Quando o dilema bate à porta

Por Flávio Tau, delegado da Polícia Civil de Pernambuco

Quem protege o cidadão?

A cena é comum: uma pessoa é trazida até a delegacia pela polícia militar ou mesmo por populares. Os que prenderam dizem que o criminoso é exatamente aquele e narram sua história. Quem é preso, no entanto, jura de pés juntos que nada fez e desafia o efetivo da polícia civil dizendo: “Vão até lá! Façam uma diligência que vocês verão que eu não tenho nada com isso.”

Quem tem razão? Quem trouxe o preso e diz que ele é o criminoso? Ou o preso que diz que não tem culpa alguma e pede para que a Polícia Civil vá até o local e investigue antes de o delegado mandar recolhê-lo ao Cotel.

De fato, o clamor do preso é compreensivo pois se a vida é o bem mais precioso de um ser humano, a liberdade trata-se do segundo bem mais precioso e não é justo que um cidadão seja encarcerado sem ao menos alguma investigação isenta. Havendo dúvidas, deve a polícia civil proceder uma investigação sumária, no local, para dirimir qualquer  dúvida, antes de ceifar-se a liberdade de alguém.

Infelizmente, na prática, a teoria é outra. Em virtude de uma política voltada para fazer o máximo com o mínimo de recursos, a Polícia Civil vem sendo sucateada, como alardeiam os jornais locais e as entidades de classe. Ou seja: a averiguação prévia da veracidade dos fatos apresentados foi considerada supérflua para o Estado e sujeita a cortes orçamentários.

Em outras palavras, o Estado não achou necessário que uma delegacia de polícia tivesse um efetivo que garantisse ao cidadão comum um mínimo de garantias antes de seu encarceramento. Ou seja, não se pode atender ao mero pedido para ir ao local verificar quem estaria mentindo porque simplesmente não há efetivo e condições mínimas para isso. 

Hoje, nas delegacias,  temos que confiar cegamente na palavra de quem traz a ocorrência policial. Temos que acreditar que o condutor da ocorrência e as testemunhas estão dizendo a verdade e o conduzido é de fato culpado. Como se pessoas não mentissem, como se não houvesse interesses escusos, como se o ser humano fosse absolutamente confiável. Como se não houvesse premiação com folgas pela prisão de pessoas.

É preciso entender que a Polícia Civil funciona como um sistema de freios e contrapesos garantista para o cidadão. E como garantia ao cidadão,  é preciso reinvestir na Polícia Civil e retirá-la  do caos em que ela se encontra. 

Afinal, é a Polícia Civil que, de forma isenta, precisa apurar os fatos trazidos até ela e, ao final, com base nas investigações realizadas, deve o  delegado de polícia mandar prender ou ordenar a soltura do conduzido, sempre pautado nas garantias e direitos fundamentais de um Estado Democrático de Direito.

Sim, porque é importante ter sempre em mente que a função da polícia civil não é prender nem soltar ninguém, mas meramente e simplesmente promover a justiça naquele primeiro momento.  E se prender um bandido é algo necessário, garantir que o injustamente acusado seja posto em liberdade é imprescindível.

A prisão de um ser humano meramente pelo depoimento dos responsáveis pela prisão, sem a possibilidade de esclarecer dúvidas pode diminuir os custos e tornar as prisões mais rápidas.  Aliás, já tivemos na história vários exemplo de como é fácil prender pessoas. Basta  querer. Foi assim em 1964 e na Alemanha nazista.

Resta a pergunta: é o que queremos?