Alerta: cuidado com o golpe boa noite, Cinderela

Do Diario de Pernambuco, por Maira Baracho

O método é sempre o mesmo. Simpático e vestido com roupa social, um estranho chega, puxa assunto e se oferece para pagar uma cerveja. Depois de sentar à mesa com a vítima, que está sempre sozinha, o suspeito espera a hora certa e adiciona alguma droga na bebida. Com a vítima inconsciente, o assaltante consegue senhas de cartões, endereço, limpa a conta corrente e furta objetos das casas. O golpe, conhecido como boa noite, Cinderela já fez pelo menos duas vítimas entre os frequentadores do Largo de Santa Cruz, na Boa Vista.

Crime tem acontecido no centro do Recife. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D. A. Press
Crime tem acontecido no centro do Recife. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D. A. Press

Paulo* foi uma delas. Em agosto, estava numa edição do projeto semanal Terça do Vinil, que acontece no bar Lisbela e os Prisioneiros. Ele foi abordado por um homem de boa conversa, com quem tomou duas cervejas. Paulo acordou, às 14h do outro dia, em casa, sem lembrar de nada. Sua conta bancária foi zerada e alguns objetos furtados do imóvel. Ele passou dois dias sob efeito da substância.

Em setembro, Jorge* imaginou que havia sido assaltado quando acordou em um terreno baldio, no Janga, em Paulista, depois de ir ao mesmo evento na noite anterior. Ele só percebeu que o caso era ainda mais grave quando chegou em casa, no Recife, e encontrou o apartamento revirado. Além de saquear sua conta corrente, os bandidos levaram três computadores, duas câmeras, HDs externos e equipamentos de trabalho. As duas vítimas registraram Boletim de Ocorrência, mas não acreditam no empenho da polícia para resolver os casos.

Na noite dessa quinta-feira, Maria* também estava no Largo quando foi abordada por dois homens. “Não me lembro direito, mas meu namorado disse que quando se aproximou me viu com dois desconhecidos, cheirando alguma coisa que parecia loló. Ele me afastou dos caras e depois disso passei muito mal e tive muita dor de cabeça”, conta Maria, que acordou no dia seguinte sem nenhuma lembrança desses momentos.

Diante dos episódios, Paulo e Jorge têm buscado por conta própria esclarecer o caso. “Acho que a polícia não vai atrás se você não for, por isso estou indo”, relatou Jorge.  A Polícia Civil explicou que não há uma delegacia especializada nesse tipo de golpe e que os casos estão sendo investigados individualmente.

Sócio do bar Lisbela e o Prisioneiro, onde acontece a Terça do Vinil, Marcos Antônio explica que o estabelecimento contrata segurança todos os dias e reforça o pessoal às terças-feiras. Ele fala que há um mês houve uma reunião com a Guarda Municipal e Dircon e que houve um comprometimento de aumentar o apoio na área. “Eles perguntaram se poderíamos terminar o evento mais cedo. Expliquei que a música termina às 23h30 e que à 1h fechamos o bar. Isso pode ser negociado, mas do que adianta os bares fecharem e os ambulantes continuarem lá?, questionou Marcos Antônio”.

* nomes fictícios

Por trás da baixa elucidação de crimes no Brasil

Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press

Artigo
Por Fernando Capano

A baixa taxa de elucidação de crimes no Brasil é frequentemente discutida quando se fala na eficiência das políticas de segurança pública. De acordo com os números divulgados pelo Governo Federal, menos de 8% dos crimes são solucionados no País. E o tema não ficou fora do Seminário Internacional de Segurança Pública ocorrido recentemente na Câmara dos Deputados em Brasília, ocasião em que foi defendido o chamado “ciclo completo de polícia”, modelo em que todas as Polícias exercem o poder de investigação, cuja atribuição constitucional hoje em dia cabe apenas à Polícia Civil.

Antes de mais nada, é preciso alertar que a adoção do ‘ciclo completo de polícia’ demandaria um novo marco legislativo que mudasse os valores contemplados no artigo 144 da Constituição Federal. Neste sentido, seria necessário discutir e aprovar uma PEC, com todas as dificuldades inerentes a uma mudança de lógica constitucional. Em outras palavras, a solução, pela via legislativa, não é tão simples como parece.

O legislador constituinte, por ocasião do nosso Pacto Social de 1988, preferiu conceder competências bem específicas para cada umas das Polícias. Assim, grosso modo, à Polícia Civil cabe a atividade de polícia judiciária, responsável prioritária pela condução das investigações e do inquérito policial. De outro lado, a atividade policial ostensiva-repressiva, cujo foco é a prevenção de delitos e a manutenção da ordem pública destina-se à Polícia Militar.

A nosso ver, a estrutura atual do serviço de segurança pública não nos permitiria adotar com vantagem o ‘ciclo completo de polícia’. A razão é a mesma do ditado popular que nos ensina que “cachorro de dois donos, morre de fome”, uma vez que o risco de ter as Polícias cuidando de tudo (atividade repressiva e atividade judiciária) poderia ocasionar, ao revés do pretendido pelos defensores da ideia, a falta de atendimento regular e organizado das áreas cujas competências estão hoje bem definidas.

A baixa percentagem de elucidação de crimes está essencialmente ligada à falta de aparelhamento das Polícias em suas atividades-fim, sejam elas civis ou militares. Exemplo disso é o que ocorre no Estado de São Paulo, em que menos de 20% dos investigadores da Polícia Civil, de acordo com dados apurados pelos órgãos de classe da categoria, está de fato exercendo a atividade de polícia judiciária, elucidando a autoria dos crimes cometidos. A grande maioria dos investigadores está, em verdade, envolvida em atividades que fogem completamente de seu mister, servindo como motoristas, datilógrafos, telefonistas ou até mesmo fazendo a segurança da Delegacia, visto temerem assaltos por parte dos criminosos (!).

A solução não é mudar a lógica constitucional, eliminando a separação de atribuições em que tudo ficaria a cargo de todos e sim um maior investimento no material humano e aparelhamento das Polícias. Em países como Estados Unidos, a taxa de elucidação de crimes é alta muito mais pela valorização da Instituição Policial, do que por contar com o ‘ciclo completo de polícia’.

Pergunte a algum cidadão norte-americano médio acerca de sua percepção sobre a Polícia e perceba, no mais das vezes, o grau de respeitabilidade, inclusive do ponto de vista cultural, que gozam os policiais naquela sociedade. Faça a mesma pergunta aqui no Brasil e, a exceção talvez da Polícia Federal, corremos o risco de ouvir, em uníssono, na melhor das hipóteses: – Coxinhas!

No Brasil, segundo dados do Governo Federal, o fato de apenas 10% dos 5.570 municípios contarem com Delegacias de Polícia, com os policiais em verdadeira penúria, diz muito mais sobre a baixa taxa de elucidação de crimes do que a ausência do modelo do ‘ciclo completo de polícia’.

Até agora, quer seja nas discussões em fóruns de segurança pública, quer seja em resoluções, normas ou leis editadas pelos Governos, não se tem tocado o ‘dedo na ferida’. Assim, a falta de aparelhamento, os baixos vencimentos (em razão inversamente proporcional ao risco assumido pelos policiais) e a ausência de investimento no material humano, não são, nem de longe, assuntos que parecem de fato preocupar nossas autoridades. Frequentemente, as propostas se baseiam na criação de soluções aparentemente mágicas, sem levar em consideração problemas comezinhos como os aqui mencionados.

São louváveis as tentativas de melhorar nossa política estatal de segurança pública. No entanto, para além da simples mudança legislativa, ainda que de âmbito constitucional, é preciso combater as causas que estão levando nossos órgãos policiais à falência.

*Fernando Capano é especialista em Segurança Pública, sócio do Capano, Passafaro Advogados, membro efetivo da Comissão Estadual de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, professor universitário e milita tutelando os interesses de Associações e Sindicatos de Servidores Policiais