Quarenta presos morrem por mês nos presídios de São Paulo

Da Agência Fiquem Sabendo/Comunicação

No pavilhão D do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Santo André, no ABC paulista, um grupo de detentos grita: “PS! PS!” Essa é a expressão (uma referência à palavra pronto-socorro) usada por eles para avisar que algum preso precisa ser levado à enfermaria. Dois agentes penitenciários dirigem-se à cela de número 46. Nela, há 16 detentos em regime de observação (separados do restante dos presos do CDP por algum motivo de segurança). Dois deles estão desacordados.

Rebelião durou três dias e deixou três mortos. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
Em Pernambuco, uma rebelião no Complexo do Curado durou três dias e deixou três mortos, em janeiro deste ano. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press

Os agentes os algemam e os levam, em cadeiras de rodas, à enfermaria. Felipe dos Santos Lima, o Tripa, 18 anos, desempregado, e Paulo Ricardo Martins, o Paulinho, 19 anos, servente, não apresentam nenhum sinal de agressão. Um atendente atesta: eles estão mortos. São 14h46 do dia 30 de agosto de 2013.

Dois meses antes, Tripa e Paulinho participaram de um roubo a uma família de bolivianos, na Vila Bela, favela em São Mateus, zona leste, no qual o menino Brayan Yanarico Capcha, de cinco anos, foi morto com um tiro na cabeça. Outros dois suspeitos, que não chegaram a ser presos, foram achados mortos, dias depois. As mortes de Tripa e Paulinho não são um caso isolado.

Entre janeiro de 2014 e junho de 2015, 721 detentos morreram nos presídios paulistas. Isso representa uma média de 40 mortes a cada mês. É o que aponta levantamento inédito feito pelo Fiquem Sabendo com base em dados da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária obtidos por meio da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). (Veja o detalhamento dessas informações no infográfico abaixo.)

De acordo com os dados disponibilizados pelo governo Geraldo Alckmin, 661 (92%) dos casos foram de morte natural. Foram registrados 21 (3%) homicídios e 39 (5%) suicídios.

Segundo a autoridade penitenciária estadual, do total de mortes naturais, 610 (85%) se deram em hospitais (fora das unidades prisionais) e 39 (8%) ocorreram nas celas onde os presos cumpriam pena ou aguardavam julgamento. Em junho deste ano, os presídios paulistas abrigavam 224.965 presos.

Ao menos 136 presos morrem por mês em todo o país

Entre janeiro e junho de 2014 (dado mais atualizado), o Ministério da Justiça divulgou, em seu relatório “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias”, que “foram registradas 565 mortes nas unidades prisionais no primeiro semestre de 2014 (sem dados de São Paulo e do Rio de Janeiro)”.

Segundo o documento, parte da ausência desses números se deu porque “o Estado de São Paulo não respondeu ao presente levantamento”.

Somadas essas mortes com os 250 casos contabilizados no período nos presídios paulistas, pode-se afirmar que o país registrou, entre janeiro e junho de 2014, 815 detentos mortos (136 a cada mês, em média).

Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Administração Penitenciária informou em nota que “os dados  estão à disposição na Secretaria da Administração Penitenciária para qualquer pessoa ou órgão interessado”.

O Estado impõe duas penas ao preso, diz jurista

Na avaliação do jurista e presidente do Instituto Avante Brasil – IAB (Instituto de Prevenção do Crime e da Violência), Luiz Flávio Gomes, o número de mortes de presos no Estado é alto e reflete uma política de Estado apoiada por “uma sociedade insegura, que não suporta o atual nível de violência”.

“É um genocídio estatal com amparo da sociedade. Isso prova que mandar um cara para a cadeia hoje não é só punir com a pena de prisão. Há também uma pena implícita. A pena implícita que o preso corre é a morte, ou pela Aids ou pelo assassinato”, afirma Gomes.

Para o jurista, os dados apontam ainda a suspeita de que quem comanda os presídios e tem o poder da força dentro deles é a facção criminosa PCC (Primeiro Comando Vermelho). “Talvez as mortes não sejam do Estado. É bem provável que elas sejam, em sua grande maioria, do próprio PCC.”

Segundo ele, o Estado omite-se em relação a essas. “O Estado não coloca seu poder de investigação, de laudos, de exame médicos. Não se coloca isso a serviço do bem estar geral, não cumpre seu papel. Ele é omisso.”

Detentos são uma população invisível, afirma integrante da ONU

Para a advogada brasileira Margarida Pressburguer, integrante do SPT (Subcomitê para Prevenção da Tortura), da ONU (Organização das Nações Unidas), os presos são uma população invisível e a maior parte da sociedade não se importa com o que se passa dentro dos presídios. “Hoje em dia, você está vendo a população enraivecida, querendo fazer justiça pelas próprias mãos. Então, quando você fala da população carcerária, é aquela velha resposta: ‘Mas não tem nenhum santinho lá dentro, deixa matar, deixa morrer, não vai fazer falta’.”

Mortes estão em queda, afirma secretaria

A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária disse por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa que as mortes nos presídios paulistas estão caindo e que a população prisional paulista tem atendimento de saúde garantido. Leia a íntegra do comunicado enviado pela pasta à reportagem:

Apesar do crescimento da população carcerária no Estado, o número de óbitos no sistema penitenciário paulista caiu na comparação ao primeiro semestre do ano passado. Nos primeiros seis meses de 2015 foram registradas 239 mortes ante 250 no mesmo período de 2014. Isso significa uma ocorrência (incluindo em sua grande maioria mortes naturais) para cada mil detentos.

A população prisional paulista tem atendimento de saúde garantido através das equipes de cada unidade. Em casos de maior complexidade, quando é necessário atendimento externo, este é feito através da rede do Sistema Único de Saúde, a que o preso tem direito como qualquer cidadão. Também são realizadas campanhas de vacinação e conscientização da população carcerária sobre cuidados com a saúde. Recentemente, a Pasta foi premiada no Fórum Estadual de Tuberculose no Estado de São Paulo. Também realiza campanhas periódicas com a realização de exames preventivos como a do câncer de mama, através do “Programa Mulheres de Peito” em parceria com a Secretaria de Saúde.

Não soubemos de mais nada, diz familiar de preso morto

Passados mais de dois anos da morte de Felipe dos Santos Lima, o Tripa, um dos presos encontrados mortos em uma cela do CDP de Santo André, familiares dele não querem conversar sobre o caso. Na casa onde ele morava (a menos de 50 metros do local da morte do menino Brayan), na Vila Bela, uma parente, que não quis ser identificada, diz que os pais dele se mudaram para o interior paulista logo após o crime.

Ela conta que a morte dele foi informada à família por meio de um telefonema feita por um funcionário do presídio. “De lá para cá, não soubemos de mais nada. Os pais dele não querem conversar sobre isso”, diz.

*Com colaboração da repórter Bianca Gomes de Carvalho

Corrupção sangra a Hemobrás

Do Diario de Pernambuco, por Aline Moura e Sávio Gabriel

A Operação Pulso, deflagrada ontem pela Polícia Federal (PF), trouxe à tona uma organização criminosa que atuava dentro da Empresa Brasileira de Hemoderivados de Biotecnologia (Hemobrás). Além dos prejuízos financeiros, estimados inicialmente em R$ 30 milhões, as ilicitudes supostamente cometidas pelos cinco envolvidos nas investigações atingem diretamente a população que depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo informações da PF, cerca de R$ 9 milhões em plasma sanguíneo (matéria-prima para a elaboração de medicamentos) foram desperdiçados devido a mau armazenamento. As investigações indicam que parte do dinheiro desviado pode ter financiado campanhas políticas em Pernambuco no ano passado.

Caso foi detalhado pela PF. Foto: Savio Gabriel/DP/D.A Press  P
Caso foi detalhado pela PF. Foto: Savio Gabriel/DP/D.A Press

Entre os envolvidos estão o diretor-presidente da estatal, Rômulo Maciel Filho, o diretor de Produtos Estratégicos e Inovação, Mozart Sales, candidato a deputado federal em 2014 pelo PT, e Jorge Luiz Cavalcanti, funcionário da área de engenharia da Hemobrás. Eles foram alvo de mandado de condução coercitiva (quando são obrigados a prestar depoimento) e afastados por 90 dias das funções. A PF prendeu preventivamente os empresários Delmar e Juliana Siqueira Rodrigues. Os cinco foram indiciados por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

No Recife, os agentes da PF foram ao apartamento de Rômulo, localizado no Cais de Santa Rita e conhecido como “torres gêmeas”. Enquanto parte da equipe subia à residência dele, maços de dinheiro foram arremessados de uma das janelas do prédio.  “O dinheiro foi resguardado. Será feito um exame datiloscópio para sabermos de onde saíram as cédulas”, esclareceu Carla Patrícia, delegada regional de combate ao crime organizado.

O delegado Wagner Menezes, coordenador da operação, destacou que a PF recebeu denúncias de que a diretoria da Hemobrás estava “comprometida com um certo grupo de empresários para direcionar licitações e permitir o desvio de recursos públicos mediante pagamento de propina”. Foram verificadas irregularidades em diversos contratos. “Um desses era para o armazenamento de plasma, cuja licitação foi vencida por uma empresa, a um custo de R$ 880 mil”, disse, acrescentando que a Hemobrás rescindiu o contrato, fez outra licitação e contratou o mesmo serviço a outra companhia por R$ 8,3 milhões. De acordo com o delegado, funcionários que trabalhavam no canteiro de obras e teriam percebido as irregularidades foram afastados pela diretoria da estatal.

O desperdício do plasma sanguíneo, segundo o delegado, deu-se porque a empresa contratada para tal finalidade não tinha experiência para armazenar o tipo de material. “O consórcio era contratado para fazer o transporte, apenas (…) Houve desperdício massivo de material que seria destinado ao SUS”, disse o delegado. Os medicamentos produzidos a partir do plasma seriam destinados a portadores de hemofilias, cirrose, câncer, Aids, e vítimas de queimaduras.

As investigações ainda apontam para campanhas eleitorais. “Relatório do COAF indica operações suspeitas, por parte de diretores e familiares deles, de transferência de valores, por meio de contas bancárias, destinados a assessores parlamentares ligados a políticos da região”, detalhou ele, informando que, a princípio, 12 pessoas ligadas a partidos políticos, campanhas eleitorais de 2014 e a políticos poderiam ter se beneficiado. “Os vínculos ainda estão sendo feitos. Todas as provas do inquérito serão compartilhadas com a Justiça Eleitoral, que vai naturalmente tomar sua posição”, disse Marcelo Diniz Cordeiro, superintendente regional da PF.

Detalhes da Operação Pulso

Os alvos:
Rômulo Maciel Filho – presidente da Hemobrás (mandado de condução coercitiva)
Mozart Sales – diretor de Produtos Estratégicos e Inovação (mandado de condução coercitiva)
Delmar Siqueira Rodrigues – empresário* (prisão temporária)
Juliana Siquera Rodrigues – empresária* (prisão temporária)
Jorge Luiz Batista Cavalcanti – servidor da área de engenharia da Hemobrás (mandado de condução coercitiva)

*Delmar e Juliana são sócios de uma das empresas envolvidas nas irregularidades apontadas pela Polícia Federal

Alguns crimes apontados pela investigação:
superfaturamento de R$ 6 milhões nas obras da Hemobrás, devido a um erro de projeto
sobrepreço de R$ 52 milhões no gerenciamento da obra
superfaturamento em um contrato para transporte de plasma, que passou de R$ 880 mil para mais de R$ 8 milhões

Os envolvidos responderão aos crimes de:
Peculato
Corrupção passiva
Fraude em licitação
Evasão de divisas
Lavagem de dinheiro
Formação de organização criminosa

12 anos de prisão é que, somadas, podem resultar a pena dos envolvidos pelas irregularidades

Rômulo Maciel Filho
O economista Rômulo Maciel Filho assumiu a presidência da Hemobrás em outubro de 2009, a primeira empresa estatal criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, o PT de Pernambuco, incluindo o ex-prefeito João Paulo e o ex-ministro Humberto Costa, contestou a indicação dele. Mas os petistas perderam a queda de braço para o ministro José Gomes Temporão, do PMDB, que havia trabalhado com Rômulo Filho na Fiocruz do Rio de Janeiro e o considerada de sua cota pessoal. O PT queria emplacar João Paulo Baccara no cargo, um médico hematologista ligado ao PMDB de Minas Gerais. Em outubro de 2013, Rômulo Maciel foi reconduzido ao cargo, com apoio do então ministro Alexandre Padilha (PT). Além da presidência, ele, novamente, acumulou a Diretoria de Desenvolvimento Industrial. Dessa vez, Rômulo não teve resistência dos pernambucanos.

Mozart Sales
Ex-vereador do Recife, Mozart Sales assumiu a direção de Produtos Estratégicos e Inovação da Hemobrás em março, após se destacar como coordenador do Programa Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff. Era uma das apostas do partido para disputar a Prefeitura do Recife no próximo ano, especialmente num momento em que a legenda tem dificuldades de revelar novos quadros e passa pela sua maior crise. Mozart foi indicado para o cargo a partir de um acordo entre as lideranças do PT estadual. Em reunião na sede da sigla, entre os vários nomes colocados à mesa, venceu o de Mozart. Na Hemobrás, Mozart estava responsável pelas atividades de relacionamento com a hemorrede; pesquisa, produção e gestão do plasma.

Hemobrás
A Hemobrás é uma estatal vinculada ao Ministério da Saúde e foi criada para que o Brasil tivesse menos dependência externa no setor de derivados de sangue, com a produção de medicamentos essenciais a pessoas com hemofilia, cirrose, câncer, aids e portadores de imunodeficiência genética. O investimento previsto para este ano na estatal era de R$ 377 milhões, mas o governo federal só liberou R$ 200 milhões. Para custeio, o que inclui os medicamentos, a Hemobrás recebe R$ 767 milhões.

A missão oficial da estatal é pesquisar, desenvolver e produzir hemoderivados, medicamentos biotecnológicos, visando atender, prioritariamente, aos pacientes do Sistema Único de Saúde. A vinda da empresa para Pernambuco, em 2005, teve uma participação grande do então ministro Humberto Costa e do ex-presidente Lula.