Do Diario de Pernambuco
Flávia Maria do Nascimento, 33 anos, não tinha autorização do marido para usar as redes sociais. Para acessar o Facebook, Flávia foi obrigada a manter uma conta única para ser usada pelo casal. Um dia, a dona de casa criou um perfil individual. Flávio Machado de Lima, 41, não gostou, descobriu a senha e rastreou todas as atividades da mulher na rede social. Na madrugada de ontem, o corpo foi encontrado na casa que construíram juntos, na Rua Professor Andrade Bezerra, no bairro de Salgadinho, Olinda. Flávia foi esquartejada e partes de seu corpo foram espalhadas em três sacos plásticos pretos. O suspeito está foragido.
Apesar do crime com requintes de crueldade, a família da vítima nunca suspeitou de Flávio. “Era uma pessoa legal, todo mundo gostava dele”, disse Fernanda Maria do Nascimento, 29, irmã de Flávia. Ontem, no entanto, após a morte da dona de casa, surgiram suspeitas de agressões anteriores que ela estaria supostamente escondendo. “Um conhecido nos disse que presenciou uma vez ele apertando o pescoço de minha irmã porque ela estava conversando no telefone. Ele pensava que era homem, mas era nossa mãe. Flávia proibiu essa pessoa de contar sobre a agressão para a gente”, contou Fernanda.
Flávia tinha dois filhos, um menino com 12 anos, de outro casamento, e uma menina de 8, filha do casal, que já vivia junto há 13 anos. “O mais velho tem paralisia cerebral e ela não trabalhava fora, vivia para cuidar do filho. Era uma ótima mãe e sequer saia de casa para se divertir. Mesmo assim, ele tinha ciúmes dela”, disse a irmã.
A partir de hoje, a delegada Gleide Ângelo começa a intimar testemunhas. “Hoje (ontem) foi o enterro e as pessoas estão muito sensibilizadas, mas amanhã (hoje), vou mandar a equipe para a rua”, adiantou a delegada.
Depois do crime, o suspeito fugiu. Até a noite de ontem, ainda não havia sido localizado. Inicialmente Flávio escapou levando a filha do casal, mas depois a menina foi deixada na casa da família dele. O menino permanecerá com a família de Flávia, já que o pai morreu em um acidente de trânsito.
“Quando chegamos ao local e vimos um saco preto no chão, pelo tamanho nós deduzimos logo que era um corpo. Mas logo observamos outros sacos menores cobertos de sangue. Foi aí que desconfiamos que a mulher teria sido esquartejada”, contou o delegado Alfredo Jorge, que iniciou as investigações.
Dentro da casa também havia um carro de mão, que supostamente seria usado pelo suspeito para o transporte do corpo. Flávio teria usado uma faca tipo serra e uma foice. A vítima teria sido morta em virtude de um corte no abdômen ou por asfixia. Somente a perícia do IML poderá revelar a causa. Já o esquartejamento teria sido realizado após a morte da mulher.
Vida fiscalizada na internet
O ciúme provocado pelo uso das redes sociais não é um fato isolado e está à margem de problemas bem mais profundos do ser humano e da sociedade, como os transtornos mentais e o machismo. Estudos em todo o mundo já mostram que o uso de Facebook e Whatsapp está relacionado ao aumento no número de divórcios. No Estados Unidos, o primeiro é citado em metade dos processos de separação entre casais. Na Inglaterra, ele é a causa de um em cada três fins de relacionamento.
O acesso à tecnologia, explica o psicoterapeuta e doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento Igor Lins Lemos, facilita comportamentos inadequados. Passar mais tempo contectado pode significar estar mais suscetível à tentação de trair. Isso não justifica, porém, atos ciumentos com as redes dos parceiros. “Esse tipo de comportamento é um desmembramento do próprio ciúme alimentado de outras formas, como impedir de sair com amigos ou usar determinados tipos de roupa”, afirmou o especialista.
O ciúme, explica ele, funciona como um evento gatilho. “Geralmente, há uma crença de que você pode controlar a outra pessoa. De que o uso das redes sociais vai levar a algo ruim. A base disso pode estar vinculada à insegurança”, detalha Igor Lins Lemos. A fiscalização da vida da mulher nas redes é também uma atualização de atitudes machistas que perpassam os séculos no Brasil, na análise doutora em sociologia Ana Paula Portella. “É uma expressão de uma atitude antiga no momento atual, no qual as redes sociais ocupam espaço importante. Se fosse no século 19, seria porque a mulher abriu a janela. O olhar não deve ser para o Facebook, mas para a tentativa de controle.”
Atitudes extremas e cruéis podem ter de fundo ainda uma psicopatia ou transtorno de personalidade antissocial. Pessoas com essa característica precisam procurar especialistas. No consultório de Igor, cerca de 10% dos pacientes são pessoas que têm problemas com as redes sociais de parceiros e parceiras.
SAIBA MAIS
Violência contra a mulher
249 mulheres pernambucanas foram assassinadas em 2014
247 pernambucanas foram assassinadas em 2015
15,6% foi o descréscimo no número de crimes entre 2003 e 2013, de acordo com o Mapa da Violência
19,8% foi o aumento no número de mulheres negras neste mesmo período
187 negras foram assassinadas em 2003, contra 224 mulheres em 2013.
50,9% foi a queda nos homicídios de brancas neste mesmo período
22,6% foi a queda na taxa de homicídios de mulheres, por 100 mil habitantes, entre 2006, ano da promulgação da Lei Maria da Penha, e 2013
5 estados apresentaram queda neste quesito durante o período
Como se matam mulheres no Brasil
48,8% Arma de fogo
25,3% objetos cortantes ou penetrantes
6,1% estrangulamento
8% objeto contundente
11,8% outros
Onde se mata
27,1% em casa
31,2% via pública
41,7% outros locais
Quem mais agride mulheres na faixa etária dos 30 aos 59
34% cônjuge
11,2% ex-cônjuge
75,3% das agressões nessa faixa etária ocorem em casa
44,6% das mulheres assassinadas no Brasil têm entre 33 e 59 anos
4,8 homicídios por 100 mil mulheres é a taxa brasileira atual, que coloca o país na 5ª posição entre 83
pesquisados pela Organização Mundial da Saúde
Os países mais violentos para as mulheres (homicídios por 100 mil habitantes)
El Salvador 8,9
Colombia 6,3
Guatemala 6,2
Russia 2011 5,3
Brasil 4,8
As cidades menores têm maior propensão a taxas altas de homicídios. Das 100 maiores taxas do Mapa
da Violência, nenhuma é capital. Olinda, de 389 habitantes, também não consta na lista
Fontes: Secretaria Estadual da Mulher e Mapa da violência 2015