Por Isabelle Barros, do Diario de Pernambuco
O massacre do Carandiru ainda paira como uma chaga que exerce repulsa e fascínio, mesmo 22 anos depois de ter acontecido. O dia 2 de outubro de 1992 se tornou um marco na segurança pública e no sistema prisional brasileiros ao levar 111 presos à morte e mostrar uma face do Brasil que poucos querem ver. A partir desse ponto de partida dramático por natureza, o jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto resolveu adaptar o best-seller Estação Carandiru, de Drauzio Varella, e esse material foi escolhido pela recifense Cênicas Companhia de Repertório como matéria-prima do novo espetáculo, Salmo 91. A estreia é hoje, às 20h, na própria sede do grupo, o Espaço Cênicas.
O ponto de vista adotado para contar a vida no cárcere e as circunstâncias do massacre é o dos próprios presidiários, que afirmam a própria existência a partir de dez monólogos defendidos por cinco atores: Álcio Lins, Gustavo Patriota, Raul Elvis, Rogério Wanderley e Toni Rodrigues, também responsável pela direção. É a primeira vez na qual o Espaço Cênicas recebe uma temporada de espetáculos. A intenção foi transformar o local, que serve para ensaio e aulas de teatro, em um espaço intimista, no qual apenas 65 espectadores serão aceitos por sessão.
A seleção do texto, segundo Toni, veio de uma urgência em discutir questões atuais e fortes na sociedade brasileira. “Já tínhamos contato com o contexto do Salmo 91 a partir de um texto chamado Abre as asas sobre nós, de Sergio Roveri, que, por sua vez, já era a adaptação de um trecho do Estação Carandiru. Escolhemos esse tema – o sistema carcerário brasileiro – porque ele merece uma atenção especial. A peça não defende nada nem quer ser panfletária, mas dá voz aos prisioneiros. O sistema prisional continua falho, e esta é uma situação que pode acontecer hoje em dia. Lançar um olhar sobre toda essa violência talvez gere uma reflexão nas pessoas”.
O nome do espetáculo, Salmo 91, tem a ver com o desenrolar da narrativa. Na peça, Dadá, um sobrevivente do massacre, lembra da passagem da Bíblia que a mãe dele sempre o mandou ler, mas que nunca havia visto. É a partir dessas histórias individuais que ação e espaço se misturam. “A relação de proximidade que queremos estabelecer com o espectador potencializa o discurso. É como se o público entrasse dentro do próprio Carandiru e visse a intimidade das celas”.
Serviço
Salmo 91, da Cênicas Cia de Repertório
Quando: De hoje a 6 de setembro; sábados, às 20h e domingos, às 18h
Onde: Espaço Cênicas – Rua Marquês de Olinda, 2º andar (entrada pela Rua Vigário Tenório), Bairro do Recife
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia), com venda antecipada pelo site Eventick
Informações: 9609-3838
A fonte
O livro
Estação Carandiru ajudou a catapultar a reputação de Drauzio Varella. Ele descreve a rotina de dez anos, a partir de 1989, como médico voluntário da Casa de Detenção de São Paulo. A narrativa traz o testemunho do que viu e ouviu na prisão e inclui relato sobre o massacre de 1992. Teve quase 500 mil exemplares vendidos e ganhou o Prêmio Jabuti
de não-ficção.
O presídio
A Casa de Detenção, inaugurada em 1956, no bairro do Carandiru (SP), foi a maior do Brasil. Apresentava crônico problema de superlotação, chegando a ter três vezes mais presos do que a capacidade. O massacre teve como estopim uma rebelião entre presos, o que levou à invasão do presídio pela polícia. Foi desativada e parcialmente demolida em 2002.
Na arte
Cinema e teatro
O diretor Hector Babenco adaptou em filme (Carandiru, 2003) o livro Estação Carandiru. Atraiu mais de 3 milhões de espectadores. A vida na penitenciária foi tema de O prisioneiro da grade de ferro (Autorretratos, em 2003), de Paulo Sacramento, que deu câmeras a detentos do local para que eles mostrassem o próprio cotidiano. O Núcleo Panóptico de Teatro usou o local como palco para a peça Muros, adaptação de obra de Jean-Paul Sartre
Artes visuais e música
Em 2015, Maureen Bisillat abriu a mostra Sobrevivências, sobre vivências: Carandiru (SP), sobre o tema. O artista Nuno Ramos fez instalação na Bienal de São Paulo de 2012, O dia deles – 24 horas 111, repetição ininterrupta, por 24 horas, dos nomes dos 111 presos assassinados. A música Diário de um detento, dos Racionais MCs, narra o massacre. O grupo de rap 509-E alude a cela da cadeia.