Desde a sexta-feira da semana passada que o Diario de Pernambuco vem publicando uma série de reportagens produzida pelo jornal Correio Braziliense que revela o mundo escondido dos abusos praticados contra meninos que sonham em ser jogadores de futebol. As repórteres Juliana Braga e Renata Mariz mergulharam a fundo nas denúncias que partiram de várias parte do Brasil. Trouxeram à tona um problema que muita gente não enxerga, mas que deixa feridas no corpo e na alma de muitos garotos. Alguns deles são obrigados a manter relações sexuais com treinadores ou outros profissionais dos clubes onde treinam para se manterem no caminho dos seus sonhos.
Apenas depois essas denúncias, o governo e a CBF se pronunciaram sobre o problema. A presidente da CPI da exploração também cobrou explicações. Tudo bem, a atenção é válida, porém chega meio tarde. Quantos meninos não tiveram seus sonhos interrompidos depois dos abusos que sofreram? Quantos abusadores não seguem impunes devido ao medo e à vergonha de contarem o que foram vítimas? E o pior de tudo é que os garotos ouvidos pela reportagem afirmaram que eram ameaçados para não contarem nada do que acontecia. Muito oportuna a abordagem do assunto e deixa um alerta para os pais e toda a sociedade para o problema da exploração sexual. Veja abaixo matéria publicada no Diario de Pernambuco desta quarta-feira.
Brasília – A Câmara dos Deputados vai convocar o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, e um representante do Ministério do Esporte, para questionar a situação de abandono e a falta de fiscalização nas escolinhas e clubes de futebol no que diz respeito ao abuso e exploração sexual. A presidente da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, deputada Érika Kokay (PT-DF), quer cobrar a responsabilização conjunta dos clubes e do poder público. Também provocada pela série de reportagens do Correio Braziliense/Diario, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) enviará ofícios aos times brasileiros para que estes firmem uma parceria em torno do combate à violência sexual contra os jovens atletas — a exemplo do que faz com grandes empresas do país. Além disso, a pasta anunciou que financiará pesquisas sobre o tema e ações nas cidades-sede da Copa do Mundo, bem como estuda uma campanha nacional com foco na vítima masculina.
O discurso de Érika Kokay foi enfático ao criticar o fato de a CBF e o Ministério do Esporte alegarem não serem responsáveis por ações, dentro dos clubes, que visem a prevenção da violência sexual. “Não podemos mais escutar das autoridades, que deveriam fiscalizar e proteger nossas crianças e adolescentes, a resposta de que abuso sexual é caso de polícia e que nós não temos nada a ver com isso. Tem, sim. O Estado tem de fiscalizar essas relações. A CBF também”, destacou. O requerimento apresentado pela deputada será analisado na próxima sessão da CPI.
Governo vai destinar R$ 3,5 milhões para ações de combate à violência sexual nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 |
A deputada também apresentará projeto de lei para responsabilizar os clubes pelos abusos, na esfera civil e penal, além de arcar com o tratamento. Érika quer construir mecanismos que garantam o respeito efetivo à Lei Pelé. Entre eles, garantir o registro dos profissionais no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ligado à SDH, para que haja controle das atividades. Outra ideia é estabelecer uma rotina de fiscalização por parte dos conselhos tutelares nos espaços do futebol, para que eles atuem mesmo que não sejam provocados.
Meninos no foco
Por parte do governo federal, a ministra Maria do Rosário reconhece que até hoje nunca houve uma campanha de enfrentamento à violência sexual com foco em crianças do sexo masculino. “Sempre tivemos uma dificuldade de enfrentarmos a exploração que envolve meninos. Essa série nos traz elementos muito importantes, até pela dimensão do futebol, para revelarmos a situação”, afirma a ministra. A invisibilidade da violação que acomete os garotos está refletida nos números. As 35.069 denúncias de abuso e exploração sexual infanto-juvenil recebidas de janeiro a julho deste ano pelo Disque 100, canal de notificações, referiram-se a 20.798 vítimas, das quais apenas 33% eram meninos. “Até pelo tabu que há no tema da sexualidade masculina, essas crianças ficam invisíveis diante dessa condição.”
Segundo Rosário, o Mundial de 2014 é um momento ímpar para combater as violações contra a intimidade das crianças e reforçar seus direitos. “Isso significa (darmos) uma atenção especial nas cidades onde a Copa acontecerá, nos estádios, mas também uma atenção especial a tudo que ela move no imaginário nacional, a todos aqueles que querem ser os melhores craques do Brasil, até para que eles não fiquem mais vulneráveis em universos essencialmente masculinos que são as escolas de futebol.”
Ô Brasil complicado.