PMs foram condenados, mas seguem em liberdade

Por Larissa Rodrigues do Diario de Pernambuco

Três dos oito policiais militares acusados de obrigar 17 adolescentes a entrarem no Capibaribe, no carnaval de 2006, causando a morte de dois por afogamento, foram condenados ontem a 96 anos de reclusão. As condenações foram pelo homicídio triplamente qualificado de Diogo Rosendo, e nove tentativas de homicídios. Os meninos teriam sido confundidos com um grupo que praticava arrastões.

Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press
Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

A Justiça determinou que Aldenes Carneiro da Silva, José Marcondi Evangelista e Ulisses Francisco da Silva cumpram a pena em regime inicialmente fechado na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá. Mas não há previsão de quando eles serão presos porque o advogado dos três, José Siqueira, entrou com recurso após o juiz Ernesto Bezerra Cavalcanti terminar de ler a sentença.

Caso foi publicado com exclusividade pelo Diario em março de 2006
Caso foi publicado com exclusividade pelo Diario em março de 2006

Como todos estão em liberdade, permanecerão soltos até que a apelação seja julgada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. O quarto policial julgado ontem foi absolvido. A Justiça entendeu que Irandi Antônio da Silva não participou dos espancamentos nem deu ordem para entrarem na água, pois estava na viatura. De acordo com o promotor André Rabelo, o PM estava a 300 m de onde tudo ocorreu.

Meninos foram agredidos com cacetetes pelos PMs. Foto: Júlio Jacobina/DP/D.A Press
Meninos foram agredidos com cassetetes. Foto: Júlio Jacobina/DP/D.A Press

Para o advogado dos PMs, a justiça foi feita parcialmente. “Justiça seria se todos tivessem sido igualmente absolvidos. Nossa luta será pela anulação do júri porque todos cumpriam ordens”, afirmou José Siqueira.

Já o promotor ressaltou que a sentença foi de acordo com as provas. Ele não acredita que o tribunal anulará a decisão. “Não houve dúvida nem discórdia entre os jurados. Ele acataram na totalidade as argumentações do MPPE. É apenas uma questão de tempo para confirmar a decisão”, disse Rabelo.

Sebastião Félix vai ser julgado no dia 14 de julho. Foto: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Félix vai ser julgado no dia 14 de julho. Foto: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

O próximo passo é o julgamento, em 14 de julho, do tenente Sebastião Antônio Félix. O promotor será o mesmo, mas o conselho de sentença vai mudar. André Rabelo também comentou o próximo júri. “A prova é a mesma. Se hoje reconheceram que os três condenados participaram, o que será julgado em julho também estava presente. Era quem comandava a operação”, destacou. Outros três militares ainda serão julgados pela morte de Zinael José de Souza, 17, e pelas tentativas de homicídios contra outros dois adolescentes. Ainda não data prevista para esse júri.

Saiba mais:

96 anos foi a pena definicida para cada um dos três condenados
30 anos é o tempo máximo que se pode ficar na cadeia, segundo a Constituição
16 anos após o início de cumprimento da pena, os presos podem progredir para o regime semiaberto, em que é permitido trabaljhar ou estudar durante o dia e dormir na cadeia

O que acontece agora, após a defesa ter recorrido da sentença:

O recurso de apelação é apresentado ao Tribunal de Justiça
O Tribunal vai conhecer as razões da defesa
O Tribunal vai decidir se anula o julgamento e convoca novo Juri, se mantém a sentença como está ou se reduz o quantitativo de pena
Esse processo pode demorar anos, é impresivível
Não há previsão de quando a pena começará a ser cumprida

A situação de cada acusado:

Condenados por um homicídio e sete tentativas
Aldenes Carneiro da Silva
Ex-sargento, expulso da PM

José Marcondi Evangelista
Soldado, expulso da PM

Ulisses Francisco da Silva
Soldado, expulso da PM

Absolvido
Irandi Antônio da Silva
Soldado, continua na PM, absolvido porque estava dentro da viatura na hora do crime

Julgamento adiado
Sebastião Antônio Félix
Tenente, continua na PM. Comandava a operação

Ainda serão julgados

Edvaldo Coelho Pereira Magalhães
Soldado, continua na PM

Thiago Jackson Araújo
Tenente, continua na PM. Era aspirante na época do crime

Weldes Felipe de Barros Silva
Tenente, continua na PM. Era aspirante na época

O que as mães dos jovens mortos por afogamento acharam da sentença:

“Para início foi bom. Não traz de volta a vida, mas pelo menos estamos vendo que a justiça está sendo feita. No caso do tenente espero que ele também tenha punição”, Zineide Maria de Souza, mãe de Zinael José Souza da Silva, que morreu com 17 anos.

“Acho que a justiça foi feita, graças a Deus. Me aliviou mais. Estava muito aperreada. Espero que os outros também sejam condenados”, Maria do Carmo Simplício de Araújo, mãe de Diogo Rosendo Ferreira, que tinha 15 anos quando morreu.

Julgamento de PMs entra no 2º dia

Quatro dos oitos PMs acusados de obrigar 17 adolescentes a pular no Rio Capibaribe, no carnaval de 2006, provocando a morte de dois por afogamento, começaram a ser julgados ontem. Hoje acontecem os debates entre a defesa e a acusação. A sentença poderá sair no fim da noite. Oito vítimas foram ouvidas. Uma delas foi presa após o depoimento.

Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press
Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

O advogado dos PMs, José Siqueira, informou que havia quatro mandados contra Tiago Severino da Silva, 25, por crimes de 2008, 2010 e 2011. No entanto, só um dos mandados, por agressão, provocou sua prisão, porque os outros prescreveram.

A princípio, cinco policiais seriam julgados pela morte de Diogo Rosendo Ferreira, 15, e pelas tentativas de homicídios contra sete adolescentes. O tenente Sebastião Antônio Félix teve a data de julgamento remarcada para 14 de julho, a pedido do seu novo advogado, após a renúncia dos defensores anteriores.

Sebastião Félix vai ser julgado no dia 14 de julho. Foto: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Sebastião Félix vai ser julgado no dia 14 de julho. Foto: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

Sentaram no banco dos réus Aldenes Carneiro da Silva, José Marcondi Evangelista, Ulisses Francisco da Silva e Irandi Antônio da Silva. Os outros três militares, denunciados pela morte do adolescente Zinael José de Souza, 17, e pelas tentativas de assassinato contra as demais vítimas ainda não têm data para serem julgados.

Antônio chorou várias vezes. Ele disse que foi torturado pela Corregedoria para assumir culpa. Os réus atribuiram responsabilidade exclusiva ao tenente pelas agressões e a ordem de pular no rio.

Os quatro argumentaram que os adolescentes não disseram que não sabiam nadar. “O tenente assumiu sua responsabilidade. Está no depoimento: ‘sou o único responsável pelo acontecido’”, citou advogado.  “Aqueles meninos estavam realizando arrastões e foram deixados em Joana Bezerra para irem para suas casas”, alegou o tenente.

Famílias acompanham com esperança

Parentes de Diogo e Zinael acompanharam o primeiro dia de julgamento. Vestidos com camisas com as fotos das vítimas, os pais de Zinael e a mãe de Diogo estavam confiantes na condenação dos acusados.

Zinael Souza tinha 17 anos. Foto: Arquivo Pessoal
Zinael Souza tinha 17 anos. Foto: Arquivo Pessoal

O pai de Zinael, sargento reformado da PM Israel Ferreira da Silva, disse que a conduta dos PMs foi errada. “Se os meninos estivessem fazendo algo errado, o certo seria levá-los para a delegacia.” As donas de casa Zineide Maria de Souza, 47, e Maria do Carmo Simplício, 63, mães de Zinael e Diogo, respectivamente, esperam que os réus sejam condenados. “Meu filho tinha uma vida pela frente e isso foi tirado dele”, desabafou Zineide. “Sinto muitas saudades do meu caçula e espero que a justiça seja feita”, comentou Maria do Carmo.

Diogo Rosendo, amigo de Zinael, tinha 15 anos. Foto: Arquivo Pessoal
Diogo Rosendo, amigo de Zinael, tinha 15 anos. Foto: Arquivo Pessoal

Nos depoimentos, as vítimas disseram que foram abordadas por duas viaturas após serem confundidas com praticantes de arrastões. Relataram ter sofrido agressões e que foram obrigadas a entrar no rio, perto da Ponte Joaquim Cardoso.

Contaram que ouviram, via rádio da polícia, que os PMs teriam pego os suspeitos errados. As vítimas afirmaram ainda que foram levados a um posto policial onde já havia muitos jovens detidos. “Os corpos dos dois que morreram e as vítimas sobreviventes provam as agressões. Além disso, existem depoimentos de testemunhas”, ressaltou o promotor André Rabêlo. Segundo ele, os policiais praticaram duas ações semelhantes entre a noite do dia 28 de fevereiro e a madrugada de 1º de março de 2006.

PMs acusados de mandar garotos pularem no rio serão julgados

Nove anos após as mortes de dois adolescentes que morreram afogados após serem obrigados a entrar no Rio Capibaribe, cinco dos oito policiais militares acusados pelo crime irão a júri popular. O julgamento dos réus Sebastião Antônio Félix (tenente), Aldenes Carneiro da Silva (sargento), José Marcondi Evangelista (soldado), Ulisses Francisco da Silva (soldado) e Irandi Antônio da Silva (soldado) está marcado para quarta-feira, às 9h, na Primeira Vara do Tribunal do Júri, no Fórum Rodolfo Aureliano.

Meninos foram agredidos com cacetetes pelos PMs. Foto: Júlio Jacobina/DP/D.A Press
Meninos foram agredidos com cassetetes pelos Policiais Militares. Foto: Júlio Jacobina/DP/D.A Press

Os corpos dos adolescentes Zinael José Souza da Silva, 17, e Diogo Rosendo Ferreira, 15, foram encontrados no dia 1º de março de 2006, boiando no rio, no bairro da Torre. O caso publicado com exclusividade pelo Diario na época resultou no afastamento de 13 policiais militares para investigação.

Um grupo de 17 adolescentes foi abordado por duas viaturas, sendo uma do Batalhão de Radiopatrulha e outra da Emergência Policial 190 do 16º BPM, nas imediações do Cais de Santa Rita quando seguiam para o Marco Zero, onde iriam brincar carnaval. Ouvidos pela reportagem na época do crime, os adolescentes contaram que foram colocados dentro das viaturas, circularam por várias ruas da cidade e depois foram levados para as imediações do Fórum do Recife, em Joana Bezerra. Lá, os adolescentes disseram que sofreram espancamentos de cassetetes, foram agredidos com tapas e depois obrigados a entrar na maré.

Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press
Agressões aconteceram nas imediações da Ponte Joaquim Cardoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

Como não sabiam nadar, Diogo e Zinael morreram afogados. Os outros garotos conseguiram sobreviver. Familiares das vítimas afirmaram que os meninos foram confundidos com um grupo que estava realizando furtos no Bairro do Recife. “Nossos filhos não eram ladrões. Só porque estavam com os cabelos pintados de loiro os policiais pensaram que eles estavam roubando”, afirmou a mãe de dois jovens que foram agredidos.

Zinael Souza tinha 17 anos. Foto: Arquivo Pessoal
Zinael Souza tinha 17 anos. Foto: Arquivo Pessoal

Em depoimentos à polícia e à Corregedoria Geral, os militares contaram que pegaram os garotos e depois os abandonaram, mas negam que tenham particado agressões. No entanto, segundo o delegado responsável pelas investigações não restam dúvidas das participações de cinco deles no crime.

“Com menos de 30 dias já tínhamos a identificação de todas as vítimas, sendo duas fatais, e ainda das viaturas que participaram das duas ações bem como os nomes dos envolvidos. Cinco deles foram indiciados, que são esses que estão indo a júri, os outros três foram denunciados pelo Ministério Público e serão julgados depois”, ressaltou o delegado Paulo Jeann Barros.

Diogo Rosendo, amigo de Zinael, tinha 15 anos. Foto: Arquivo Pessoal
Diogo Rosendo, amigo de Zinael, tinha 15 anos. Foto: Arquivo Pessoal

Depoimentos das vítimas e testemunhas, mapeamento das viaturas através do sistema GPS, recibo de devolução de dois cassetetes quebrados e o reconhecimento fotográfico dos suspeitos realizados pelas vítimas e testemunhas foram alguns dos indícios e provas materiais apresentados pela polícia.

Caso foi publicado com exclusividade pelo Diario em março de 2006
Caso foi publicado com exclusividade pelo Diario em março de 2006

Os familiares das vítimas estão confiantes na condenação dos réus. “Na quarta-feira (amanhã) estaremos todos no fórum. Tomara que agora a justiça seja feita, pois já se passaram muitos anos e os culpados não foram punidos”, desabafou a irmã de Diogo, a dona de casa Patrícia Rosendo Ferreira. Todos os acusdos estão respondendo aos crimes em liberdade. Com exceção do tenente Sebastião Félix, todos foram expulsos da PM. O caso do oficial está sendo analisado pelo Conselho de Justificação do Tribunal de Justiça da Pernambuco.

A polícia que brinca de “esconder” pessoas

Enquanto cidadãos e organizações de defesa dos direitos humanos cobram das autoridades do Rio de Janeiro o esclarecimento sobre o que ocorreu com o pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido há 23 dias, a dona de casa goiana Maria das Graças Soares luta quase que sozinha, há oito anos, para saber o paradeiro de seu filho Murilo Soares. O garoto é umas das 39 pessoas que, segundo organizações sociais de defesa dos direitos humanos, desapareceram após serem abordadas por policiais militares na Região Metropolitana de Goiânia nos últimos anos.

“Eu também queria saber onde está o meu filho. Eu queria que os governantes, as autoridades, também me ajudassem”, disse Maria das Graças à Agência Brasil. “São 39 famílias de desaparecidos após abordagem policial que até hoje não tiveram respostas”, comentou a dona de casa, referindo-se aos números parcialmente revelados no ano passado, em um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás.

Morador da Rocinha, Amarildo desapareceu no dia 14 de julho deste ano, após ser levado por policiais militares para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, no bairro de São Conrado, na Zona Sul do Rio. O caso gerou protestos de moradores da Rocinha aos quais, depois, se somaram os de segmentos da sociedade fluminense. Após chegar às redes sociais, a pergunta “Onde está Amarildo?” atraiu a atenção da imprensa brasileira e internacional. Já o caso de Murilo e das outras 38 supostas vítimas da abordagem policial goiana atraem cada vez menos a atenção da opinião pública.

Murilo tinha 12 anos quando, em 22 de abril de 2005, policiais do grupo Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) pararam o carro dirigido pelo servente Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, de 21 anos. A pedido do próprio pai (que, na época, já estava separado de Graça), Murilo voltava para casa de carona com Paulo. Várias pessoas presenciaram o momento em que os policiais revistavam o motorista enquanto o garoto permanecia de pé, ao lado do veículo. Foi a última vez que Murilo e Paulo foram vistos. O carro foi encontrado no dia seguinte, carbonizado e sem a aparelhagem de som e as rodas. Os corpos dos dois ocupantes, no entanto, jamais foram localizados. Paulo tinha antecedentes criminais.

Oito policiais acusados de latrocínio (roubo seguido de morte) e ocultação de cadáver foram absolvidos pela Justiça de Goiás por falta de provas materiais. O Ministério Público recorreu da sentença e o resultado do julgamento foi anulado pela Justiça Estadual, que decidiu levar os policiais ao Tribunal de Júri por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáveres. Por falta de indícios, a nova decisão também foi anulada e o novo julgamento não aconteceu.

Esses dois casos me fizeram lembrar uma matéria escrita por mim no carnaval de 2006 e publicada com exclusividade pelo Diario de Pernambuco onde um grupo de 14 adolescentes do bairro de Afogados que seguia para brincar carnaval no Recife Antigo foi parado por viaturas da Polícia Militar. Depois de terem sido obrigados a entrar nas viaturas e sofrerem várias agressões, parte do grupo foi obrigada pelos PMs a pular no Rio Capibaribe, nas imediações do Fórum Joana Bezerra. Dois deles, Diogo Rosendo e Zinael José de Souza, acabaram morrendo afogados tentando atravessar o rio.

Os corpos dos adolescentes que estavam como desaparecidos foram encontrados dias depois boiando no rio nas proximidades do bairro da Torre. Os PMs acusados do crime foram exonerados da corporação e condenados pelas duas mortes. As famílias lutam agora para receber uma indenização.

Com Agência Brasil

Leia mais sobre o assunto em:

Audiência do Caso Ponte Joaquim Cardoso adiada mais uma vez