Do Diario de Pernambuco, por Marcionila Teixeira
Maria Diva Leite tem 62 anos e sofre de insônia. Noite após noite, costuma permanecer em uma cadeira de plástico próxima à janela da frente de seu apartamento. Percebe em silêncio o movimento da rua. Diva tem uma curiosidade: deseja saber como pichadores escalaram o prédio de seis andares onde mora, na Avenida Barão de Souza Leão, em Boa Viagem. Há cerca de seis meses, eles deixaram as pastilhas da parte mais alta do edifício marcadas com tinta preta. “Moro aqui há quase vinte anos e essa foi a primeira vez que vi o prédio pichado. Ficamos impressionados com a altura que eles alcançaram”.
Insatisfeitos com a pichação, moradores do condomínio de 198 apartamentos custearam a retirada dos dizeres da fachada. O resultado parece não ter dado muito certo. “Tiraram o máximo, mas ainda ficou feio”, comentou outro morador do Edifício Barão de Souza Leão, o autônomo Jairo Júnior, 52, referindo-se ao tom esbranquiçado sobre a pichação. O serviço custou R$ 1 mil.
A escalada de prédios, residenciais ou públicos, é vista como ousadia pelos moradores, mas para pichadores a modalidade é tida como a mais radical. Dificilmente é feita por apenas um indivíduo. Em grupos, costumam entrar no imóvel pela parte de fora, com a ajuda uns dos outros, inclusive subindo nos ombros. “Outras vezes, conseguem ter acesso ao prédio por dentro mesmo. Sobem as escadas até atingirem o ponto mais alto. Se um prédio é muito alto, pode ser visto de longe e o nome do pichador está no topo desse prédio, esse cara ganha respeito entre eles”, explica o pesquisador Thiago Santa Rosa, estudioso do tema em Pernambuco e autor da dissertação de mestrado Pixadores, grafiteiros e suas territorialidades: apropriações socioespaciais na cidade do Recife.
A grafia dos pichadores também está no alto do Edifício Karla, um prédio de dois andares localizado na Barão de Souza Leão. “A gente acha que eles pularam o portão de ferro da frente e escalaram pela parte de trás, onde há cobogós”, raciocina o aposentado Moacir Tomaz da Silva, 81. Nenhuma das quatro famílias residentes viu ou ouviu a presença dos pichadores naquela madrugada. A “visita” teria acontecido na mesma época da ação do outro edifício na mesma rua. “Se pintar eles vêm de novo. Então o pessoal quer deixar como está”, lamenta Moacir.
A ação do pichador costuma durar poucos minutos, daí a dificuldade em flagrá-los. O vendedor Flávio Leal, 51, já deu de cara com um deles no Edifício Duque de Caxias, em Santo Amaro. “Era noite e, ao virar o rosto para a janela eu o vi”, disse.
Apesar da incidência, o crime é pouco denunciado
A pichação é considerada crime pela lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. A média de reclamações pelo Disque-Denúncia é de quatro por ano. A pena prevista é detenção de três meses a um ano, além de multa. Se é feita em monumento ou coisa tombada, a pena sobe para seis meses a um ano. Pela mesma legislação, o grafite também é considerado crime quando feito sem autorização do proprietário ou órgão responsável pelo suporte a ser pintado. A pena de detenção é de três meses a um ano, além de multa.
“O grafite tem como uma de suas principais características ser feito sem autorização. Visto por este ponto, pichações e grafite se igualam para a lei e em sua aplicação nas ruas pouco importa se é uma assinatura ou um painel multicolorido que está sendo pintado, se não foi autorizado pelo proprietário, se está transgredindo a propriedade privada”, ressalta o pesquisador Thiago Rosa.
Apesar de considerada crime, a pichação também tem sido cada vez mais analisada como fenômeno cultural. O documentário Pixo, com 61 minutos de duração, relata o impacto da pichação na cidade de São Paulo e sua influência internacional como uma das principais correntes da street art. O documentário mostra a realidade dos pichadores, os conflitos com a polícia.Os diretores defendem que o filme fornece argumentos para o debate da pichação ser crime ou arte.