Epidemia de HIV e tuberculose nos presídios do estado

Do Diario de Pernambuco, por Marcionila Teixeira

Um dos maiores focos de HIV e tuberculose em Pernambuco está nos presídios. Levantamento inédito da Human Rights Watch aponta a existência de uma epidemia das duas doenças nas unidades prisionais do estado. Segundo o documento, são 2.260 casos de tuberculose por 100 mil presos, ou seja, uma taxa quase 100 vezes maior que a média na população brasileira.

Fotos: Human Right Watch/Divulgação
Fotos: Human Right Watch/Divulgação

A prevalência de infecções pelo vírus HIV é mais de 42 vezes maior que a verificada na população brasileira em geral, chegando a 870 casos por 100 mil presos. Intitulado O estado deixou o mal tomar conta – a crise do sistema prisional do estado de pernambuco, a pesquisa será lançada hoje em São Paulo.

“Se fora das unidades prisionais a taxa de tratamento e abandono é elevada, uma epidemia dentro dos presídios significa uma população com vulnerabilidade ainda maior”, explica a médica sanitarista Marília Siqueira. Os dados foram coletados este ano durante visitas a quatro prisões do estado. O risco também é ampliado para parentes de presos nos dias de visita.

Segundo o levantamento, na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, a equipe de saúde não consegue submeter os novos presos, que chegam em grande quantidade, a exames de tuberculose. Os detentos são examinados apenas depois que os sintomas aparecem, quando outros presos – que com eles compartilham os espaços confinados e mal ventilados – já foram infectados. “A superlotação impede acabar com o foco”, admitiu, na época, a direção.

O relatório revela a existência de apenas 161 profissionais de saúde para cuidar de 31.700 presos, incluindo um único ginecologista para uma população de 1.870 presas. “Funcionários disseram que, sofrendo com a falta de pessoal e de medicamentos, as enfermarias das prisões frequentemente podem oferecer apenas cuidados básicos. Os presos precisam ser levados a hospitais locais para tratamento, mas é comum que o traslado não seja feito por falta de escolta policial”, diz um trecho do documento.

A questão de saúde é agravada pela falta de água. Os pavilhões da PAISJ, em Itamaracá, não possuem água corrente. “Os presos coletam água em baldes para beber, tomar banho, fazer a limpeza e dar descarga. Eles utilizam torneiras nos pátios, onde a água é disponibilizada apenas três vezes ao dia, meia hora por vez. Durante nossa visita, os três vasos sanitários nos pátios estavam entupidos por fezes, havia esgoto correndo a céu aberto pelos pátios da prisão e o lixo se acumulava por toda parte”, diz o relatório.

“Com três vezes mais detentos que sua capacidade, as péssimas condições sanitárias e de ventilação, aliadas à superlotação e à falta de cuidados médicos adequados, fazem com que doenças se espalhem entre os presos”, destaca Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch.

“Chaveiro é um mal necessário”

“Com a grande quantidade de presos e os últimos dez anos de crescimento carcerário, o estado infelizmente saiu de dentro da cadeia”. A frase é de Eden Vespaziano, Secretário Executivo de Ressocialização de Pernambuco, e foi confessada à Human Rights Watch. Prova disso é a existência dos chaveiros, presos condenados por crimes graves, como homicídio, escolhidos pelas autoridades para impor respeito aos demais. “Os chaveiros são um mal necessário, pois não temos efetivo suficientes”, disse um diretor.

O relatório aponta que os chaveiros abusam de seu poder de várias formas. Vendem espaços para dormir, traficam drogas e cobram propinas. “Uma vez que os leitos de cimento são escassos, os chaveiros cobram por barracos – cubículos de madeira feitos por outros presos – a preços que vão de R$ 600 a R$ 2 mil”, destacaram os defensores de direitos humanos. “Alguns presos compram drogas dos chaveiros a crédito e seus familiares do lado de fora são obrigados a trazerem dinheiro no fim de semana para pagar a dívida”, diz um outro trecho do documento.

O documento também destaca a necessidade de ampliação das audiências de custódia, cuja função é prevenir a prisão ilegal e evitar a superlotação. Para se ter uma ideia, no Maranhão, a iniciativa levou os juízes a decidirem que 60% dos detidos não deveriam permanecer presos enquanto aguardavam julgamento e ordenaram sua libertação. No dia 14 de agosto de 2015, Pernambuco instituiu seu próprio programa de audiências de custódia, embora restrito apenas ao Recife.

Ao final, o documento faz uma série de recomendações ao estado, à Justiça e ao Ministério Público, ao governo federal e Congresso Nacional para solucionar a situação de grave violação de direitos humanos nas unidades prisionais do estado. O Diario tentou falar com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.