Os altos índices de agressão contra a mulher podem parecer um fenômeno atual, mas a verdade é que tais crimes ocorrem desde muito tempo. O descaso dos poderes governamentais a respeito do assunto também é antigo. A tese “Moças honradas, senhoras virtuosas e mulheres airadas: registros de violência nas relações de gênero na imprensa e nos documentos judiciais no Recife nas décadas de 1920 e 1930”, da doutora em História pela Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco Inocência Galvão esclarece o assunto, pontuando as principais razões para a naturalização da violência contra a mulher pelo poder público.
Orientado pela professora Tanya Brandão, com coorientação da professora Sílvia Cortez Silva, o trabalho utilizou fontes da justiça e da imprensa da época no registro de crimes contra o sexo feminino além de conceitos filosóficos de nomes como Foucault e Thompson. Outros autores também foram utilizados para trabalhar definições de violência, poder e criminalidade, como Boris Fausto e Norbeto Bobbio. Além disso, campos teóricos relacionados à dominação burguesa foram utilizados.
Segundo Inocência, a desigualdade nas relações de gênero e as medidas de controle da moralidade pública foram os principais fatores que motivaram a violência contra a mulher na época. “Observamos que as estruturas político-administrativas tinham códigos que não apenas facilitavam a permanência das práticas de inúmeros tipos de violência contra as mulheres, mas também representavam visões tão nocivas ao sexo feminino quanto as elaboradas para reprimir e controlar os pobres”. Na prática, estas mulheres muitas vezes sofriam agressões e até mesmo eram presas, não por terem cometidos delitos, como roubo, furto ou assassinato, mas por terem se portado de forma não condizente com a que uma “mulher de bem” deveria apresentar.
PUNIÇÃO – Esta imposição de moralidade, além de reprimir as mulheres, também deu vazão para que seus companheiros utilizassem medidas de punição se estas “saíssem da linha”. Esse tipo de violência punitiva era registrado na imprensa e nos autos jurídicos com certo tom de normalidade, quando não de aprovação. Além disso, os casos de prisão para os maridos que agredissem suas esposas eram julgados com base nos valores acima citados. Inúmeros atenuantes eram apresentados e a redução de pena também era comum.
A questão do suicídio cometido pelas mulheres também foi abordado no trabalho. Segundo Inocência Galvão, os casos de pessoas do sexo feminino que tiraram a própria vida eram registrados com grande carga de preconceito. O suicídio era considerado como um ato tresloucado, sem sentido e os títulos das notícias já adiantavam que o atotambém era visto como símbolo de transtorno mental destas mulheres. Apesar disto, Inocência afirma que o ato de se suicidar demonstrava um desejo latente das mulheres de assumir o controle da própria vida e de fugir da realidade que as reprimia e agredia em níveis muitas vezes incompreensíveis.
Inocência afirma também que o tratamento dado às meretrizes na época era extremamente agressivo. “Essas mulheres, ao serem vistas como verdadeiros “demônios” eram também percebidas, de fato, como algo a ser expurgado da sociedade”. O forte moralismo presente na sociedade da época colocava uma luz de perigo e destruição sob as prostitutas, que eram consideradas como barreiras ao estabelecimento e desenvolvimento da família, além de portadoras de doenças. Juridicamente, as meretrizes estavam completamente desprotegidas, fora dos códigos de leis e à mercê do tratamento recebido por ser quem eram.
A doutoranda avalia que a sua tese é importante porque possibilita a discussão sobre as desigualdades de gênero desde o século passado até os dias atuais e como esta desigualdade levou aos casos de violência registrados durante todo esse tempo. O quadro-político social fundamentado em teses que comprovavamdo seu próprio modo que o sexo femininoera inferior e precisava ser “reeducado” construiu quadros caóticos na vida de inúmeras mulheres, vítimas de relações cotidianas que as reprimiam e violentavam.
Da Assessoria de imprensa da UFPE, texto Renata Santos
A existência dessa tese, que denuncia a violência contra a pessoa da mulher, é da mais alta importância.
A propósito, olhem o que Maria Inês Nassif escreveu sobre “O filho renegado de Deus”, romance cuja ação se passa no Recife dos anos 50, que narra uma opressão invisível sobre a mulher. Aqui http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/maria-ines-nassif-escreve-sobre-o-novo-livro-de-urariano-mota.html