O interior de Pernambuco registrou mais da metade dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) de Pernambuco no mês de março. A Secretaria de Defesa Social (SDS) contabilizou um total de 548 assassinatos no estado do dia 1º ao final do mês de março. Desse total, 295 aconteceram no interior do estado, onde estão inclusos os municípios das zonas da Mata Norte e Sul, do Agreste e do Sertão. Na Região Metropolitana ocorreram 157 homicídios. Já o Recife contabilizou 96 assassinatos.
Os números foram revelados pelo governo do estado neste domingo e deixam a população apreensiva. Somente nos três primeiros meses deste ano, Pernambuco já traz a soma de 1.522 crimes de homicídios em sua conta. No mês de janeiro, o estado somou 478 assassinatos. Em fevereiro, o total foi de 496 mortes. Os números têm tirado o sono da cúpula de segurança do estado e mostram que o reforço do policiamento precisa ser feito não somente no Grande Recife. O interior não está no alvo apenas das quadrilhas especializadas em explosões a agências bancárias e caixas eletrônicos.
Entre os municípios do interior com o maior número de crimes está Caruaru, no Agreste. De acordo com a SDS, somente no mês de março, 28 pessoas foram assassinadas na cidade. Nos três primeiros meses, foram 70 homicídios. Em Petrolina, no Sertão, foram 40 assassinatos somando os meses de janeiro, fevereiro e março. Em Vitória de Santo Antão, na Mata Sul, 39 mortes foram notificadas no primeiro trimestre de 2017. Já na RMR, o Recife lidera a lista com 240 homicídios entre janeiro e março. O município de Jaboatão dos Guararapes ocupa a segunda colocação com 113 crimes de morte.
Para tentar reverter a situação calamitosa de Pernambuco, o governo do estado fez mudanças nos comandos das polícias Civil e Militar recentemente, convocou policiais civis aposentados a voltarem ao trabalho para que os da ativa possam trabalhar nas investigações de homicídios e, além disso, determinou que as delegacias dos distritos passassem também a investigar assassinatos, o que estava concentrado apenas no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Na última quinta-feira, o governador Paulo Câmara anunciou também investimentos para o setor de segurança do estado. Prometeu concursos e compras de viaturas e equipamentos de proteção individual para os policiais. O que todos nós esperamos é que essa violência seja controlada e que todos possamos sair às ruas sem o medo que tem nos acompanhado diariamente.
Pernambuco segue com altos índices de violência. Somente no mês de janeiro deste ano, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), foram registrados 479 homicídios no estado. Ainda de acordo com a SDS, o Recife foi a cidade com mais mortes, 70 no total, seguida por Jaboatão dos Guararapes (30 assassinatos) e Paulista (23 homicídios). Já no interior do estado, o município de Caruaru teve o maior número de ocorrências com 21 vítimas de CVLI.
A cidade de Vitória de Santo Antão registrou 15 mortes e Santa Cruz do Capibaribe 11. Outro dado alarmente foi divulgado. Em todo estado foram contabilizadas 2.743 ocorrências de violência tendo como vítima pessoas do sexo feminino e 148 estupros, ou seja, quase uma média de cinco mulheres estupradas por dia no estado.
Também em janeiro, ocorreram 10.691 Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVP), que incluem os crimes de roubo, extorsão mediante sequestro e roubo com restrição da liberdade da vítima. Na Região Metropolitana, Recife registrou 3.796 ocorrências. Em Olinda foram 876 registros de CVP e outras 780 ocorrências em Jaboatão. No interior, o município de Caruaru teve 450 crimes contra o patrimônio seguido por 254 em Carpina e 251 em Santa Cruz do Capibaribe.
O alto índice de violência em Pernambuco tem causado ainda outra dor em parentes e amigos de pessoas assassinadas ou mortas em acidentes. A espera pela liberação dos corpos por parte do Instituto de Medicina Legal (IML) deixa as famílias revoltadas. Na tarde desta segunda-feira, o blog registrou uma grande quantidade de pessoas à espera de notícias sobre a liberação dos corpos para sepultamento. “Estou esperando desde a noite do domingo e até agora não deram nenhuma previsão para a liberação. Isso é um absurdo”, declarou uma dona de casa que esperava o corpo do irmão.
Fontes do blog informaram que no início da manhã desta segunda-feira, 31 corpos estavam aguardando perícias para serem liberados. “Todas as segundas-feiras fica uma multidão aqui na frente. As pessoas sofrem duas vezes quando ficam esperando os corpos para enterrar”, disse um comerciante que trabalha perto do IML. Procurada, a Secretaria de Defesa Social (SDS) enviou nota afirmando que a direção do IML informou que não havia atraso na liberação de corpos.
A nota dizia ainda que por volta das 17h30 havia “apenas” quatro corpos sendo periciados para serem liberados ainda nesta segunda-feira. No entanto, o blog ouviu um funcionário do IML informar a algumas pessoas que os corpos dos seus familiares só seriam liberados nesta terça-feira.
Sete pessoas foram presas suspeitas de integrar uma quadrilha de assaltantes que está aterrorizando a Zona Norte. Segundo a Polícia Militar, o grupo foi capturado quando estava jogando futebol no Parque Santana. Entre os detidos, está um dos suspeitos de assaltar o arquiteto Marcos Mendonça. Ainda de acordo com a PM, os sete foram reconhecidos por testemunhas como responsáveis por assaltos nos bairros de Monteiro, Poço da Panela e Casa forte. Quatro vítimas também reconheceram o grupo. “Foi uma ação rápida e planejada, na qual capturamos todos sem que desse tempo de fuga ou reação. Estamos em diligências com possibilidade de localização das armas de fogo utilizadas por eles”, disse o comandante do 11º BPM, tenente-coronel Hercílio Mamede. Na manhã desta sexta-feira, a PM informou que apenas quatro dos sete detidos tinham ligação com os crimes na Zona Norte.
Depois da onda de violência e até da divulgação de um suposto toque de recolher que assustou moradores e comerciantes em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, a população da Zona Norte também reclama do aumento de investidas criminosas na localidade. Quem reside ou trabalha nos bairros de Casa Forte e Poço da Panela tem sido obrigado a modificar a rotina para escapar dos criminosos. Na noite da última quarta-feira, o arquiteto Marcos Mendonça, 73 anos, foi assaltado por dois homens armados quando chegava ao prédio onde mora, por volta das 20h. “Eles levaram a minha carteira com tudo dentro e fui agredido com uma coronhada na cabeça”, contou o arquiteto. As câmeras de segurança do Edifício Monjolo registraram a ação criminosa na Rua Jorge de Albuquerque, no Poço da Panela.
Ainda na noite da última quarta-feira, pelo menos cinco carros teriam sido roubados na região até as 22h30. Moradores também relataram a ocorrência de assaltos em série em bares e abordagens contra moradores de prédios da Avenida 17 de Agosto, uma das principais do bairro de Casa Forte. Em um dos roubos, os criminosos renderam um morador que estava com um filho de três anos no carro. O veículo foi levado e as vítimas liberadas. Ontem pela manhã, o Diario circulou por várias ruas da Zona Norte e constatou o clima de medo entre as pessoas ouvidas pela reportagem. “Moro aqui nas imediações faz mais de 20 anos e nunca tinha visto tanta violência por aqui. Pelo menos três assaltos acontecem por dia. Isso a qualquer hora”, revelou uma moradora da Rua Tapacurá.
Um motorista de 28 anos que preferiu não revelar sua identidade contou que seus parentes têm evitado sair de casa à noite. Mesmo assim, um tio dele foi assaltado na semana passada. “Levaram o celular, relógio e um cordão que estava no pescoço dele. Quase não vemos viaturas da Polícia Militar passando por aqui”, reclamou. O engenheiro Roberto Maia, 69, morador do Poço da Panela, também cobra mais presença da polícia na localidade. “A violência está em todo lugar e temos que tomar certas precauções, no entanto, é preciso de mais policiamento”, pontuou Roberto. O estudante Roberto Wanderley, 23, mora em Apipucos e treina numa academia no Poço da Panela. Ele vem e volta correndo todos os dias. “Evito trazer celular e relógio porque sei que estão acontecendo vários assaltos por aqui”, contou.
Medo e tensão também fazem parte dos moradores e frequentadores da Praça de Casa Forte. Morador da Rua Jacó Velosino, o engenheiro Marcos Gondim, 34, conta que vários assaltos já aconteceram nas imediações do prédio onde mora. “Sempre temos muito cuidado quando estamos chegando ou saindo de casa. Além disso, deixamos de vir à Praça de Casa Forte à noite. Tenho uma filha pequena e só descemos com ela agora pela manhã”, ressaltou o engenheiro. Quem costuma frequentar a praça, uma das mais conhecidas da Zona Norte, relata que a quantidade de pessoas praticando exercícios ou caminhando no local tem reduzido devido à insegurança.
A Polícia Militar de Pernambuco informou que na área do 11º BPM, responsável pelo policiamento nos bairros de Casa Forte, Monteiro e Poço da Panela, foram recuperados ainda na última quarta-feira, três veículos roubados, sendo uma motocicleta e dois carros, um roubado na quarta-feira e outro que havia sido roubado na semana passada. A corporação disse ainda que “o comandante do 11º BPM conversaria com a população para levantar as necessidades do local. O policiamento na área é realizado pela Patrulha do Bairro e recobrimento do Grupo de Apoio Tático Itinerante (GATI) e será reforçado com motopatrulheiros, para trazer maior sensação de segurança para a população. Além disso, foi criado um grupo no WhatsApp para facilitar a comunicação de ações e a resposta. O número é o (81) 99962-8508.
Proposta em análise na Câmara dos Deputados altera a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) para determinar o afastamento das funções públicas do agente que for alvo de investigação criminal por violência contra a mulher. O afastamento, que também se aplica a detentores de cargos eletivos, está previsto no Projeto de Lei 4955/16, da deputada Erika Kokay (PT-DF).
Pelo texto, o afastamento durará até a sentença definitiva, sem prejuízo de outras sanções penais e administrativas. Como medida alternativa, o juiz poderá determinar, após parecer do titular da entidade na qual o agente público estiver lotado, que ele seja transferido para outro setor até a sentença definitiva.
“A sociedade vê com acentuada reprovação a permanência do agente público no exercício de suas funções enquanto está sendo investigado por prática de agressão doméstica”, afirma Kokay. Em caso de absolvição, o agente público poderá retornar a sua função original. “Não se propõe punição antecipada, mas, sim, medida preventiva para garantir, em muitos casos, o sucesso da ação, ainda que seja pela absolvição”, completa.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher aprovou o Projeto de Lei 5475/16, da deputada Gorete Pereira (PR-CE), que obriga os estados brasileiros a criar delegacias especializadas em crimes contra a mulher nos municípios com mais de 60 mil habitantes. O objetivo prioritário das delegacias será o atendimento de mulheres que tenham sido vítimas de qualquer tipo de abuso, físico ou moral.
Segundo a proposta, os estados terão o prazo de cinco anos, contados da data de publicação da lei, para criar as delegacias, sob pena de não terem acesso aos recursos a eles destinados no Fundo Nacional de Segurança Pública. As despesas decorrentes da aplicação da medida correrão por conta de dotações próprias, consignadas no orçamento estadual.
Momento delicado
O parecer da relatora, deputada Soraya Santos (PMDB-RJ), foi favorável à proposta. Conforme a parlamentar, a medida permitirá que as mulheres vítimas de violência possam ser atendidas por equipes especializadas, “capazes de as acolher em um momento tão delicado de suas vidas”.
Na visão da relatora, quando a mulher vítima de violência é atendida por um agente ou por um delegado do sexo masculino, como costuma ocorrer hoje, ela muitas vezes se sente desamparada.
“Sabendo que será recebida de forma humana e sensível, em uma delegacia especializada para a apuração de crimes contra as mulheres, a vítima não se sentirá mais constrangida ao fazer o registro da ocorrência e, com isso, poderá ser iniciada, de imediato, a investigação criminal, com o objetivo de apurar o delito, buscando identificar e prender o autor ou autores do crime”, acrescentou. “Comprovam as estatísticas que, quanto mais próximo da ocorrência do evento criminoso for iniciada a investigação, maiores as chances de solução do crime”, disse Soraya Santos.
Os gastos com segurança pública no Brasil totalizaram R$ 76,2 bilhões em 2015, o que representa um aumento de 11,6% em relação ao ano anterior, segundo dados da 10° edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). No entanto, esse valor ainda não é suficiente e o país carece de políticas que tragam resultados satisfatórios no combate à violência, de acordo com a diretora executiva do fórum, Samira Bueno.
“Claro que o que temos hoje de recurso não é suficiente para dar conta de todas as necessidades que a área coloca. Temos um número imenso de crimes violentos, temos salários dos policiais, em média ainda muito baixos, principalmente os que estão na ponta, que são praças, escrivães, investigadores”, disse, em entrevista à Agência Brasil.
“Mas só aumentar essa receita não seria suficiente para resolver o problema da violência e da criminalidade no Brasil. Isso teria que vir acompanhado de um programa de governo, um plano que focalizasse também algumas metas pragmáticas e a articulação de esforços entre a União, os estados e municípios”, acrescentou Samira.
Os dados do anuário mostram que o estado de São Paulo foi o que mais gastou com segurança pública em 2015: R$ 11,3 bilhões, valor 8,4% maior do que o que foi gasto no ano anterior. Esse montante foi 24,6% maior do que os gastos do próprio governo federal com segurança pública, que foram de R$ 9 bilhões. Em 2014, o gasto da União foi de R$ 8,9 bilhões.
Depois do estado de São Paulo e do governo federal, Minas Gerais foi o terceiro ente federativo que mais teve despesas em segurança pública: destinou R$ 8,8 bilhões à pasta. O estado, no entanto, somou as despesas de R$ 4,3 bilhões com a subfunção “Previdência do Regime Estatutário” na função “Segurança Pública”, o que, segundo o FBSP, inflou os números, fazendo parecer que o estado teria gastado R$ 13 bilhões em 2015.
Já os gastos totais dos municípios com segurança pública totalizaram R$ 4,4 bilhões. Esse valor colocaria os municípios brasileiros, caso fossem considerados como um único ente federativo, em quinto lugar no ranking dos que mais gastaram com a pasta, atrás de São Paulo, do governo federal, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, este último com destinação de R$ 8,7 bilhões.
Atuação dos municípios
Os dados do anuário mostram ainda o protagonismo que os municípios brasileiros vêm assumindo na área de segurança pública. Entre 1998 e 2015, houve crescimento de 394% nas despesas com a área por esses atores, considerando valores já corrigidos. O crescimento nos gastos se verifica em municípios de todos os portes populacionais, mas é mais acentuado naqueles em que a população varia entre 100.001 e 500 mil habitantes.
A diretora executiva do fórum afirmou que não há uma estrutura com papéis claros divididos entre os três entes da Federação – União, estados e municípios – em relação aos recursos da segurança pública. “Percebemos que é uma área completamente descoordenada no Brasil”, disse, citando as dificuldades de se estruturar planos na esfera federal, entre outros obstáculos, e o protagonismo assumido pelos municípios na destinação de recursos para a área.
“No governo federal, você percebe, quando analisa em termos de série histórica, desde a década de 90 até agora, que a programação é completamente desfuncional, então cada gestão investe em algo diferente, que não se traduz necessariamente em resultados. Não se tem avaliação de como esse dinheiro da União acaba sendo gasto, tem-se uma descontinuidade de políticas, uma redução dos fundos que teriam como objetivo repassar recursos para estados e municípios, como o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional”, observa Samira.
Na contramão desse cenário, a diretora do FBSP avalia que “os municípios não estão mais dependendo necessariamente de recursos da União para os gastos com políticas de segurança. Mais do que nunca, eles percebem que precisam gastar e investir nessa área porque o crime é um fenômeno territorial e exige necessariamente ações locais”.
O problema, segundo ela, é que esses gastos ocorrem de forma completamente descoordenada. “No momento em que você não tem o mínimo de coordenação, cada município vai tentar uma estratégia diferente, de acordo com as prioridades políticas de determinados partidos que estão no governo ou mesmo de acordo com o perfil do executivo”, acrescentou.
“Força, estamos do seu lado”. Essa é apenas uma das muitas mensagens espalhadas em todos os ambientes do Centro de Atenção à Mulher Vítima de Violência Sony Santos, localizado no Hospital da Mulher do Recife (HMR), no bairro do Curado. Inaugurado em 15 de julho deste ano, o local já atendeu mais de 40 mulheres vítimas de violência em todo o estado.
Uma parceria entre a Prefeitura do Recife e o governo estadual possibilita que as vítimas recebam todos os atendimentos num único local e já deixem a unidade de saúde com uma queixa registrada, se esse for o seu desejo. O centro funciona 24 horas por dia e conta, além de atendimento médico, com uma equipe multidisciplinar formada por psicólogo, assistente social e legista. Tudo é feito com total sigilo.
A diretora do HMR, Isabela Coutinho, ressaltou que não só as mulheres vítimas de violência sexual são atendidas no Centro Sony Santos. “As mulheres que sofrem agressões físicas e psicológicas também podem procurar os serviços que nós oferecemos. O atendimento é reservado e realizado num prédio anexo ao hospital. Além de oferecer toda assistência às vítimas, temos como objetivo estimular as mulheres a denunciarem os casos de agressões e abusos sexuais para que esses crimes possam ser punidos”, destacou a diretora da unidade de saúde. O centro conta com dois consultórios, salas para atendimento psicológico, serviço social, sala de atividades e duas suítes para pacientes que precisem pernoitar na unidade de saúde.
Quando a mulher vítima de violência chega ao hospital, o primeiro atendimento é realizado pelo setor de assistência social. Segundo a coordenadora do centro, Sandra Leite, somente depois desse contato a mulher passa aos demais serviços. Para evitar que a vítima relate o que aconteceu a vários profissionais, caberá ao assistente social repassar as informações colhidas para toda equipe. Somente a partir desse momento é feito o atendimento à vítima.
Com o objetivo de humanizar essa assistência, em todos os setores por onde passam no centro, as mulheres encontram frases de encorajamento e apoio nas paredes. “Coragen, divida sua dor com a gente” e “Só o amor pode superar a dor” são algumas das mensagens.
A assistente social Lílian Oliveira destacou que muitas mulheres ainda têm resistência em denunciar as agressões sofridas. “Grande parte delas chega ao centro muito assustada. Nós conversamos com elas, tentamos tranquilizá-las, fazemos uma entrevista socioeconômica e depois perguntamos se elas querem registrar uma queixa. Muitas ainda resistem porque os agressores são seus companheiros ou familiares”, contou Lílian.
O acompanhamento da equipe multidisciplinar do centro é feito por um período de seis meses. No entanto, esse tempo não é uma regra. De acordo com a coordenadora do serviço de psicologia do HMR e do centro, Eduarda Pontual, a família tem papel fundamental na recuperação da vítima. “A mulher que sofre estupro precisa reorganizar toda sua vida, inclusive a sexual. Para isso, deverá contar com a família e em alguns casos o acompanhamento pode demorar mais um pouco”, destacou Eduarda.
Cinco estupros são registrados pela polícia por dia em Pernambuco. De janeiro a agosto deste ano, 1.126 casos chegaram à Secretaria de Defesa Social (SDS). Embora as estatísticas sejam assustadoras em todo Brasil, o retrato fiel da violência sexual pode ser muito pior. O 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que apenas 35% das vítimas de crimes sexuais denunciam o caso às autoridades.
Muitas dessas vítimas são violentadas por familiares. Outras, como nos casos divulgados recentemente, são abordadas por desconhecidos. A Lei Federal 12.015/2009 alterou a conceituação de estupro, passando a incluir, além da conjunção carnal, os atos libidinosos e atentados violento ao pudor. Entre as vítimas, estão homens e mulheres, embora o sexo feminino seja o mais atingido.
A delegada Marta Rosana, assessora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMul), ressaltou que não existe um perfil formado de agressores nem de vítimas de estupros. “Muitas mulheres que chegam à delegacia são vítimas de seus maridos, namorados, irmãos, pais, avós ou vizinhos. Além dessas, existem aquelas que são escolhidas aleatoriamente por criminosos nas ruas. No entanto, a maior parte dos casos vêm de áreas periféricas”, apontou a delegada.
A policial orienta também que as vítimas de estupro devem procurar atendimento médico imediato. Um serviço diferenciado e sigiloso é oferecido desde o mês de julho pelo Centro de Atenção à Mulher Vítima de Violência Sony Santos, localizado no Hospital a Mulher do Recife. Lá, além da assistência psicossocial, a mulher poderá fazer toda a profilaxia e registrar o boletim de ocorrência, caso seja da sua vontade.
Ainda segundo o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 51.090 casos de estupros foram registrados em todo o Brasil no ano de 2013. No ano seguinte, houve uma redução de 6,7%, quando aconteceram 47.646 crimes no país. Nesses dois anos, Pernambuco ficou na oitava colocação entre os estados com o maior número de casos. O estado com a maior quantidade de estupros também no mesmo período foi São Paulo, a segunda colocação ficou com o Rio de Janeiro.
Dados do Anuário revelam ainda que no Recife aconteceram 510 crimes de estupros no ano de 2013 e 456 casos em 2014. Apesar dos números de crimes sexuais apresentarem redução em relação aos meses de janeiro a agosto deste ano comparados ao mesmo período do ano passado, os casos registrados em bairros de classe média do Recife levaram uma onda de pânico ao público feminino.
Para tentar escapar dos abusos, algumas mulheres estão investindo em técnicas de defesa pessoal. Como em todos os casos de violência, a polícia recomenda também que em possíveis estupros as vítimas não devem reagir, sobretudo se o agressor estiver armado. “É difícil dizer a uma mulher que está prestes a ser violentada que não reaja. Mas ela precisa entender que a vida é o seu bem maior. O trauma de um estupro, mas duro que seja, pode ser superadom, mas a vida não volta”, comentou a delegada Marta Rosana.
Outro tipo de crime sexual que vem preocupando a polícia e especialistas é o chamado “estupro corretivo”. São casos onde uma ou mais pessoas estupram homossexuais ou bissexuais como forma de “corrigir” sua sexualidade. O blog traz relatos de duas vítimas de estupro, uma delas que foi abusada pelo irmão por ser lésbica.
“Vivo trancada dentro de casa”
Dois meses e 22 dias depois de ter sido estuprada no bairro da Torre, na Zona Norte do Recife, uma doméstica de 40 anos não consegue dormir sem tomar remédios. Também nesse período, não conseguiu ainda ter relações sexuais com o marido. Era uma sexta-feira, dia 8 de julho, quando a vítima seguia para o trabalho, em outro bairro da Zona Norte. No meio do caminho foi abordada por um homem que anunciou o assalto. Após entregar seu telefone celular, como havia sido exigido pelo criminoso, a doméstica pediu para ir embora. No entanto, o homem que a segurava pelo pescoço, diante de ameaças, a fez seguir com ele até o final da Ponte da Torre, onde aconteceu a abordagem, para dar início a outro crime. O de estupro.
“Até hoje não estou dormindo na mesma cama que o meu marido. Também não consigo abraçar as pessoas direito e vivo trancada dentro de casa. Fiquei muito assustada depois de tudo que passei”, contou a vítima. A abordagem à doméstica aconteceu num horário de muito movimento. O crime foi praticado por volta das 12h e numa região onde transitam crianças e adolescentes alunos de escolas nas proximidades. “Ele mandou eu fingir que a gente era um casal de namorados e falou que se reagisse iria me matar. Foi quando ele me levou para a beira do rio, numa área por baixo da ponte, e fez o que queria comigo. Naquela hora eu só pedia a Deus para que ele não me matasse”, lembrou a doméstica.
Depois do abuso sexual, o criminoso foi embora levando o celular da vítima. Desesperada, ela saiu andando até a Praça do Derby, de onde telefonou para o marido pedindo ajuda. “Depois que meu marido chegou fomos para o hospital, delegacia e até fazer exames no IML (Instituto de Medicina Legal). Não desejo para ninguém o que eu passei. Eu só pensava nos meus dois filhos. Graças a Deus, agora ele está preso. Espero que pague por tudo que fez”, ressaltou a vítima.
No dia 8 deste mês, uma empresária de 32 anos foi abordada quando saía de uma lavanderia na Rua Amélia, nas Graças. O crime aconteceu por volta das 12h, quando o suspeito levou a vítima até a BR-101 Sul onde a estuprou. A situação foi muito parecida com a abordagem à estudante de medicina, no bairro de Parnamirim. A universitária de 29 anos foi abordada por volta das 18h do dia 16 de agosto, na Rua André Cavalcante, quando chegava na casa dos pais.
Ao abrir a porta do carro, ela foi surpreendida pelo suspeito que estava armado com uma faca. Ele invadiu o carro, assumiu a direção e seguiu com a universitária. Segundo a polícia, a vítima foi estuprada às marrgens da BR-101, foi fotagrafada nua e com roupa pelo suspeito e, por volta das 22h, abandonada com o veículo, nas proximidades da estação de metrô Antônio Falcão, na Imbiribeira. O criminoso fugiu levando o telefone celular da estudante. Por volta das 18h do último dia 19, uma estudante também foi vítima de estupro no bairro da Madalena. O crime aconteceu nas proximidades da Rua José Osório. Segundo relato da vítima, o agressor estava de bicicleta no momento da abordagem.
A dor provocada pelo próprio irmão
Quando tinha apenas 16 anos, Roberta (como iremos chamar nossa personagem) já sabia que gostava de mulheres. Também com essa idade, teve sua primeira namorada, sem que a família soubesse. Um dia, Roberta chegou em casa e encontrou um dos seus irmãos, aquele com o qual ela mais se identificava. O que mais era seu amigo. “Quando eu entrei em casa, ele perguntou de onde eu estava chegando. Respondi que vinha da casa de uma amiga. Foi quando ele me trancou no meu quarto e praticou todos os tipos de sexo comigo. Fiquei em estado de choque e ele dizia que estava fazendo aquilo para que eu aprendesse a gostar de homens. Foi horrível”, recordou Roberta. O crime aconteceu há 26 anos e não foi denunciado à polícia. A família preferiu o sigilo. Ela era caçula de sete irmãos.
O que houve com Roberta, que hoje tem 44 anos e mora num município da Região Metropolitana do Recife (RMR), é o que se denomina estupro corretivo. São casos onde uma ou mais pessoas abusam sexualmente de homossexuais ou bissexuais sob a alegação de “corrigir” a opção sexual de quem está sendo agredido. “Cheguei a mostrar para minha mãe o lençol da minha cama todo manchado de sangue e contei o que havia acontecido, mas ela não fez nada. No dia seguinte, tive que jantar na mesma mesa que meu irmão. Depois de muitos anos, numa conversa comigo, ele disse que estava arrependido e queria morrer. Respondi que para mim ele já estava morto. Até hoje quase não tem contato com ele”, contou Roberta.
Segundo a assessora do Departamento de Polícia da Mulher, delegada Marta Rosana, alguns casos de estupro corretivo têm chegado às delegacias especializadas recentemente. “Não posso dizer quantos são agora, mas algumas vítimas têm prestado queixa desse tipo de estupro. Geralmente são mulheres lésbicas que foram violentadas por homens”, apontou a delegada. Em junho, a Polícia Civil começou a investigar um estupro ocorrido no bairro do Passarinho, em Olinda. A vítima era lésbica e disse ter sido estuprada por pelo menos três homens durante a comemoração de uma festa de São João perto de onde elas moravam.
Para a advogada, feminista e assistente de programas da ONG ActionAid no Brasil Jéssica Barbosa o estupro corretivo é uma expressão de uma tentativa de imposição de uma suposta superioridade masculina. “O machismo não consegue respeitar ou aceitar que duas mulheres se amem e sintam prazer sem que um homem esteja envolvido. Daí, surge a perversa ideia de que um homem é capaz de “corrigir” aquilo que, na verdade, é a expressão da sexualidade de duas mulheres. Também se baseia na crença de que uma mulher só é lésbica porque ainda não conheceu algo que, em muitos momentos, se chama de homem de verdade”, destacou.
O número de mulheres assassinadas em Pernambuco diminuiu 22,3% de 2006, ano de criação da Lei Maria da Penha, até o ano de 2013. No entanto, a redução beneficiou as cidadãs de forma desigual. A quantidade de mulheres negras assassinadas caiu menos (14,3%). Os registros fazem parte do Mapa da violência 2015, homicídios de mulheres no Brasil e foram apresentados recentemente pelo pesquisador Julio Jacobo em evento no Tribunal de Justiça de Pernambuco.
A redução das mortes de negras vai na contramão da tendência nacional, já que, nesse período, o número de assassinatos de negras no Brasil subiu 54,2% (contra 25% de redução da morte de brancas), mas a diferença nos índices conforme a cor da pele sinaliza desafios, na opinião de Jacobo.
“A população negra é vítima prioritária da violência homicida no país. Claramente, as políticas públicas beneficiam bem mais mulheres brancas no que diz respeito à segurança. É preciso repensar toda a política de combate à violência”, destacou Julio Jacobo. Com a vigência da Lei Maria da Penha, o número de vítimas caiu 2,1% entre as mulheres brancas, mas aumentou 35% entre as negras no país. Ainda de acordo com a pesquisa, a cada mulher branca que morre vítima de violência, cinco negras são assassinadas.
“Os índices ainda estão extremamente elevados, apesar das quedas registradas, principalmente depois da criação da Maria da Penha”, apontou Jacobo. Entre os municípios pernambucanos que aparecem como os mais violentos estão Lagoa de Itaenga, Catende e Sirinhaém.
Aproximadamente 27% dos homicídios acontecem dentro de casa, sendo que 96% dos casos revelam também violência física. Para a vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia Almeida, o tema deve ser debatido desde a educação básica. “Por que nove anos depois da lei foi criada uma outra que criminaliza o feminicídio, sancionada no ano passado? Os números só crescem e ainda assim foi vetada a discussão de gênero nas escolas. É preciso encarar a raiz desta mácula”, questiona Jacobo.
Para a educadora feminista e cientista social da ONG SOS Corpo, Simone Ferreira, o alto número de mulheres negras assassinadas é decorrência da falta de políticas públicas eficazes. “As mulheres negras são vítimas mais frequentes porque ainda há uma discriminação racial muito forte”, ressaltou Simone.
O enfrentamento à violência contra a mulher, por parte do estado de Pernambuco, também teve avanços. A rede especializada de atendimento conta com 10 delegacias especializadas, 10 varas judiciais de violência doméstica e familiar, 36 centros de referência de atendimento à mulher, 179 organismos municipais de políticas para mulheres, 52 conselhos municipais dos direitos das mulheres, 24 núcleos de estudos de gênero e quatro serviços de abrigamento, além do Núcleo de Apoio à Mulher do MPPE e Defensoria Pública da Defesa da Mulher Vítima de Violência.
Em parceria com outros órgãos, a Secretaria da Mulher criou a Câmara Técnica de Enfrentamento da Violência contra a Mulher do Pacto pela Vida, que se reúne para acompanhar os casos, traçar estratégias e criar políticas para enfrentar a violência contra as mulheres.