Desembargador defende construção urgente de novas unidades prisionais

Por Gabriel Trigueiro e Wagner Oliveira

Desembargador da área crimininal da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e representante do Judiciário do estado nas reuniões do Pacto pela Vida, Mauro Alencar, conversou com o Diario/blog sobre a atual situação do sistema penitenciário brasileiro. Com experiência de 10 anos como desembargador em Pernambuco, Alencar ressaltou que a crise no sistema prisional é um problema generalizado.

Foto: Ascom/TJPE/Divulgacao
Mauro Alencar falou ainda sobre a falta de atividades laborativas nas unidades prisionais. Foto: Ascom/TJPE/Divulgacao

Na opinião dele, o Brasil precisa construir, com urgência, novas unidades prisionais para tentar resolver o problema da superlotação nos presídios e penitenciárias. O desembargador ressaltou ainda que a falta de atividades laborativas nas prisões contribui para o cenário atual.

Confira a entrevista abaixo:

Quais são, na opinião do senhor, as saídas para a crise no sistema prisional brasileiro?
A crise no sistema prisional brasileiro é generalizada, do Norte ao Sul do país, como pode ser observado durante os recentes episódios nas rebeliões, matanças e fugas em estabelecimentos prisionais de vários estados. Não há fórmula mágica para solucionar este grave e crônico problema. Queiramos ou não, a construção de presídios e penitenciárias é urgente e é uma das providências a serem adotadas pelo Poder Executivo na busca de minimizar a superlotação.

O que o senhor considera mais grave, hoje, dentro das unidades prisionais?
Dentre os vários problemas existentes, tenho que a superlotação das unidades prisionais e a pouca oportunidade de prática de atividade laborativa pelos presos são os maiores problemas. Oportunizar que o preso trabalhe enquanto cumpre sua pena é uma das etapas do processo de ressocialização. A pena é cumprida de forma progressiva (regime fechado, semiaberto e aberto). Com isso, todos os condenados, cedo ou tarde, voltarão livres para a sociedade.

Qual é a situação atual do sistema carcerário em Pernambuco?
O sistema carcerário do estado de Pernambuco conta atualmente com 10.967 vagas e existem 30.028 presos. Assim, é inquestionável que existe um déficit enorme de vagas. Não obstante o elevado número de réus presos recolhidos nos estabelecimentos prisionais do estado, um dado significativo que merece ser considerado é a rotatividade/movimentação destes presos: segundo informações obtidas junto à Secretaria Estadual de Ressocialização (Seres), durante o ano de 2016, um quantitativo de 17.711 pessoas ingressaram (flagrante, preventiva, condenação, regressão de regime) no sistema prisional e 17.979 saíram (liberdade provisória, absolvição, progressão para regime aberto, livramento condicional). Estes dados comprovam que o Poder Judiciário de Pernambuco vem cumprindo a sua missão, vez que toda entrada e saída de réus no sistema penitenciário antecede uma decisão judicial.

A Justiça é sempre acusada de ser lenta nas execuções penais. O senhor concorda com essa afirmação?
O Poder Judiciário de Pernambuco vem, nos últimos anos, buscando melhorar a estrutura das Varas de Execuções Penais, e atualmente conta com cinco Varas Regionais Especializadas (três no Recife; uma em Caruaru; e uma em Petrolina), além da Vara de Execução de Penas Alternativas. Cada uma destas varas conta com uma estrutura de pessoal diferenciada das demais varas criminais, tudo em face da peculiaridade das mesmas. Ultimamente, não registramos queixas em relação ao tempo para que os juízes apreciem os benefícios a que fazem jus os réus já condenados: remição de pena; saída temporária; trabalho externo; progressão de regime; livramento condicional; indulto; comutação. O Tribunal de Justiça de Pernambuco também estuda a possibilidade de criar uma Vara de Execuções Penais para acompanhar o sentenciado que cumpre sua pena no meio aberto (regime aberto e livramento condicional) visando desafogar as demais varas e criando mecanismos para um melhor acompanhamento destes condenados que se encontram na etapa final do cumprimento de suas penas. Quanto aos presos provisórios (ainda não condenados), durante o ano de 2016, os juízes julgaram mais processos do que os iniciados no ano, cumprindo assim a Meta 01 estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nacionalmente, o Poder Judiciário de Pernambuco foi elogiado pelo CNJ porque obtivemos o maior número de júris realizados em novembro, no mês nacional do Júri. Obtivemos um total 558 processos relativos a crimes dolosos contra a vida julgados em 133 unidades judiciárias estaduais. O número de condenações na iniciativa foi de 341. Do total de júris realizados, 47 envolviam casos de violência contra a mulher; 49 foram relativos a crimes praticados dentro ou próximos a bares e casas noturnas; além de três cometidos por policiais.

O Poder Judiciário de Pernambuco criou a Comissão de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. Como vai funcionar essa comissão?
Na realidade já existe o Grupo de Monitoramento Carcerário – GMF no âmbito do TJPE, criado por recomendação do Conselho Nacional de Justiça, integrado por mim, por juízes assessores e pelos juízes das Varas das Execuções Penais. O que foi decidido recentemente pelos desembargadores, presidente e corregedor do TJPE foi a formação de uma comissão para, em caráter emergencial, buscar a adoção de providências que vissem a melhoria da prestação jurisdicional na área criminal. Esta comissão já se reuniu por três oportunidades nos últimos dez dias e vem discutindo a matéria e adotando providências, dentre elas: um programa de agilização processual para julgamento das ações penais de réus presos. Uma providência que já vem sendo adotada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco é a Audiência de Custódia, onde o indivíduo preso em flagrante, no prazo de 24 horas, antes de ser encaminhado ao presídio, é apresentado ao juiz que, na presença do representante do Ministério Público e do defensor, decide pela conversão do flagrante em prisão preventiva ou pela concessão da liberdade provisória. Durante o ano de 2016 passaram pela Audiência de Custódia aproximadamente 7.500 indivíduos, dos quais 4.500 foram encaminhados aos presídios (responderão o processo preso) e 3.000 foram beneficiados com a liberdade provisória (responderão o processo em liberdade).

Qual é o perfil dos presos que terão prioridade na agilização dos processos por parte do Poder Judiciário de Pernambuco?
Dentre as providências emergenciais, adotadas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, temos o programa de agilização processual para julgamento das ações penais de réus presos. Assim, serão utilizadas as estruturas já existentes das Centrais de Agilização Processual, onde um grupo de juízes que ali atuam, irá receber das diversas varas criminais os processos que já estejam na fase de prolatação da sentença. Ou seja, serão aproximadamente vinte juízes, que se juntarão aos demais juízes criminais, para julgar os processos que estejam conclusos para sentença.

Haverá também mutirão voltado para presas da Colônia Feminina?
O trabalho abrangerá indistintamente os processos dos réus homens e mulheres. O que será observado é a condição de encontrar-se preso preventivamente e a instrução processual já concluída. Deve ser registrado que o trabalho não terá como objetivo a liberação do preso, e sim o julgamento do processo. Caso o réu seja absolvido, e não responda preso a outro processo, será posto em liberdade. Já em caso de condenação, o réu dará início à execução da pena que lhe for imposta, computando-se o tempo que ficou recolhido provisoriamente durante a instrução processual.

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, reuniu os presidentes dos tribunais de Justiça de todo o país para tratar da crise carcerária. Quais foram as solicitações e recomendações?
A ministra presidente do Supremo Tribunal Federal reuniu-se com os presidentes dos Tribunais de Justiça e ouviu de todos um relato da situação de cada estado e, ao final, pediu aos desembargadores esforço concentrado nas varas criminais e de execução penal durante os próximos 90 dias com a designação de juízes auxiliares e servidores para realizar a tarefa. A presidente do STF anunciou a realização do censo penitenciário e do cadastro de presos do país, que será mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o maior problema do sistema prisional é a corrupção. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Como afirmei anteriormente, acredito que o maior problema do sistema prisional é a falta de vagas, sendo certo de que existem vários outros problemas a serem enfrentados. A corrupção é um destes problemas, o que pode ser constatado todas as vezes que se faz revista nos presídios e ali são encontradas armas e celulares.

Como o senhor avalia o Plano Nacional de Segurança anunciado pelo governo federal?
De acordo com o Ministério da Justiça, os três principais objetivos do Plano Nacional de Segurança Pública são a redução de homicídios dolosos; o combate integrado à criminalidade organizada internacional e crime organizado dentro e fora dos presídios; e a racionalização e modernização do sistema. Várias ações para atender tais objetivos foram anunciadas pelo Ministro da Justiça, todas com bons propósitos, restando-nos aguardar para que possamos avaliar o êxito das medidas.

Qual é a opinião do senhor sobre a utilização das Forças Armadas nos presídios?
Até onde tomei conhecimento, as Forças Armadas não iriam fazer o trabalho de vigilância e guarda que hoje é realizado por agentes penitenciários e policiais militares nas unidades prisionais, até porque não possuem tal competência constitucional. A proposta seria de fazer uma varredura pontual em busca de armas nos presídios. Este tipo de trabalho também já é feito rotineiramente pela polícia militar. Assim, salvo a hipótese de serem utilizados equipamentos que a Polícia Militar não possua, não vejo, no primeiro momento, em que poderiam ser utéis.

Morre o desembargador Roberto Ferreira Lins

Morreu no início da tarde desta quarta-feira o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e atual corregedor-geral de Justiça Roberto Ferreira Lins. O desembargador estava hospitalizado em um hospital no estado de São Paulo e o corpo será trazido para o Recife. O TJPE divulgou nota informando que o velório será realizado no Palácio da Justiça, no Recife, e a cremação no Cemitério Morada da Paz, na cidade do Paulista. Em virtude do traslado, dias e horários serão informados posteriormente.

Foto: Ricardo Fernandes/DP
Desembargador estava internado num hospital em São Paulo. Foto: Ricardo Fernandes/DP

“Tratava-se de um magistrado competente e vocacionado, que deixa um exemplo de boa magistratura. Era o corregedor-geral que vinha desempenhando as suas atividades com grande proficiência. É com muito pesar que expresso meus sentimentos à família e amigos neste momento de luto pela irreparável perda”, declarou o presidente do TJPE, desembargador Leopoldo Raposo, que decretou luto oficial de três dias.

Roberto Ferreira Lins nasceu no Recife em 1951. Formou-se em direto pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) em 1975. Antes de ingressar na magistratura, militou na advocacia e foi aprovado em concursos públicos, tais como o de procurador do Município do Recife e do Banco Central.

Em 22 de outubro de 1982, foi nomeado juiz de direito substituto de 1ª Entrância, sendo inicialmente designado para a Comarca de Flores. Posteriormente, exerceu a magistratura nas comarcas de Rio Formoso, Barreiros e Olinda. Em 3 de outubro de 1989 foi promovidp a juiz de direito substituto de 3ª Entrância. Em maio de 1991, tornou-se titular na 2ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, onde atuou por mais de dez anos.

Em 1997, foi indicado para assumir as funções de juiz corregedor auxiliar para o Extrajudicial, tendo implantado e estruturado a Corregedoria Auxiliar, até então inexistente. Durante os anos de 2000 e 2001, atuou como juiz corregedor auxiliar da Capital (3ª Entrância).

Por dois biênios, integrou o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), na classe de Juízes de Direito, sendo inclusive corregedor Regional Eleitoral no biênio 1996/1997. Desempenhou cumulativamente as funções de juiz de Direito do Distrito Estadual de Fernando de Noronha e da 2ª Vara do Júri da Capital. Foi promovido a desembargador, em outubro de 2004, pelo critério de merecimento, à unanimidade de votos. Foi presidente da 1ª Câmara Criminal. Exerceu o cargo de presidente do TRE-PE durante o biênio 2009/2010. Foi eleito corregedor geral da Justiça no dia 13 de novembro de 2015 para o biênio 2016/2017.

Em março de 2015, os desembargadores Roberto Ferreira Lins, Fausto Campos e Antônio Carlos Alves negaram a apelação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que pedia a anulação do resultado do júri popular que absolveu, no ano de 2010, os irmãos kombeiros Marcelo José de Lira e Valfrido Lira da acusação da morte das adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão, ocorridas em maio de 2003.

Com informações da assessoria de imprensa do TJPE

Internação compulsória para usuários de crack criticada por desembargador

O coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), desembargador Antonio Malheiros, criticou os que defendem a internação compulsória para tratamento de viciados em drogas, especialmente o crack. Para o desembargador, iniciativas como a dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro não surtem efeitos e servem como medidas “higienistas”: apenas tiram das ruas as pessoas sem apresentar uma solução efetiva. “Não é para esconder o problema como o estado de São Paulo fez”, criticou.

O magistrado, que coordena o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), um centro de atendimento a crianças e adolescentes usuários de drogas na região conhecida como Cracolândia, defendeu o tratamento em meio aberto como medida mais eficaz. “O tratamento em meio aberto é muito melhor e a recuperação se mostra muito mais plausível. Nós temos que aumentar o número de vagas, o número de CAPs (centros de Apoio Psicossocial) para tratamento ambulatorial em meio aberto.”

Usuários de cracl estão por todas as cidades do Brasil. Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press
Usuários de cracl estão por todas as cidades do Brasil. Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press

O trabalho é considerado pioneiro por levar ações de Justiça diretamente aos usuários de drogas com o apoio de uma equipe especializada formada por psiquiatra, psicólogos e assistentes sociais. “É o Judiciário que sai dos seus gabinetes e vai para as ruas encontrar as pessoas em drogadição. Há todo um convencimento para que elas busquem um tratamento de forma voluntária,” disse Malheiros.

Segundo o desembargador, só na região da Cracolândia, área central da cidade, estima-se que até 400 crianças estejam envolvidas com drogas, principalmente crack. Ele disse que foi conhecer de perto os casos encaminhados ao Judiciário. “Fui conhecer a situação para saber o que é este maldito crack e o quanto ele é devastador. Eu vivi intensamente, às vezes pela manhã, à tarde, à noite e, muitas vezes, de madrugada, para saber quem é o usuário da droga. Ela ultrapassa qualquer fronteira e submete a pessoa a uma tragédia.”

Para Malheiros, a internação compulsória (por determinação do juiz e contra a vontade do paciente) acaba gerando um ciclo perpétuo de internação e recaída e só deve ser usada como último recurso. “Só com evidência de risco em relação à vida do dependente ou de outra pessoa”, ressaltou.

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