Um veleiro movido a cocaína

Casado, 48 anos, nenhum antecedente criminal. Mecânico de formação, o holandês Raymond Knobbe levava uma vida idílica viajando pelo mundo em seu veleiro Rody. Fernando de Noronha seria mais um destino na rotina de aventuras a bordo de um lar flutuante. O arquipélago, porém, acabou se tornando a última parada antes de uma provável temporada de cinco a 20 anos em uma penitenciária pernambucana. Knobbe foi flagrado, em alto-mar, com 11,5 kg de cocaína pura, numa operação que teve detalhes divulgados ontem pela Polícia Federal.

Veleiro foi levado ao Porto de Santo Antônio pela Polícia Federal. Fotos: Polícia Federal/Divulgação
Veleiro foi levado ao Porto de Santo Antônio pela Polícia Federal. Fotos: Polícia Federal/Divulgação

Pensando que navegaria em águas tranquilas, o holandês zarpou de seu país, parou no Rio Grande do Norte e seguiu para Noronha. Ele não sabia que estava sendo monitorado pela Agência Nacional de Crimes da Grã-Bretanha (NCA), que alertou as autoridades brasileiras sobre a possível carga de drogas. Reunido em Natal, um grupo de nove policiais federais e militares da Marinha embarcou no navio-patrulha Macau e interceptou o Rody perto do arquipélago, por volta das 5h30 do sábado.

Raymond Knobbe foi trazido para o Recife nesse domingo
Raymond Knobbe foi trazido para o Recife nesse domingo

O veleiro foi escoltado ao Porto de Santo Antônio, onde a Polícia Federal descobriu a droga, dividida em dez tabletes. Knobbe recebeu voz de prisão e passou a noite em um posto da PF. Ontem à tarde, foi trazido para o Recife em um voo de carreira que chegou às 16h20. Ele fez exame de corpo de delito no IML e seguiu para o Cotel, onde aguardará julgamento por tráfico internacional de entorpecentes.

“No interrogatório, o holandês afirmou que vivia nesse veleiro viajando pelo mundo. A gente acredita que ele utilizava essas viagens para traficar cocaína. A droga possivelmente tem origem na Europa. Vamos ver se ele faz parte de um grupo maior”, observou Giovani Santoro, chefe da Comunicação da Polícia Federal de Pernambuco.

Quase 12kg de cocaína foram encontrados na embarcação
Quase 12kg de cocaína foram encontrados na embarcação

Segundo os investigadores, a carga pode ser muito maior. O veleiro, que deverá chegar ao Recife na quinta-feira, será desmontado, pois a Polícia Federal suspeita que haja mais cocaína escondida.

A polícia está acertando os detalhes da vinda do veleiro para o Recife e da operação de desmonte. Não está definido, por enquanto, o órgão que comandará a transferência do barco. A PF também entrará em contato com empresas náuticas para desmontar o veleiro sem danificar a embarcação. O trabalho deve durar de um a dois dias.

Portos do Brasil na rota do tráfico de cocaína para a Europa

Os portos brasileiros se tornaram uma rota alternativa para levar cocaína produzida na América do Sul a países da Europa. Segundo a Receita Federal, mais de dez toneladas da droga foram apreendidas em carregamentos marítimos que saíram ou iriam sair de portos brasileiros em três anos, de 2008 a 2011. A rota foi reconhecida oficialmente em relatório recente da Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes) – o órgão independente criado para fiscalizar a implementação dos tratados da ONU sobre drogas.

Até então, o país era conhecido mais por fazer parte da rota aérea da cocaína, em que viajantes são recrutados para embarcar em voos para a Europa com cocaína escondida na bagagem ou no corpo. O documento aponta a África Ocidental como o mais novo centro de contrabando de cocaína de países sul-americanos – como Colômbia, Bolívia e Peru – para a Europa. Segundo a Jife, desde 2007, quadrilhas internacionais têm intensificado o transporte da droga por via marítima para essa região.

De acordo com o relatório, estatísticas de 2011 (as mais recentes) apontam que quase metade da cocaína apreendida no mar vem de portos brasileiros. Os principais países de destino dessas cargas são Benin, Camarões, Gana, Nigéria, Serra Leoa e Togo. A partir desses países, a droga é redistribuída para destinos na Europa, como Espanha, Portugal e Bélgica.

Segundo dados da Receita Federal, ao menos 10,5 toneladas de cocaína foram apreendidas em 60 operações diferentes desde 2008. Essa droga embarcou ou iria embarcar em navios por meio de portos brasileiros.

Esconderijos

Segundo o delegado Ivo Roberto Costa da Silva, da Polícia Federal, as quadrilhas que operam nos portos brasileiros são internacionais. Boa parte delas seria formada por criminosos de origem sérvia. A natureza do transporte marítimo também permite aos criminosos enviar grandes quantidades da droga de uma só vez. Em alguns carregamentos interceptados, mas de uma tonelada de cocaína foi apreendida.

A Polícia Federal e a Receita já encontraram os mais diversos tipos de esconderijos usados para ocultar a droga. Em apreensões recentes, a cocaína foi encontrada em cargas de carvão, em tonéis de suco de laranja congelado e em embalagens de detergente. Outra tática comum dos criminosos é ocultar o entorpecente dentro da estrutura metálica de contêineres que saem vazios do país, segundo Cleiton Simões, inspetor-chefe da Receita Federal no porto de Santos.

Para combater essas práticas, a Receita está comprando equipamentos de raio-x cada vez mais sofisticados para aumentar sua capacidade de inspeção de contêineres. Alguns conseguem penetrar chapas de metal de quase três centímetros de espessura. As cargas são examinadas antes de embarcar nos navios.

“Conseguimos escanear até 120 contêineres por hora. Temos uma equipe que faz uma análise de risco; eles selecionam os contêineres com maior possibilidade de conter drogas. Com os escâneres, o cão de faro e a sensibilidade dos nossos fiscais, temos feito grandes apreensões”, disse Simões. Ele afirmou que nos próximos dias um segundo tipo de escâneres de alta capacidade entrará em atividade no porto de Santos, a fim de dobrar essa capacidade.

Da BBC Brasil

Militares brasileiros mergulhados nas drogas

 

Do jornal Estado de Minas

Com fardas imponentes e armas na cintura, eles são treinados para combater o crime, lutar na guerra, salvar pessoas em perigo. A missão nobre, o regime rigoroso de disciplina e uma legislação penal própria extremamente dura, porém, não têm livrado os militares do flagelo das drogas. É crescente o uso de bebida, maconha, pó e pedra nos quartéis. No ano passado, 161 denúncias contra integrantes das Forças Armadas chegaram à Justiça Militar — uma média de 14 por mês. De janeiro à primeira quinzena de junho, foram 56.

O serviço de saúde do Exército encaminhou, de 2010 para cá, 42 usuários graves de crack para internação prolongada. Na Marinha, seis receberam tratamento. A Aeronáutica se recusou a passar informações sobre o assunto. Na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, o tema também é tratado com sigilo. Mas Paulo*, que é PM, e José*, bombeiro, aceitaram conversar com o Estado de Minas. Eles relataram o drama das drogas no mundo militar, as dificuldades e facilidades que a carteira diferenciada traz para um usuário e como estão tentando abandonar o vício.

Prestes a completar 20 anos de Justiça Militar, o ministro Olympio Pereira da Silva Junior, vice-presidente do Superior Tribunal Militar, é taxativo: “Os casos estão aumentando, principalmente com o crack. O que aparece no meio civil, aparece aqui dentro também, não tem jeito”. Ele lembra que, embora praticamente todos os processos sejam de militares com pequenas quantidades de drogas, no Código Penal Militar não existe a figura do usuário. “0,01 grama ou 30 quilos é tudo crime, com reclusão de até cinco anos, podendo haver desligamento da instituição”, explica.

*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados

 

José – Bombeiro
“Já deixei minha arma por droga na boca”

Da cerveja socialmente aos porres com bebida destilada, ainda nos primeiros tempos de bombeiro, passaram-se não mais que cinco anos. “Quando vi tinha me tornado um alcoólatra. Levava vodca para o quartel. Faltava ao serviço, os colegas iam me buscar em casa bêbado porque senão era deserção”, conta José. A vontade de parar levou o brasiliense, hoje com 40 anos, a procurar ajuda. Mas, entre uma e outra recaída, ele conheceu a cocaína. Com ela, vieram as piores sensações. “Mania de perseguição, ciúme em excesso, alucinação, paranoia mesmo”, conta.

O medo que ainda havia de perder o emprego foi se dissipando. “Usava cocaína dentro do quartel. Chegou uma hora em que pensei: ‘Se quiserem me reformar, dane-se. Vou usar droga até morrer’.” Enquanto as perdas de José aumentavam — sem mulher, longe do filho, sem dinheiro —, sua noção de limite diminuía. “Já deixei minha arma por droga na boca. Vendi uma TV também. Guardava cocaína no carro, fui parado em blitz bêbado. Era só mostrar minha identificação militar que estava liberado”, lembra. “As pessoas veem a gente como um herói. Então, para os vizinhos e conhecidos, nunca fui o José. Sempre era o bombeiro. Passei a ser o bombeiro que chegava doidão, drogado, bêbado. É difícil pedir ajuda”, diz. Desde março sóbrio, o militar de músculos bem torneados e rosto bonito se mantém firme no tratamento. “Sou um bom profissional, sei que posso chegar a major”, aposta José, com 23 anos na corporação.

 

Paulo – Policial Militar
“Passava cinco, oito dias usando crack direto”

Aos 18 anos, quando vestiu a farda da Polícia Militar do DF pela primeira vez, Paulo combatia a droga por convicção. Somente aos 30, para acompanhar a então mulher, passou para o outro lado. “Foram 10 anos usando cocaína, sem grandes prejuízos. Quando experimentei o crack, vi o fundo do poço. Em cinco meses, estava acabado”, conta Paulo. Com faltas excessivas e sem condições de trabalhar, ele pediu ajuda ao comandante do quartel, que o encaminhou para o Centro de Assistência Social da PM do DF, chamado pela sigla Caso.

Hoje existem cerca de 70 policiais militares sendo tratados no Caso. A PM afirmou que 12% da corporação são dependentes de álcool, segundo estudo de 2008. “Novos levantamentos apontam para um percentual maior”, diz a nota. Paulo não arrisca levantamentos, mas a experiência o leva a uma conclusão grave: “A PM e os bombeiros estão doentes”.

Pai de cinco filhos, o maranhense de 45 anos se lembra com tristeza da época em que fumava a pedra. “Passava cinco, oito dias usando crack direto, sem querer saber de nada. É uma droga miserável. Foi preciso um baque grande, uma traição conjugal, para eu acordar”, afirma. Mais de cinco meses sem consumir, participando de terapia individual e em grupo, além de sessões de musculação para combater a ansiedade, Paulo não se importa com os cochichos e olhares atravessados dos colegas. “Comentam: ‘Esse aí foi internado por causa de crack’. Eu não ligo, o que importa é que estou limpo.”

Denarc de olho no tráfico de pasta base de cocaína

 

O Departamento de Repressão ao Narcotráfico da Polícia Civil (Denarc) divulgou o balanço das suas apreensões de drogas do início do ano até o último dia 22 de junho. Segundo o gestor do Denarc, delelgado Luiz Andrey, o foco principal dos policiais tem sido a pasta base de cocaína. “É partir da pasta base que se produz o crack, por isso investigamos e estamos prendendo e fazendo apreensões junto aos distribuidores e atacadistas”, aponta Andrey. Até agora, um total de 96 kg de pasta base de cocaína foram recolhidos pelo departamento. De acordo com dados da polícia, no ano passado, 261 kg da droga foram retirados de circulação apenas pelo Denarc. “Nosso trabalho visa descobrir quem são os grandes fornecedores e não apenas os pequenos vendedores”, completa o delegado.

Delegado Luiz Andrey, gestor do Denarc, falou sobre as apreensões

Ainda de acordo com o balanço da especializada, até o dia 22 deste mês, foram apreendidos 91 kg de crack prontos para o consumo. No ano passado todo, foram retirados de circulação um total de 84 kg da droga. O que mostra que o trabalho de investigação e combate tem sido mais efetivo. “Após a criação do Denarc, em 2008, conseguimos ter mais resultado nas operações e apreensões de drogas. Isso é o resultado do investimento na capacitação dos policiais e novas tecnologias”, conclui Luiz Andrey.

Neste ano, 96 kg de pasta base de cocaína já foram apreendidos

Um total de 1 kg de cocaína em pó foi apreendido desde o início do ano. Em 2011, esse número chegou a 10 kg. Já quanto à apreensão de maconha, o Denarc afirma que retirou de circulação até o dia 22 deste mês 175 kg do entorpecente. No ano passado, o saldo foi de 888 kg. Quem tiver informações que possam ajudar a polícia a prender traficantes ou fechar pontos de distribuição de drogas no Grande Recife, pode telefonar para o Disque-Denúncia (81) 3421.9595 ou ainda telefonar para o Denarc (81) 3184.3398. A denúncia pode ser feita de forma anônima.