A polícia que queremos
A notícia veio como uma bomba: investigação da morte de promotor expõe crise entre polícia e Ministério Público de Pernambuco (MPPE). E, de fato, expôs uma crise que se teimava em esconder-se embaixo de mentiras e mais mentiras. Ora! Falando em um português bastante direto, uma investigação bem feita trabalha com fatos extremamente sensíveis e que, se manuseados de forma inadequada, podem colocar todo o trabalho investigativo em xeque.
Para exemplificar, imaginemos uma sala de operações onde há um anestesista, um cirurgião e um instrumentador. Se todos resolverem operar o paciente, ao invés de anestesiar e de instrumentar, fatalmente o paciente morrerá. Nosso sistema de persecução criminal é um dos melhores ou talvez o melhor que existe no mundo. Explico: pelo nosso sistema, a Polícia Militar realiza o trabalho ostensivo. A Polícia Militar é a polícia que está o tempo todo patrulhando e tentando fazer com que o crime não ocorra.
Por ser uma polícia de repressão, é utilizada também para contenção de manifestações e rebeliões. É o braço armado forte do Estado. Seus membros são selecionados por concurso público, no intuito de encontrar os candidatos mais aptos a esta tarefa repressiva. Por isso, há exames intelectuais, de perfil psicológico e até exames físicos além, lógico, do curso na academia totalmente voltado para o patrulhamento ostensivo e operacional.
A Polícia Civil, por sua vez, é a polícia investigativa. Sua função é investigar o crime, a partir de uma notícia qualquer. É uma polícia que trabalha eminentemente com provas e evidências e, exatamente por isso, tem por função colher todo e qualquer elemento probatório, quer seja ele físico ou depoimentos colhidos em cartório para que, ao final, tenha-se uma conclusão lógica acerca da autoria de algum fato criminoso.
Por ser uma polícia eminentemente investigativa, seu compromisso é tão somente com as provas colhidas. Daí porque, havendo provas da autoria do crime, o Delegado de Polícia indicia o responsável e encaminha tudo ao Ministério Público para que o MP possa oferecer a denúncia a partir das provas colhidas pela polícia civil. As provas podem incriminar cidadãos, banqueiros, usineiros, policiais civis ou policiais militares, dentre outros. Ou seja: havendo provas, alguém será indiciado.
Ao Ministério Público cabe, além da função de denunciar ou não a pessoa que foi indiciada pelo Delegado de Polícia, promover o controle externo da atividade policial, observando se as investigações realizadas pela polícia civil estão isentas ou não.
Observe-se que o sistema é altamente equilibrado, onde a Polícia Militar labora de forma ostensiva para evitar que o crime ocorra, sendo que aqueles crimes que ocorrerem, independentemente da ação da Polícia Militar, serão apurados pela polícia civil. Tudo isso é fiscalizado pelo MP.
Quando ocorre um crime e todos querem investigar, o que ocorre, na prática, é que provas são perdidas em infinitos manuseios; testemunhas se calam após serem interrogadas por pessoas sem preparo; perícias tornam-se improdutivas pelas violações sucessivas do local do crime e, por fim, muitas vezes, no afã de solucionar logo o caso, na frente de todos os outros, colhem-se provas insuficientes, o que termina por fragilizar o conjunto probatório.
Agora, essa briga para investigar é o que causa maiores prejuízos para as investigações. Ao invés de o MP brigar para investigar, deveria cobrar do Estado um aparelhamento maior da Polícia Civil, inclusive um efetivo mínimo e autonomia financeira. Se o MP entende que a Polícia Civil não tem isenção para investigar, deveria fomentar exatamente tal isenção. Ocorre que estranhamente, toda vez que há qualquer mudança na legislação para dar maiores garantias ao Delegado de Polícia, o MP é contra.
Quantos casos de homicídios não são investigados a contento pela falta de recursos humanos e materiais? Quantos homicidas estão impunes pela falta de autonomia da Polícia Civil que, ainda hoje, sofre pela falta de aparelhamento. Algo tem que ser feito urgente. Afinal, toda vida é importante e todo homicídio deveria ser investigado com o mesmo empenho, independentemente se a vítima é um promotor, um delegado ou um desempregado.
Flávio Tau, delegado da Polícia Civil (titular da Delegacia do Alto do Pascoal) e diretor de Prerrogativas da Associação dos Delegados da Policía Civil de Pernambuco (Adeppe)