Joana (nome fictício), 17 anos, reclama nos corredores. Naquele dia, perdeu a posse de quatro celulares. “Esse foi meu pior dia aqui”, brada a jovem, internada há um ano e cinco meses no Case Santa Luzia, no bairro do Engenho do Meio, no Recife. A unidade é a única do estado a receber meninas menores de idade envolvidas em atos infracionais graves.
Todas as internas foram destinadas pela Justiça a responder pelo seus atos em regime fechado. Apesar de proibidos, celulares são encontrados na unidade, habitada por 30 meninas. O cigarro é liberado pela direção três vezes por dia, desde que a menina tenha dinheiro para mandar comprar. A regra contraria determinação da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase).
A realidade de internas em unidades fechadas de cinco estados brasileiros foi levantada em pesquisa inédita encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Foram ouvidos jovens, agentes socioeducativos e funcionários da equipe técnica de instituições de Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pará.
A pesquisa revelou que a estrutura das casas de internação segue a lógica prisional, com grades, reclusão em quartos, além de pouca ou nenhuma atividade pedagógica. Apesar da Lei 12.594/2012, que também assegura ao adolescente casado ou que viva em união estável o direito à visita íntima, as meninas não desfrutam do benefício. Também não recebem apoio nem visita frequente da família e, além da liberdade, são privadas de educação e afeto.
Outra conclusão foi que o sistema tem, em geral, adolescentes pobres, majoritariamente negras e moradoras da periferia. A grande maioria não tinha passagem anterior em unidade de internação. No caso específico de Pernambuco, o que mais surpreendeu os pesquisadores foi o uso liberado do cigarro (leia entrevista).
Renata (nome fictício), 17, está grávida de nove meses do primeiro filho. Natural de Juazeiro, na Bahia, está no Case há seis meses.
Provavelmente permanecerá na unidade com o bebê nos primeiros meses de nascimento. Pior: no mesmo ambiente dedicado às outras jovens. “Aqui é ruim. Os agentes batem na gente. Há dois meses não vejo minha mãe. O governo não liberou o dinheiro da passagem para ela me visitar”, lamenta. Quanto ao companheiro, conta que prefere não vê-lo.
Há cinco anos, Sandra (nome fictício), 17, frequenta diversas unidades da Funase. “Me sinto recuperada, quero voltar para casa, provar que mudei. Aqui faço de tudo, coloco água, cuido do jardim. Se eu não fizer ninguém faz”, conta a menina, que diz manter um relacionamento homossexual na unidade. “É um desmanche do Estatuto da Criança e do Adolescente”, diz Marília Montenegro, coordenadora da pesquisa.