Confira o artigo abaixo:
Conta-se quase dois séculos, desde 11 de agosto de 1827, que foram criados os cursos jurídicos no Brasil com a instalação das faculdades de Direito de Olinda e São Paulo. A data é o marco de comemoração dos profissionais de direito: advogados, juízes, promotores, defensores, procuradores e delegados. Esses últimos, embora desempenhem suas funções em condições salariais e estruturais bem mais modestas do que os que trabalham nos suntuosos palácios de justiça, têm um novo perfil a comemorar.
Em pesquisa realizada nos anos de 2012 e 2013, durante o curso de mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), delegados acreditam que a formação jurídica lastreada em conceitos democráticos e humanitários obtida nos cursos de Direito permitiu mudanças aos profissionais. A pesquisa recorreu a entrevistas e questionários aplicados a cerca de 20% dos delegados em atividade em Pernambuco.
Os resultados empíricos desse estudo demonstram que houve uma mudança no perfil dos delegados, abandonando o estilo “calças-curtas”, caracterizado por uma maioria de homens, com baixa qualificação acadêmica, militarizados e com relações políticas eleitoreiras, para um perfil jovem (73,9% têm idade entre 25 e 44 anos), renovado (70% das nomeações ocorreram após 1998), graduado sob as bases dos valores democráticos (82,5% com graduação após a Constituição Federal de 1988), academicamente qualificado (71,3% possuem pós-graduação), com tendência à igualdade de sexo (70,1% de homens e 29,9% de mulheres) e cor (66,3% brancos e 33,7% pretos, pardos e amarelos), e desafeição da política (57% percebem relações difíceis com políticos que solicitam favores).
Com a atual formação jurídica dos delegados a atenção desses profissionais aos conflitos é mais qualificada. É comum nas cidades interioranas ou nos bairros periféricos que problemas de difícil solução sejam levados aos delegados. As pessoas buscam as delegacias em situações de crimes, mas também à procura de orientações jurídicas ou conselhos. O trabalho praticado nas delegacias é, em grande parte, de assistência e atenção às populações mais pobres, que se socorrem dessas unidades para a solução de vários conflitos. Talvez não exista nada mais revelador sobre a visão social do trabalho desempenhado nas delegacias de polícia do que a expressão [UTF-8?]“24/7â€, que significa – não só no Brasil, mas também em outros países – o funcionamento das unidades policiais por 24 horas, durante os sete dias da semana. E assim, o sentimento da população é o de que essas unidades são fonte de atendimento contínuo e permanente.
Enquanto há delegacias funcionando ininterruptamente no período noturno, finais de semana e feriados com unidades de plantão, o restante do Sistema de Justiça Criminal (Fórum, Ministério Público, Defensoria, Procuradorias) ainda não oferece atendimento nesses períodos onde ocorre a maioria dos conflitos sociais. Juízes, promotores, defensores, procuradores não realizam atendimento noturno, e em finais de semana e feriados os plantões são de apenas quatro horas diárias, das 13h30 até ás 17h30. A escassez de atendimento nos demais órgãos do Estado aliada à constância do trabalho policial permite que um turbilhão de situações chegue às delegacias diariamente, havendo a expectativa das comunidades em buscar atenção para qualquer tipo de conflito. A delegacia é o primeiro lugar onde a população bate à porta e onde as portas estão sempre abertas.
O novo perfil dos delegados que coordenam as delegacias de polícia qualificou o trabalho de assistência social realizado nessas unidades, tornando-as mais acessíveis a uma série de demandas jurídicas, onde a primeira avaliação é realizada por um profissional que vai além do perfil encarcerador para ser um defensor de direitos e garantias de cidadãos.
Silvia Renata Araújo Vila Nova
Diretora da Associação de Delegados de Polícia de Pernambuco (ADEPPE)
Vice-presidente Regional Nordeste da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-BR)