O boné azul escuro estava virado para trás e combinava com a camisa da mesma cor. Os olhos, atentos, não piscavam. “O que você está achando?”. “Legal!” “Por que legal?”. “É que vendo uma coisa dessas, a pessoa pensa que as coisas vão mudar”. “E você não acredita que vão mudar?”. “Elas têm que mudar, né?”. O diálogo entre a repórter e um dos 333 reeducandos da Funase do Cabo de Santo Agostinho aconteceu na manhã de ontem, durante apresentação da Orquestra Criança Cidadã na unidade. Mais que uma declaração, a resposta dada por D.S., 18 anos, é o retrato da esperança que o garoto guarda em meio à violência, à carência e à insegurança que fazem parte de seu dia a dia.
O concerto, iniciado pontualmente às 10h com o tango Por una cabeza, de Carlos Gardel, foi assistido por cem jovens de 16 a 21 anos. Encerrado uma hora depois, o evento foi o começo de um trabalho de ressocialização dos internos que será desenvolvido nos próximos meses pelo estado e a Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC), ONG à qual está vinculada a orquestra.
“Essa apresentação é muito mais significativa para os meninos desta unidade do que aparenta ser. A gente consegue despertar o interesse de alguns que até agora não se viram motivados a mudar de vida”, afirmou o desembargador Nildo Nery, presidente da ABCC. Ele acompanhou toda a apresentação regida pelo professor e maestro Márcio Pereira.
Os jovens músicos, todos do Coque – uma das comunidades com menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do Recife – apresentaram canções como My way, de Paul Anka, Asa branca, de Luiz Gonzaga, e Carinhoso, de Pixinguinha. “Queremos aprofundar o que chamamos de cultura de vida, mostrando que o caminho da paz muda as pessoas”, afirmou o secretário da Criança e da Juventude de Pernambuco, Pedro Eurico.
Além da orquestra, se apresentaram Saint Clair e MC Júnior, de Santo Amaro. Também foi celebrado um culto por um grupo de oito internos evangélicos. O evento teve participação de agentes socioeducativos, funcionários da Funase e parentes dos reeducandos, já que quarta-feira é dia de visita. Alguns internos preferiram ficar nas celas, recebendo familiares.
Do Diario de Pernambuco, por Glauce Gouveia