mundo do crime. O material foi produzido pela repórter especial Marcionila Teixeira e por mim. As fotos e o vídeo com vários depoimentos é de autoria da editora de fotografia, Teresa Maia. Confira os bastidores do especial que pode ser lido na versão impressa deste fim de semana ou através do hotsite que será lançado nesta segunda-feira.
Em todo o Brasil, a mão de obra de crianças e adolescentes ainda é explorada de forma indiscriminada. Seja nos semáforos, nos lixões, em feiras, restaurantes, no campo, em indústrias ou dentro de casa, os direitos à infância e à educação são negados para quase três milhões de crianças e adolescentes no país, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O mapeamento da situação do trabalho infantil mostra que o número de trabalhadores precoces corresponde a 5% da população que tem entre 5 e 17 anos no Brasil. A taxa de crianças economicamente ativas é 20% menor do que o registrado em anos anteriores, mas especialistas alertam que é possível que haja uma interrupção na tendência de queda.
Desde 2013, o país vem registrando aumento dos casos de trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Em 2015, ano da última pesquisa do IBGE, quase 80 mil crianças nessa faixa etária estavam trabalhando e, nas próximas pesquisas, quando elas estiverem mais velhas, podem promover o aumento do número de adolescentes que trabalham. Cerca de 60% delas vivem na área rural das regiões Norte e Nordeste.
Representantes da rede de proteção à infância afirmam que o dado é preocupante e deve ser destacado nas campanhas realizadas para marcar o Dia Internacional contra o Trabalho Infantil, celebrado hoje (12) em todo o mundo. A data foi instituída há 15 anos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para promover ações em todo o mundo e mobilizar diferentes atores no combate ao trabalho infantil.
“É inaceitável que crianças de 5 a 9 anos estejam trabalhando. A expressiva maioria delas trabalha com as próprias famílias no cultivo de hortaliças, cultivo de milho, criação de aves e pecuária. São recortes que conhecidos e analisados obrigatoriamente devem subsidiar decisões políticas ou implementação de ações e programas que deem uma resposta a essa grave situação.”, disse Isa Oliveira, socióloga e secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti), um dos organizadores da campanha no Brasil.
Para o Fórum Nacional, outro ponto que deve ser lembrado durante a campanha é o não cumprimento pelo Brasil da meta firmada junto à Organização Internacional do Trabalho de eliminar todas as piores formas de trabalho infantil até 2016.
Entre as formas mais graves descritas na Convenção Internacional 182, da qual o Brasil é signatário, estão a escravidão, o tráfico de entorpecentes, o trabalho doméstico e o crime de exploração sexual, que, no caso dos dois últimos, vitimam principalmente meninas negras.
“A nossa proposta nesse 12 de junho é questionar o governo sobre o não cumprimento da meta e que essa avaliação do não cumprimento nos dê subsídios para uma tomada de decisão no sentido de reafirmar o compromisso pela prevenção e eliminação do trabalho infantil. O Brasil tem esse compromisso. A proibição do trabalho infantil está na legislação brasileira, em particular na Constituição Federal, disse declarou Isa Oliveira.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a meta de erradicação das piores formas foi reagendada para 2020 e a de todas as formas de trabalho infantil para 2025, em acordo firmado com a comunidade internacional na OIT, no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. O ministério ressalta ainda que realizou, de 2006 a 2015, quase 47 mil ações de fiscalização que resultaram na retirada de 63.846 crianças e adolescentes do trabalho e na redução apontada pelo IBGE em 2015.
Trabalhar com adolescentes em conflito com a lei não é tarefa fácil. Nunca foi. Mas existem pessoas que o fazem de coração e por acreditarem que esses meninos e meninas ainda possam ser recuperados e não entrem para o mundo do crime, onde se mata cada vez mais cedo. O blog recebeu esse texto escrito por um conselheiro tutelar e compartilha com vocês a visão dele e de muitos profissionais que estão todos dias na luta por um futuro melhor.
Leia o texto na íntegra:
Desde a década de 20 do século passado, a história vem nos contando uma necessidade onde adolescentes e crianças eram presas por cometer furtos e demais atos, porém, desde a criação do Código de Menores até o ano de 1990, essas crianças e adolescentes eram apreendidos, mas não se fazia nenhum trabalho que visasse a recuperação, com apoio às famílias e ajuda das mais diversas formas para que os mesmos voltassem para suas famílias e continuassem se desenvolvendo.
Com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, no ano de 1990, dois anos após a Constituição de 1988, se teve um novo olhar, porque ficou explicitado que a Criança e Adolescente passa a ser Sujeito de Direito, e que os que cometem Ato Infracional com idade superior a 12 anos podem ser apreendidos no Sistema Sócio Educativo, que teria como finalidade o trabalho de estratégias para recuperação desse adolescente para que ele não volte a cometer tais delitos. Na contramão, temos uma prática que não recupera nossos adolescentes, são espaços superlotados, as unidades não seguem os parâmetros do SINASE e nem a estrutura social do país. Nem os estados e nem os municípios querem resolver usando os instrumentos teorizados e preconizados em instrumentos legais. Nosso país é extremamente desigual.
As famílias hoje têm problemas sérios e não conseguem conceber uma educação familiar. Temos hoje uma realidade de muitas famílias desestruturadas, um mercado de consumo que empurra o adolescente para o mundo do crime, em especial o tráfico que proporciona a compra de bens e ostentação, lembrando que muitas famílias não têm renda e por vezes esse adolescente que passa a traficar passa a ser o arrimo de família. Temos uma estrutura que empurra a sociedade para o crime e as mídias mostram que temos um sistema onde quem rouba milhões da Saúde e da Educação cumpre seus crimes ficando presos em casa.
Os estados, por sua vez, não cumprem o que deveriam cumprir no apoio às famílias. Nem nas políticas de inclusão desses adolescentes em políticas como “Jovem Aprendiz” e demais estratégias que venham a dar suporte para que o adolescente não volte a delinquir. Mas o que observamos nas unidades é que são presídios para adolescentes, lembrando que a função dos presídios é também trabalhar para a recuperação do detento dando todo o apoio para sua reinserção.
Nossos municípios, por sua vez, faz um “faz de conta” em relação ao acompanhamento das medidas de Liberdade Assistida, as equipes dos CREAS são reduzidas com profissionais que recebem pouco e que geralmente trabalham dois dias por semana em cada cidade para sobreviver. Vale ressaltar também a falta de estrutura nos CREAS municipais. E que muitos não são efetivos. Temos hoje uma sociedade a qual o filósofo francês Michel Foucault ressalta com a ideia de um estado que promove o “fazer viver, deixar morrer”, faz com que todos vivam “sobrevivam” e o deixar morrer vem da ideia de seres descartáveis que não têm como serem reutilizados.
As mortes que acontecem dentro dessas unidades nos últimos dois anos são praticamente mensais, cada mês 2 (dois) ou 3 (três), são mortos dentro desses “mini presídios” que não recuperam. E o que dizer às mães e aos familiares desses adolescentes mortos dentro de um lugar que deveria servir para recuperar vidas e não para tirar vidas. Independentemente do que cada um fez, ninguém e nem o Estado tem o direito de tirar a vida de ninguém. A vida foi dada por Deus e ele é que pode tirar.
Por Fernando Bezerra Mariano
Conselheiro Tutelar Cruz de Rebouças – Igarassu-PE
As crianças e os adolescentes são os grupos cujas violações de direitos humanos sofridas em 2016 tiveram mais casos denunciados por meio do Disque 100 (Disque Direitos Humanos). Das 133 mil denúncias recebidas por meio do canal no ano passado, 76 mil atendimentos se referem a essa faixa etária. Situações de negligência, violência psicológica, física e sexual são as violações mais comuns, segundo balanço divulgado esta semana pelo governo federal.
Em média, 360 denúncias por dia foram registradas no Disque Direitos Humanos, ferramenta que funciona ininterruptamente, inclusive aos feriados. Depois das crianças e adolescentes, o público que mais sofre violações são idosos, pessoas com deficiência, presos ou pessoas com restrição de liberdade e a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
Quanto ao perfil das vítimas, o balanço mostrou que as violações ocorrem principalmente contra os mais vulneráveis: 57% das denúncias envolveram mulheres e 40,5% dos jovens entre 18 e 30 anos. Já o percentual de pretos e pardos superou 64% dos casos.
Se comparado com o ano anterior, o número de ocorrências diminuiu. Em 2015, foram mais de 137 mil denúncias. Para a ouvidora nacional dos Direitos Humanos, Irina Bacci, essa queda nos registros não significa necessariamente uma redução no número dos casos. Segundo ela, os dados são importantes para a prevenção de situações de violação dos direitos.
“O Disque 100 trata sobre denúncias, não olhamos os dados e automaticamente dissemos que isso reflete a violência dos grupos que atendemos. A maioria absoluta dos casos não são nem denunciados. Se não chegam ao Disque Direitos Humanos, em muitas vezes não chegam nem às delegacias nem aos órgãos de proteção. A gente sabe que as violações no Brasil são subnotificadas”.
Irina disse que esses dados são indicativos de violações de direitos humanos, mas, segundo ela, para uma “realidade mais próxima” seriam necessárias informações fornecidas por órgãos como o Ministério Público e delegacias.
Intolerância racial
Diferentemente da média, as denúncias envolvendo crimes de intolerância racial foi o que mais aumentou entre 2015 e 2016. De acordo com a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, há um tratamento desigual dos processos jurídicos envolvendo as pessoas negras.
“Os casos têm que tramitar mais rapidamente. Observamos que quando a vítima é o negro, os processos geralmente se arrastam. Mas quando ele é o autor do delito, os processos têm uma celeridade muito grande. E não é nada agradável nós vermos o nosso direito se diluir em virtude da prescrição. Só com a punição severa da lei é que vamos reduzir essas situações que tanto matam nosso Brasil”, disse.
As mais de 130 mil denúncias registradas no ano passado fazem parte de um universo de 353 mil atendimentos feitos em 2016. De acordo com a Ouvidoria, 12% das denúncias recebem algum tipo de encaminhamento, que é o repasse das informações para órgãos responsáveis pela apuração, como Defensoria Pública, Polícia Federal, Conselhos Tutelares, centros de Referência da Assistência Social, dentre outros.
Assim como ocorre com as crianças e adolescentes, a negligência e a violência psicológica são as maiores violações ocorridas contra idosos e pessoas com deficiência. Segundo Irina Bacci, o dado reflete que esse tipo de violência no ambiente familiar, como a falta de cuidado e de alimentação, costuma preceder agressões físicas.
De acordo com Irina, as violações mais graves, que recebem um monitoramento mais incisivo do órgão, são cárcere privado, rede de exploração sexual, flagrante delito, tentativa de homicídio, relato de suicídio, vítimas com sangramentos, denúncias reiteradas e casos em que a própria vítima é o denunciante.
“O dado sobre a infância é um dado bastante relevante, porque nele a gente descobre que 42% das vítimas são crianças pequenas [entre 4 e 11 anos]. Fiz um cálculo estimado que indica que mais de 70% das situações de violência [contra crianças] ocorrem no âmbito familiar. Ainda que não só [cometidas] pelo pai ou a mãe, [os suspeitos podem ser também] avó, avô, tio, tia”, disse a secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, Cláudia Vidigal.
Promover mudanças nas comunidades e na vida das pessoas que nelas moram. Esse é o principal objetivo do projeto idealizado por policiais militares e que está levando lazer, esporte e música para crianças, adolescentes e adultos de diversos bairros da Zona Norte do Recife. Há um ano, militares do 11º Batalhão da Polícia Militar (BPM) estão mais perto dos moradores e conseguindo, aos poucos, mudar a relação da comunidade com os integrantes da corporação.
Por meio das aulas de ginástica, jiu-jítsu, futebol, instrumentos musicais, taekwondo e outras atividades, as orientações sobre cidadania, educação e melhoria da qualidade de vida chegam às famílias que vivem em localidades conhecidas como violentas. O projeto Amigos do 11º BPM, criado pelo comando do batalhão, está presente em 15 dos 31 bairros atendidos pelo seu efetivo.
Mais de mil alunos estão inscritos nas aulas ministradas por policiais militares de segunda-feira aos sábados, no horário das 6h às 22h. Os interessados em participar não precisam pagar nenhuma taxa. Basta ter vontade de querer um futuro longe das drogas e do mundo do crime. “No início do projeto, algumas pessoas tiveram receio da presença da polícia nas comunidades, mas hoje a população até gosta e se sente mais segura. A ideia do projeto é ocupar o tempo livre das crianças e adolescentes dessas localidades para que eles não tenham contato com a criminalidade. Durante as aulas eles recebem orientações e se transformam em multiplicadores, levando essas informações até seus familiares e colegas da escola”, destacou o cordenador do projeto, tenente Wellington Araújo.
O trabalho realizado pelos policiais militares pode contribuir para uma mudança de cenário nas estatísticas de violência na área coberta pelo 11º BPM. Segundo dados da Secretaria de Defesa Social (SDS), de janeiro a julho deste ano, 92 pessoas foram vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) na Área Integrada de Segurança (AIS) 5. O número preocupa as autoridades, já que apresentou aumento m relação ao mesmo período do ano passado, quando foram notificados 74 casos de CVLIs na AIS5. “É um trabalho para se obter resultados a longo prazo. O mais importante já está acontecendo, que é a presença da polícia nas comunidades. No bairro de Dois Unidos, por exemplo, não acontece um homicídio há mais dois meses e meio”, apontou o tenente.
Enquanto um grupo de adolescentes jogava futebol no campo do Barreirão, a dona de casa Maria Gomes de Moura, 64 anos, parou ao lado da viatura e parabenizou os policiais que estavam no local. Essa é mais uma vantagem do projeto. Enquanto o professor estiver dando aula, uma viatura com outros dois PMs fica parada na localidade. “Esse trabalho de vocês é muito bonito e importante. Com essas atividades, as nossas crianças ficam longe das coisas erradas e se desenvolvem melhor. Quero parabenizar todos da polícia, pois além de fazer o trabalho de segurança na rua eles ainda ajudam a comunidade”, comentou a dona de casa moradora de Dois Unidos.
Parcerias
Para manter o projeto de pé, é preciso o apoio de algumas pessoas e empresas. É nessa hora que entra em cena o sargento Amiel Alcântara. Com 30 anos de Polícia Militar, dos quais 14 dedicados ao 11º Batalhão, o militar é quem corre atrás dos parceiros. “Já entrei muito nessas comunidades procurando bandidos e fazendo prisões, mas agora é diferente. Estou entrando para trazer coisas boas para as crianças e adolescentes desses lugares. Para isso, nós precisamos contar com alguns parceiros. Para a realização das atividades precisamos de equipamentos e também dos espaços para as aulas. Tudo isso é conseguido através de parcerias. Toda ajuda é muito bem-vinda”, destacou o sargento. O 11º BPM fica na Rua Apipucos, número 15, no bairro de mesmo nome. O telefone da unidade é o (81) 3183-5474.
Entrevista – Gilson Antunes
O projeto Amigos do 11º Batalhão nasceu em julho do ano passado e hoje conta com mais de mil alunos inscritos nas suas atividades. A iniciativa foi avaliada como positiva pelo professor adjunto do Departamento de Sociologia da UFPE e Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Violência, Criminalidade e Políticas Públicas de Segurança (PGS/UFPE). Mas ele faz um alerta para a necessidade de apresentação de resultados do trabalho desenvolvido nas comunidades.
Como avalia o programa realizado pelos militares do 11º Batalhão?
São iniciativas como essas que estão faltando no campo de prevenção da criminalidade. O que se tem atualmente são muitas ações de repressão, mas de prevenção são poucas. O fato de o batalhão colocar os próprios militares para dar aulas aos jovens é muito positivo para promover o estreitamento dos laços de confiança entre a polícia e a comunidade. Em muitos lugares essa relação de confiança já não existe mais.
Que sugestão daria para o melhorar o projeto?
Acho necessário que os responsáveis pelo projeto comecem a apresentar os resultados que estão sendo obtidos. A redução da criminalidade é um bom indicador, mas é preciso entender se está ligada às atividades. Ações de prevenção realizadas com planejamento e organização podem ajudar no combate à violência.
Acha que poderiam ser oferecidas outras atividades no projeto?
Acredito que atividades ligadas à informática deveriam ser oferecidas também. Mas não falo aqui em digitação ou iniciação à informática, mas em relação às mídias sociais. Os participantes do projeto poderiam ser orientados de maneira que pudessem fazer uso do ponto de vista positivo de todas essas mídias, como Facebook, WhatsApp e Twitter, por exemplo.
Pernambuco registrou o desaparecimento de 129 crianças de até 11 anos em 2015. Segundo dados da Secretaria de Defesa Social (SDS), apenas 27 foram localizadas. As informações foram divulgadas pelo Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) durante na III Mostra Internacional de Semanas do Bebê, quando foi celebrado o Dia Internacional da Criança Desaparecida.
O Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA) tem um setor específicio para investigação de casos de desaparecimentos de crianças e adolescentes. Atualizado pela última vez no início de dezembro de 2015, o site da DPCA exibe as fotos de apenas 17 vítimas de desaparecimento. Com experiência no assunto, a delegada titular do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride) da Polícia Civil do Paraná, Iara Laurek, participou do encontro e mostrou como o trabalho é desenvolvido.
O serviço foi criado no ano de 1995, por que no fim da década de 1980 e no início dos anos 1990 desapareceram dezenas de crianças de todo estado do Paraná. Os casos eram registrados nas delegacias locais. Foi então que o Departamento de Polícia Civil decidiu criar o serviço para concentrar as investigações. Segundo Iara, a polícia descobriu que existia uma quadrilha atuando no estado. “Muitas dessas crianças foram levadas para Israel, algumas delas vendidas pelos próprios pais. Tudo isso foi descoberto durante as investigações”, completou Iara.
O Sicride é composto por equipe de investigação, psicológo e artista forense, todos coordenados pela delegada Iara Laurek. “Nós trabalhamos em parceria com o Instituto de Criminalística (IC), que é ligado ao banco nacional de DNA. Temos o perfil genético dos familiares das crianças desaparecidas e quando uma criança é localizada, com vida ou morta, fazemos a comparação do DNA”, explicou a delegada. Também de acordo com a chefe do Sicride, 98% dos casos registrados no Paraná foram solucionados. “Nosso índice de resolução de casos é alto. Quando não conseguimos encontrar as crianças, descobrimos que elas foram assassinadas e solucionamos o caso”, pontuou a delegada.
Alerta Amber
Para tentar reduzir o número de crianças desaparecidas em Pernambuco, o Cremepe está propondo a implementação do alerta Amber no Brasil. Trata-se de um sistema de compartilhamento de fotos e dados de crianças desaparecidas na internet e nos telefones celulares.
O sistema já é utilizado nos Estados Unidos, onde cerca de 800 mil crianças desaparecem todos os anos (aproximadamente duas mil por dia), segundo a Secretaria de Justiça Juvenil e Prevenção de Delinquência (Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention – em inglês), do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Além disso, o Cremepe informou que enviou uma carta ao Vaticano solicitando o apoio do papa Francisco para que seja realizada uma conferência mundial sobre Crianças Desaparecidas na ONU.
Dezoito crianças com idades entre 1 e 12 anos foram assassinadas em Pernambuco no ano de 2015. Os números da Secretaria de Defesa Social (SDS) revelam uma realidade que assusta e revolta. No ano de 2014, foram 19 crianças mortas. Já nos quatro primeiros meses deste ano, também de acordo com a SDS, foram duas vítimas.
No mês de maio, pelo menos mais dois casos foram noticiados pela imprensa. Uma menina de 6 anos foi atingida por uma bala perdida no último dia 12 e não resistiu aos ferimentos. Mikaela Tahilla dos Santos morreu na tarde do último sábado. Também no sábado foi encontrado o corpo do menino Carlos Fernando da Silva, 4 anos. Ele estava desaparecido desde o dia 12. Com esses dois crimes, Pernambuco tem quatro crianças vítimas de assassinato do início do ano até agora.
A morte do menino Carlos Fernando gerou revolta nos moradores do município de Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife. Segundo a Polícia Civil, um adolescente de 17 anos e um tio paterno do garoto são os responsáveis pelo assassinato, o parente ainda é suspeito de ter abusado sexualmente do sobrinho. O tio, que já está no Cotel, nega participação na barbárie e nega o abuso.
Ontem à tarde, moradores do município foram para a frente do Fórum de Ipojuca onde o adolescente que confessou a autoria do crime estava sendo ouvido antes de ser encaminhado à Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase). Policiais militares e guardas municipais foram acionados para evitar agressões físicas e uma possível tentativa de linchamento. Após o depoimento, ele seguiu para a Funase sem problemas.
Estudioso sobre mortes violentas, o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, divulgou no Mapa da violência deste ano que 49 crianças e adolescentes de zero a 14 anos foram assassinados em Pernambuco no ano de 2014. “O Brasil tem elevados números de homicídios de mulheres, idosos, negros e também de crianças. O país sempre está entre os mais críticos no ranking da violência internacional. Aqui se mata mais que em países onde há guerras. Mas essa realidade precisa mudar, nada justifica essa cultura da violência”, apontou Jacobo.
Abusos
Além das mortes, as crianças e adolescentes também estão vulneráveis aos abusos sexuais. Segundo o gestor do Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), delegado Ademir de Oliveira, diferentemente dos casos de abusos sexuais, não se tem um perfil dos assassinos de crianças. Nos três primeiros meses deste ano, 122 crianças e adolescentes foram abusadas sexualmente no Grande Recife, a maioria por parentes.
Para tentar reverter essa situação, será celebrado hoje em todo país o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual infanto-juvenil. No Recife, está prevista uma caminhada com concentração no Parque 13 de maio, a partir das 14h.
Homicídios de crianças e adolescentesem 2014
Brasil
94 com menos 1 ano
109 de 1 a 4 anos
114 de 5 a 9 anos
732 de 10 a 14 anos
1.049 no total
Pernambuco
1 com menos de 1 ano
6 1 a 4 anos
7 de 5 a 9 anos
35 de 10 a 14 anos
49 no total
Fonte: Julio Jacobo Waiselfisz. Mapa da Violencia 2016, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).