Do Estado de Minas
Bruno Fernandes das Dores de Souza parecia ser apenas mais um menino pobre. Na favela onde cresceu, em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, muitos garotos também se criavam aos cuidados de pessoas que não eram seus pais biológicos. Descalços e com bolas gastas, jogavam futebol nos campinhos de terra da vizinhança. Sem dinheiro para comprar chuteiras, participavam de testes em clubes amadores e profissionais. Alimentavam o sonho de se tornarem celebridades do esporte. Entre tantas ambições frustradas, Bruno poderia ter sido somente mais um — mas não foi.
O garoto cresceu e prosperou. Defendeu três dos mais populares times do Brasil, ganhou milhões de reais, foi eleito um dos melhores goleiros em atividade. Virou ídolo. Breve foi a glória, porém. Poucos anos depois, Bruno deixou tudo escapar — e de forma espantosa. Foi denunciado por mandar matar com crueldade Eliza Silva Samudio, jovem de 24 anos que, meses antes, havia dado à luz. O motivo da atrocidade, segundo o Ministério Público, foi o fato de o atleta não querer assumir ser pai de Bruninho, nem arcar com os custos de mantê-lo. Bruno abandonou os gramados e, em julho de 2010, foi preso.
O julgamento que começa nesta segunda-feira pode condená-lo a viver algumas décadas encarcerado e reforçar sua decadência. Recusando-se a acreditar que ele seja culpado, familiares e amigos gostam de lembrar o esforço do menino tímido e pobre, que chegou a vender picolé e não tinha como pagar a passagem de ônibus. No entanto, ainda na juventude, Bruno mostrou temperamento agressivo e encrenqueiro. Tanto que um antigo vizinho, sem querer se identificar, disse não ter se surpreendido “quando saiu essa história da Eliza”. Mesmo depois de famoso, o atleta continuou a arrumar confusões, principalmente fora de campo.
ASCENSÃO
Bruno nasceu em Belo Horizonte, em 23 de dezembro de 1984, antevéspera de Natal. Ao dar à luz, Sandra Cássia Souza de Oliveira tinha 17 anos. Ainda grávida, foi morar na casa da família do pai do bebê, Maurílio Fernandes das Dores, em uma favela no Bairro Santa Efigênia, Região Leste da capital. São nebulosas as circunstâncias que levaram o futuro esportista a ser criado por sua avó paterna, Estela Santana Trigueiro de Souza. Em depoimento à polícia, Estela contou que Bruno tinha apenas três dias de vida quando Sandra, “pessoa muito complicada”, o abandonou no hospital, “alegando que ele estava passando mal”. A avó, então, assumiu a responsabilidade.
No entanto, essa versão é negada pela avó materna de Bruno, a professora aposentada Lucely Alves de Souza, de 68. Segundo ela, Sandra cuidou do pequeno até se mudar para Teresina (PI) com Maurílio e Rodrigo, segundo filho do casal, dois anos mais novo que o irmão. “Ela (Sandra) foi embora acompanhando Maurílio, que tinha arrumado um emprego como motorista, não sei se de ônibus ou caminhão”, relata Lucely. “Ela não abandonou (Bruno). Deixou ele (sic) com dona Estela, que o criou direitinho, pôs pra estudar”, avalia.
Apesar dos elogios de Lucely, os desentendimentos entre os lados paterno e materno de Bruno começaram cedo, antes mesmo de seu nascimento. Enquanto Estela desaprovava Sandra, Lucely torcia o nariz para Maurílio. “Ele fazia um monte de coisa errada, não era flor que se cheirasse. Não queria ele dentro da minha casa”, diz a professora aposentada, que evitava visitar a filha em seu novo endereço. “Quando ia, ficava no portão, não gostava de entrar”, recorda. Por isso, quando Sandra e Maurílio foram embora, Lucely e o marido, Willer, perderam contato com o neto. “Nem sabíamos para onde dona Estela se mudou depois”, ressalta Lucely.
Aos sete anos, Bruno se estabeleceu com a família em uma favela no Bairro Santa Matilde, em Ribeirão das Neves. Ele e outros garotos jogavam bola em campinhos de terra batida. O extinto campo atrás do cemitério, por exemplo, era conhecido como Caveirinha. Outro campo, localizado em um terreno baldio rodeado por morros, tinha o nome de Buracão. Para ganhar dinheiro, chegou a percorrer ruas da cidade vendendo picolé em uma caixa de isopor. Também capinava quintais alheios, lavava calçadas e carros. Com esses trabalhos, conseguiu comprar chuteiras quando, aos 12 anos, passou a jogar no time da Escolinha de Futebol Palmeiras, comandada até hoje pelo técnico Edson Alves, o Fera.
Bruno era quieto, de poucas palavras, descreve Edson. Muito alto para a idade, o que facilitava a vida do goleiro, o garoto apresentava deficiências quando se tratava de defender bolas baixas. “No chão, era ruim. Tanto que, em nossos jogos, ele (Bruno) entrava mais no segundo tempo, quando a gente já estava ganhando de dois, três a zero, com a vitória quase garantida”, lembra Edson. O garoto era disciplinado. “Nunca presenciei uma briga dele dentro de campo. Nunca vi xingar ou bater em ninguém”, enfatiza o técnico.
Mais tarde, Bruno treinou por alguns meses nas categorias de base do seu primeiro time profissional, o Democrata Futebol Clube, em Sete Lagoas, também na Região Metropolitana. Em seguida, apesar de continuar com dificuldade em bolas rasteiras, foi aprovado em um teste no Venda Nova Futebol Clube, sediado em Venda Nova, periferia de BH. “Tinha qualidade, mas não parecia que seria um dos melhores goleiros do Brasil”, lembra José Valmir de Menezes, de 42, técnico do Venda Nova há duas décadas. Em campo, Bruno deixava a timidez de lado. “No jogo, ele se transformava. Sempre foi líder”, constata o técnico.