Balas achadas, vidas perdidas! Sobre o Caso Lara de Menezes Albert

Dia 24 de junho nunca será esquecido pelos familiares de Lara Albert. Nesta quarta-feira está fazendo 12 anos que a menina que brincava dentro do apartamento com a família foi atingida por um tiro disparado pelo um oficial da Polícia Militar. O caso foi esclarecido após uma perícia apontar de onde saiu o disparo, o que até então era um mistério para a polícia. O inquérito foi concluído, o autor do disparo indiciado, mas nunca foi preso. Familiares de Lara seguem na luta por justiça e para evitar que outros casos como esses sigam impunes. O irmão de Lara escreveu um texto sobre o caso. Confira abaixo:

Garota de sete anos foi baleada em Boa Viagem. Foto: Teresa Maia/DP/D.A Press
Garota de sete anos foi baleada em Boa Viagem. Foto: Teresa Maia/DP/D.A Press

O roteiro é sempre o mesmo, muda-se apenas os atores. Diariamente, repete-se nos noticiários: inocente é atingido por bala “perdida” disparada por policial. Engordam-se as estatísticas. Por trás dos números frios, estão vidas prematuramente ceifadas, histórias que não-mais-serão, famílias amputadas de membros que ainda latejam. A quem se confia a proteção, torna-se, numa inversão espúria de papéis, o responsável pela agressão. Se César, caído ao chão do Senado Romano, apunhalado pelo “fiel” general, sussurrou “Até tu, Brutus?”, hoje nos perguntamos “Até tu, Policial?”.

Nesse roteiro, reina a perversão dos lugares comuns. Ninguém quer ser protagonista, tampouco figurante. Reza-se para São Longuinho deixar perdido o objeto perdido. Coitado de quem achá-lo. De igual, somente as câmeras, que logo aparecem para espetaculizar o acontecimento. Infelizmente, Lara de Menezes Albert, minha irmã, contracenou nesse drama – alias, não há outro gênero que comporte esse roteiro. Em junho de 2003, uma bala perdida por um policial a encontrou, embora Lara nunca estivesse a procurando. É assim: é a bala perdida que procura seu dono, não o contrário.

O vilão desse drama responde pelo nome de Tibério Gentil Figueiredo de Lima, policial militar do Estado de Pernambuco. Disparou do próprio apartamento, numa atitude sem motivo. Acertou na cabeça de Lara, em seu apartamento, iludida pela ficta segurança que as paredes dos nossos lares nos provoca. Na polícia militar, não foi punido. Sabe-se como é: policial protege policial. E quem nos protege? Não responda policial. Na justiça, o crime prescreveu. Ah, “a justiça é lenta”. Quer dizer, a depender do cliente, ela opera como trem-bala. Trem e Bala. Tem bala perdida sendo achada, todos os dias.

Felizmente, Lara contrariou o final clássico desse roteiro. Sobreviveu. Não somente para contar a história. Mas, sobretudo, para fazer a história. História que por pouco uma bala-borracha não apagou. História, irresponsavelmente, negada a tantas outras vítimas. Histórias em potência que se dissipam, imediatamente após se dissipar o som do disparo. Não restam dúvidas: cansamos desse roteiro. Balas não podem mais fechar as cortinas precocemente. Tirem-no das salas do cinema. A vida precisa ganhar e, para isso, balas não podem mais ser perdidas.

Yuri de Menezes Albert, estudante de direito da UFPE

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O desabafo da família de uma vítima da impunidade

Há 11 anos, os familiares de Lara de Menezes Albert esperam por justiça. A garota foi atingida por um tiro quando estava dentro de casa, no bairro de Boa de Viagem.

Leia o e-mail enviado na íntegra à redação:

Hoje, dia 24 de junho, completou-se onze anos da tragédia da qual nossa família foi vítima. Lara de Menezes Albert, à época com 07 anos de idade, foi subitamente atingida na cabeça por um disparo de arma de fogo, enquanto assistia à televisão na sala do seu apartamento. Naquela fatídica noite, os fogos juninos, ao contrário de simbolizarem a alegria e felicidade típica da época, marcaram a dúvida acerca da sua sobrevivência, o que, por intervenção divina, acabou por acontecer.

Lara tinha sete anos quando foi baleada. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press
Lara tinha sete anos quando foi baleada. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press

A investigação policial atribuiu a responsabilidade pelo disparo a Tibério Gentil Figueiredo de Lima e que, por ironia, era um tenente da policia militar de Pernambuco, pago pelo Estado para promover a segurança da população. O que torna o caso ainda mais grave é constatar que o autor do tiro, que quase ceifou a vida de uma inocente, apesar de ter sido condenado em todas as instâncias no Tribunal de Justiça de Pernambuco, nunca cumpriu sequer um dia da pena, favorecido pelo instituto da prescrição. Do mesmo modo, o processo administrativo, instaurado na Corregedoria da Polícia Militar – PE, também prescreveu, razão pela qual o atual capitão continua exercendo sua profissão sem maiores obstáculos.

Marca de tiro ficou na parede da sala
Marca de tiro ficou na parede da sala

Inegável: ainda que o instituto da prescrição seja capaz de fazer a Justiça “esquecer”, pela passagem do tempo, determinados fatos, ele não é aplicável às memórias do coração. Por isso, nas noites de São João, para nossa família, as fogueiras queimando reacendem o sentimento de revolta, ao lembrar-nos que os estrondos ouvidos naquela noite, infelizmente, não eram de simples fogos de artifício.

Todavia, hoje a nossa intenção não se resume apenas a reprisar os momentos de desespero vividos pela nossa família. A nossa grande missão, neste momento, é continuar denunciando esse caso, que engrossa as estatísticas da impunidade, contribuindo para disseminar a violência. É comum ver nos jornais diários notícias divulgando casos de famílias destruídas pela ação irresponsável de quem acionou uma arma e disparou uma “bala perdida” no corpo de um inocente.

Por outro lado, há motivos para comemorar. Depois de um período de dificuldades, Lara se encontra em processo de recuperação, desenvolvendo gradualmente as atividades normais de uma jovem com sua idade.
Nós, família de Lara, agradecemos a todos os amigos, aos parentes e aos profissionais de diferentes áreas que nos ajudaram e continuam ajudando nessa árdua caminhada, que ainda não terminou.

Por fim, acreditamos na existência de instâncias superiores, não terrenas, para as quais, assim como o coração, a prescrição é inaplicável e a justiça, por consequência, inexorável. Diante delas, as instâncias componentes da justiça mundana não são senão meras tentativas vãs de restabelecer o equilíbrio das coisas, imperfeitas por natureza.

Que Deus ilumine a vida de todos vocês!

Lara e Família.