Ciclo Completo de Polícia provoca mal-estar entre polícias

Não é de hoje que o Ciclo Completo de Polícia, incluso na Proposta de Emenda Constitucional (PEC 431), tem causado estranhamento entre policiais civis e militares. Pelas bandas de cá, os reflexos são notados até nas reuniões do Pacto pela Vida, onde oficiais da Polícia Militar e delegados da Polícia Civil têm batido de frente.

Foto: Ivan Melo/Esp.DP/D.A.Press
PMs teriam mais poder com a aprovação. Foto: Ivan Melo/Esp.DP/D.A.Press

A proposta do Ciclo Completo de Polícia prevê que os PMs realizem investigações de crimes de menor potencial ofensivo e sejam responsáveis por fazer Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs). Por exemplo, os PMs teriam poder de prender e decidir se os suspeitos detidos por eles são realmente culpados. Nesse caso, os presos seriam ouvidos pelos militares num local conveniente para as partes ou no próprio local dos fatos.

Audiência reuniu centenas de pessoas. Foto: Ivaldo Reges/Agencia IR Fotos
Audiência reuniu centenas de pessoas. Foto: Ivaldo Reges/Agencia IR Fotos

Oficiais da PM estão ansiosos para que a proposta seja aprovada. Já os delegados da Polícia Civil não veem a aprovação do Ciclo Completo com bons olhos. De tão polêmica, a proposta já rendeu até audiência pública com a presença de políticos e diversos atores da segurança pública no Recife. Alguns deputados dizem que o trabalho investigativo da PM seria um benefício para a população, pois as viaturas não passariam tanto tempo paradas nas delegacias enquanto o caso estivesse sendo analisado pela Polícia Civil.

Outros parlamentares alegam que a qualidade dos inquéritos e processos originados dos TCOs feitos por PMs ficaria comprometida devido à falta de experiência dos militares. Enquanto a PEC 431 não chega ao Congresso, haja confusão.

Proposta de ciclo da polícia gera polêmica

A implantação do ciclo completo de polícia, que altera as atribuições dos órgãos de segurança pública, foi debatida ontem no Recife. Depois de passar por 11 capitais, o seminário “Por uma Nova Arquitetura Institucional da Segurança Pública: pela Adoção no Brasil do Ciclo Completo de Polícia” reuniu cerca de 800 pessoas no Centro de Convenções de Pernambuco na tarde de ontem.

Audiência reuniu centenas de pessoas. Foto: Ivaldo Reges/Agencia IR Fotos
Audiência reuniu centenas de pessoas. Foto: Ivaldo Reges/Agencia IR Fotos

O debate, promovido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, recebeu políticos, membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), delegados e policiais militares. A pauta polêmica foi alvo de críticas e elogios dos participantes. Delegados, que fazem parte da Polícia Civil, se posicionaram contra o ciclo completo de polícia. Já os PMs são favoráveis às mudanças. Os delegados argumentam que a proposta concede mais poderes aos policiais militares em detrimento dos civis.
A PEC 430/2009 institui uma nova organização policial estadual e extingue as atuais policias militares.

De acordo com a proposta, caberia à União legislar sobre essa nova estrutura (polícia estadual), subordinada aos governadores de estado e do Distrito Federal. Não se trata da unificação das polícias, mas da criação de um novo sistema de segurança pública. A PEC assegura aos atuais integrantes das polícias – Civil e Militar – optar por migrar para o novo sistema ou permanecer na carreira vigente.

O texto traz como mudanças a possibilidade de o policial militar realizar ações preventivas, ostensivas e de investigação. Atualmente, apenas as duas primeiras ações cabem à PM. “No mundo inteiro, só o Brasil, Cabo Verde e Guiné Bissau têm ‘meias-polícias’. Os demais países têm polícia de ciclo único, ou seja, faz a parte preventiva, ostensiva e também investiga”, afirmou o deputado federal Raul Jungmann (PPS), relator da PEC.

Delegado da PCPE escreve sobre ciclo completo da polícia

O delegado da Polícia Civil de Pernambuco Flávio Tau escreveu um texto sobre Ciclo Completo da Polícia. Confira o texto abaixo:

A moda agora é o tal do ciclo completo de polícia. Para os defensores de tal tese, se a polícia militar pudesse, além de realizar patrulhamento ostensivo, investigar, prender e mandar  recolher ao presídio os criminosos, todo o problema de segurança pública seria resolvido pois acabariam os entraves burocráticos. Ledo engano.

Hoje, a polícia militar, quando se depara com um ilícito penal, traz os fatos até a delegacia, conduz todos os envolvidos e coleta provas no local.

Chegando à delegacia, todo esse material é analisado pelo Delegado de Polícia, que observa as provas que foram colhidas e, após ouvir todos os envolvidos  decide de forma fundamentada acerca do fato que foi narrado pelos policiais e pelas testemunhas.

Ao final, decide se aquele sujeito que foi apresentado como criminoso é, de fato bandido; decide se a vítima é, de fato, vítima, ou se forjou o crime; decide se os policiais estavam falando a verdade ou mentindo; decide se as provas foram reais ou se foram “plantadas”; decide, enfim, se houve ou não houve crime.

Ou seja, dentre as funções do Delegado de Polícia está também a função de freio e contrapeso da persecução criminal. O delegado de polícia possui comprometimento unicamente com a legalidade dos fatos e com a garantia da cidadania  dos envolvidos. Por isso é que o delegado de polícia indicia traficantes, ladrões, corruptos e indicia inclusive policiais que cometeram crimes. A imprensa está cheia de exemplos de policiais que foram indiciados por delegados por crimes de tortura, corrupção, formação de quadrilha, dentre outros.

Preocupado com a legalidade dos atos da polícia é que sabiamente o legislador concedeu ao delegado uma maior garantia quanto às remoções infundadas. Isto porque, para que o delegado de polícia possa ser um garantidor da cidadania ele necessita estar acima de ingerências políticas.

O legislador concedeu também ao delegado de polícia a titularidade na condução da investigação criminal. Significa que os fatos que são trazidos ao delegado de polícia devem, sempre que preciso, serem melhor apurados. Para isso, importantíssima a atuação dos investigadores de polícia que, de forma isenta, vão ao local, identificam novas testemunhas e outras provas, trazendo ao delegado mais elementos de convicção para decidir.

Vindo o ciclo completo, não haveria mais delegado de polícia. O policial investigaria, prenderia, decidiria se as provas foram lícitas, decidiria se ele próprio mentiu ou não, decidiria ele próprio se ele coagiu testemunhas e mandaria o sujeito que ele mesmo prendeu para a prisão.

Agindo dessa forma, de fato, seria muito mais fácil prender pessoas. Aliás, já tivemos na história vários exemplo de como é fácil prender pessoas. É só querer que se consegue prender um. Foi assim em 1964 e na Alemanha nazista, onde prender pessoas era a coisa mais fácil e rápida do mundo.

Resta a pergunta: é o que queremos?

Flávio Tau, delegado da Polícia Civil (titular da Delegacia do Alto do Pascoal) e diretor de Prerrogativas da Associação dos Delegados da Policía Civil de Pernambuco (Adeppe)