Imagine um juiz em plena audiência descobrir que o réu em liberdade provisória não poderia ser beneficiado com o recurso por já possuir outro mandado de prisão expedido. Ou uma pessoa que já cumpriu pena ser presa novamente por causa de um mandado antigo e não arquivado. Para evitar situações absurdas como estas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está implantando o Banco Nacional de Monitoramento das Prisões (BNMP 2.0). A plataforma digital reunirá em inscrição única, Cadastro Nacional de Presos, os dados sobre a população carcerária brasileira. Magistrados e servidores do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) realizaram treinamento no auditório do Fórum Rodolfo Aureliano, no Recife, nestas quinta e sexta-feira. A expectativa é de que na próxima segunda-feira o banco de dados já comece a ser alimentado. Pernambuco possui, atualmente, cerca de 30.780 presos.
Desenvolvido pelo CNJ, o cadastro possibilitará a obtenção de informações carcerárias, em tempo real, e de pessoas procuradas pela Justiça, além de foragidos de todos os estados. O novo BNMP trará detalhes de cada pessoa que entra ou sai do sistema penitenciário. Até agora o modelo já foi implantado integralmente em Roraíma, mas os estados de São Paulo, Bahia, Santa Catarina, Goiás, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piaui, Alagoas, Maranhão e Amapá deram início a inclusão dos dados.
Até então já foram cadastrados 41.744 presos, sendo 24 mil provisórios, ou seja, que aguardam a sentença. A maior parte deles cumpre pena pelo crime de tráfico de drogas. Esse quantitativo, no entanto, deverá aumentar gradativamente à medida que os Tribunais de todo o Brasil aderirem ao cadastro e passarem pelo treinamento do CNJ. “Já deveríamos ter colocado em prática a adoção desse cadastro. Muitos presos podem ter sido postos em liberdade por desconhecimento dos antecedentes. E outros podem estar presos, já com condições de ter a liberdade”, falou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Marcelo Mesquita.
A coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas e juíza auxiliar da Presidência do Conselho, Maria de Fátima Alves, comentou que as disparidades nas informações são grandes. “Em dezembro de 2016, o Ifopem (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça) declarou que havia 700 mil presos no país. Em março do ano passado, esse número caiu para 620 mil. Estranhamos a diferença de quase 100 mil presos. Esse novo banco vai corrigir esse tipo de distorsão”, esclareceu.
Cerca de 190 juízes e 60 servidores de varas Criminal, Única, de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Tribunal do Júri, Execução Penal, Crimes contra a Criança e o Adolescente, Crimes contra a Administração Pública e a Ordem Tributária, Execução de Penas Alternativas, Execuções de Penas em Meio Aberto e Justiça Militar, de todo o Estado, além dos Juizados Criminais, participam da atividade. As aulas estão sendo oferecidas pela equipe do CNJ, mediante determinação da ministra Cármen Lúcia.
Além de facilitar a atuação dos juízes, o novo banco proporcionará o acompanhamento unificado das ordens de prisão expedidas pelo Judiciário, cumprimento das ações e soltura de todos os detentos em todo o país. Também garantirá o acesso das informações carcerárias à parentes dos presos e famílias das vítimas. Segundo o CNJ, o sistema deve estar implantado em todo Brasil até o final desse primeiro semestre.
Depois de muita espera, o governador Paulo Câmara entregou nesta segunda-feira a Unidade I do Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga, na Mata Norte do estado. Durante visita ao local, Câmara também assinou a Ordem de Serviço para o início das obras da Unidade II do empreendimento. As intervenções, que inicialmente foram concebidas para ser uma Parceria Público-Privada (PPP), custaram cerca de R$ 10 milhões aos cofres do governo do estado. Para a conclusão da segunda unidade, mais R$ 10 milhões serão investidos.
“Hoje, a gente entrega o primeiro pavilhão aqui de Itaquitinga e estamos iniciando o segundo pavilhão. O que mostra que a gente não iria deixar um equipamento como esse, que foi conduzido pelo parceiro privado de maneira irresponsável, virasse um elefante branco. A gente já está dando serventia a ele e vamos superar, até o final de 2018, marcas que são fundamentais para o nosso governo”, declarou o governador.
Durante a visita ao CIR de Itaquitinga, Paulo Câmara frisou que a unidade atende requisitos importantes para a recuperação social. “Um equipamento como esse mostra que é possível ser preso, mas, ao mesmo tempo, ter condições de estudar, trabalhar, de se desenvolver e de cumprir sua pena com dignidade. É isso que a gente quer fazer em todo estado de Pernambuco”, pontuou.
A unidade será ocupada gradativamente, após a composição de equipagem e pessoal. No entanto, por medida de segurança, não serão divulgados os dias das transferências e nem as procedências dos presos. A expectativa é que, nos próximos 40 dias, o processo de ocupação seja iniciado. A unidade – construída inicialmente para o regime semiaberto foi adaptada para abrigar cerca de 1.000 presos do regime fechado.
A construção da Unidade I do centro tem o objetivo de desafogar as unidades prisionais da Região Metropolitana. Em um total de 10 hectares, foram construídos 1.000 metros quadrados de estrutura, seguindo um novo conceito de arquitetura prisional, onde as paredes internas da administração são de gesso e toda a área externa e demais áreas são de concreto.
O complexo abriga celas de tamanhos variados; administração e recepção de visitantes; pavilhão destinado aos concessionados (presos que exercem atividades laborais); 12 salas de aula; área jurídica e de saúde; refeitório; 3 pavilhões de vivências coletivas; instalações para a Polícia Militar (vestiários, WCs); oito guaritas, além de muros com alambrados.
Dez. Esse é o número de detentos assassinados dentro das unidades prisionais de Pernambuco apenas neste ano. O número é do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindasp) que denunciou nesta terça-feira a morte de mais um preso. Dessa vez, o crime aconteceu no Presídio Juiz Antônio Luís Lins de Barros (Pjallb), no Complexo Prisional do Curado, Zona Oeste do Recife. Fábio Ferreira de Santana estava preso em Petrolina, Sertão de Pernambuco, e chegou ao Pjalb na noite dessa segunda-feira para participar de uma audiência de custódia, segundo o Sindasp.
O preso autor dos disparos, identificado como Williams Rodrigues da Silva, 25 anos, e Gean Carlos Dantas Viana, 18 anos, outro detento que o teria ajudado no crime, foram presos em flagrante e encaminhados para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). De acordo com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, teria sido um crime de vingança. A vítima teria assassinado o pai e o irmão do autor dos disparos. Após o crime, agentes realizaram uma vistoria no presídio. Duas armas de fogo foram apreendidas. O corpo da vítima foi encaminhado para o Instituto de Medicina Legal (IML).
No final do mês passado, o Sindasp denunciou que as unidades prisionais do estado contavam com um total de 29.903 detentos, quase três vezes mais a capacidade permitida, que é de 10.967. Em Abreu e Lima, o Cotel somava 3.191 presos, quando a capacidade seria de 940 vagas. Ainda que preocupante, o Cotel não é a unidade mais crítica. Na Região Metropolitana do Recife o Presídio de Igarassu somava um total de 3.290 detentos para 426 vagas, o décifit é de 2.864. Nas unidades do interior, a situação mais preocupante é a do Presídio de Limoeiro, com um total de 1.650 presos para 426 vagas.
É mais barato fazer presidiários cumprir pena fora dos presídios, trabalhar e estudar do que mantê-los encarcerados. A metodologia de ressocialização de presos que a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) aplica em 43 cidades em quatro estados custa, segundo os cálculos do gerente de metodologia da entidade, Roberto Donizetti, menos da metade do valor mensal que o Estado destina a manter uma pessoa sob custódia no sistema prisional tradicional.
Em Minas Gerais, por exemplo, o preso custa em média R$ 2,7 mil por mês pelo sistema tradicional dos presídios do Estado e R$ 1 mil pelo método de ressocialização da FBCA. Em tempos de escassez de recursos e aumento da população carcerária, que saltou de 90 mil para mais de 650 mil desde o início da década de 1990, o Método da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) é promovido como alternativa ao atual sistema.
Uma Apac é um estabelecimento de ressocialização de presos que cumprem pena, autorizados pelo juiz de execução penal da região. Lá, o condenado encontra uma rotina de trabalho e educação, diferente do ócio obrigatório vivido atrás das grades dos presídios comuns. Um quadro fixo de funcionários e grupos de voluntários asseguram um rol de atividades variadas com o objetivo de preparar o preso para voltar ao convívio em sociedade, desde terapia a religião. Para aumentar as chances de sucesso no retorno à sociedade, as visitas de familiares facilitam o contato entre presos e visitantes – mães, companheiras e filhos de presos, sobretudo – sem expor a segurança da casa.
Baseado em austeridade na gestão, o custo de se administrar essa metodologia de ressocialização é um dos argumentos centrais para disseminar o Método Apac por outras partes do país, segundo o representante da FBAC, Roberto Donizetti. Atualmente nas 39 unidades Apac AC mineiras, cumprem pena cerca de 3 mil homens e mulheres. Custodiá-los representa desembolso mensal de R$ 3 milhões por mês, de acordo com a FBAC. Se ainda estivessem em uma das prisões do estado, custariam R$ 12 milhões mensais. A diferença de R$ 9 milhões entre o custo mensal nos diferentes sistemas – alternativo e tradicional – soma R$ 108 milhões por ano.
Mesmo inferior, a estimativa da Secretaria de Administração Prisional de Minas Gerais (SAP/MG) de custo mensal de manutenção de um preso – R$ 2,7 mil mensais, em média – atualmente representaria quase três vezes a despesa mensal de uma Apac para manter um preso. A SAP/MG informa que a cifra, variável conforme a lotação da unidade, abrange os custos de manutenção do detento no sistema (alimentação, estudo, trabalho, itens de higiene, água, pagamento do agente penitenciário, entre outros), mas também a construção da unidade prisional.
Obras
Dividindo-se o custo total das obras de construção de uma unidade Apac pelo número de vagas que a instituição oferecerá, chega-se ao valor de R$ 15 mil para se “abrir” uma vaga , segundo Cleber Costa da Apac de Macau/RN. Uma vaga em um presídio tradicional tem custo médio de R$ 45 mil. “Temos pessoal treinado para abrir sete polos das APACs no Rio Grande do Norte, mas falta o dinheiro para construir as unidades em outros municípios do estado”, disse Costa, que já foi vice-presidente da Apac do município localizado a 180 quilômetros ao norte da capital, Natal.
Escala
Um dos motivos que explicam o baixo custo de manutenção de uma Apac em relação a um presídio convencional é a diferença de escala entre os dois modelos de estabelecimento penal. Em comparação com outras unidades de Minas Gerais – o Complexo Nelson Hungria abriga 2.166 presos, embora a capacidade seja de apenas 1.664 vagas, de acordo com a inspeção realizada nas instalações por juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 29 de março.
Manutenção
Uma vez edificada a sede da Apac, é necessário formar uma equipe que se encarregue do cotidiano dentro da unidade. Como recebe menos apenados, a Apac tem um quadro de funcionários menor. Na Apac AC de Paracatu/MG, segundo o gerente de segurança e disciplina, Silas Porfírio, 16 funcionários respondem pela operação da unidade, que abriga 125 homens sentenciados a cumprir pena nos regimes fechado e semiaberto. Além de manter a segurança e integridade física de todos que vivem ou trabalham na unidade, o quadro técnico viabiliza uma rotina diária de atividades que inclui oficinas profissionalizantes, aulas, cultos ecumênicos, sessões coletivas de terapia, refeições e atividades de lazer.
Contratos
Segundo a juíza responsável pela Apac de Barracão/PR, município do interior do Paraná, Branca Bernardi, a escala menor reduz os valores dos contratos de fornecimento de produtos e serviços necessários ao funcionamento da Apac. “Normalmente esses contratos do sistema comum são para fornecimento de alimentação ou para a construção de unidades prisionais. Para reformar a delegacia e transformá-la em APAC, gastamos R$ 70 mil. Fizemos uma licitação dentro da cidade, como fazemos para comprar frutas, verduras, etc. Não se trata de nenhum contrato milionário”, afirma.
Embora o sistema prisional demande elevado volume de recursos para ser mantido, presta um serviço reconhecidamente precário em todo o país. O Brasil foi intimado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a prestar informações a respeito de violações dos direitos humanos que teriam ocorrido em três presídios – complexos penitenciários do Curado (Pernambuco) e Pedrinhas (Maranhão), e o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro – e uma unidade socioeducativa no Espírito Santo para adolescentes em conflito com a lei. As rebeliões ocorridas em presídios do Amazonas, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia no início do ano resultaram em mais de uma centena de mortes que revelaram o poder das facções criminosas dentro e fora das cadeias.
Corrupção
Reduzir os custos operacionais também diminui o risco de casos de corrupção no sistema prisional, segundo o gerente de metodologia da FBAC, Roberto Donizetti. “O sistema comum é uma máquina de corrupção. Comida, uniforme, transferência, viatura são fontes potenciais de corrupção”, diz. Da época em que militava na Pastoral Carcerária, o voluntário da Apac de Macau/RN, Cleber Costa, recorda ter recebido uma denúncia de um preso segundo a qual o diretor do setor onde trabalhava o forçara a assinar um documento para atestar o recebimento de uma encomenda de 800 caixas de determinado produto. “Na verdade, foram entregues apenas 400 caixas. Nenhuma delas chegou aos presos. As poucas que chegaram foram levadas pelos agentes”, afirma.
População em expansão
Os 3,5 mil presos que cumprem pena em estabelecimentos que seguem a metodologia Apac em Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná e Maranhão representam apenas cerca de 0,5% da população carcerária do país, calculada em 654,3 mil pessoas, de acordo com informações apuradas pelos presidentes de tribunais de Justiça ao CNJ em janeiro. O viés de crescimento da população carcerária (7% nos últimos anos, de acordo com o mais recente levantamento do Departamento Penitenciário Nacional) aponta para uma explosão nos gastos públicos que precisa ser contornado para evitar mais um problema econômico para o país.
Outra ameaça da multiplicação do orçamento prisional é vermos confirmada a profecia do sociólogo Darcy Ribeiro feita em 1982, conforme lembrou a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, em evento de segurança pública realizado em novembro passado, em Goiânia/GO. “Darcy Ribeiro fez em 1982 uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás”, lembrou a ministra.
Como são recursos públicos que mantêm tanto as escolas quanto as prisões brasileiras, inclusive estabelecimentos privatizados, destinar menos dinheiro ao sistema carcerário poderia aumentar o orçamento do sistema educacional. Em 2016, o investimento anual do governo Federal foi de R$ 2.739,77 por aluno ao ano. Em 2015, o custo para manter presidiários variou entre R$ 1,8 mil e R$ 3 mil ao mês nos estados do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Rondônia, de acordo com a pesquisa do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo (USP).
A crise no sistema penitenciário nacional será tema de debate nesta sexta, a partir das 14h. A Comissão de Ciências Criminais da Defensoria Pública de Pernambuco realizará o debate Crise no sistema prisional, um novo cenário é possível? O evento ocorrerá na sede da Defensoria Pública, na Rua Marques do Amorim, 127, Boa Vista, Recife.
Participarão do evento o defensor público de Pernambuco Eurico Bartolomeu Ribeiro Neto, o defensor público de Alagoas Manoel Correia, o advogado criminalista Yuri Herculano, membro do Conselho Penitenciário de Pernambuco e secretário geral da UNICRIM, a professora da UFPE e da Unicap Marília Montenegro. Em Pernambuco, atualmente, existem mais de 30 mil presos nas 22 unidades prisionais onde só caberiam cerca de 11 mil apenados.
Por Gabriel Trigueiro e Wagner Oliveira
Desembargador da área crimininal da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e representante do Judiciário do estado nas reuniões do Pacto pela Vida, Mauro Alencar, conversou com o Diario/blog sobre a atual situação do sistema penitenciário brasileiro. Com experiência de 10 anos como desembargador em Pernambuco, Alencar ressaltou que a crise no sistema prisional é um problema generalizado.
Na opinião dele, o Brasil precisa construir, com urgência, novas unidades prisionais para tentar resolver o problema da superlotação nos presídios e penitenciárias. O desembargador ressaltou ainda que a falta de atividades laborativas nas prisões contribui para o cenário atual.
Confira a entrevista abaixo:
Quais são, na opinião do senhor, as saídas para a crise no sistema prisional brasileiro?
A crise no sistema prisional brasileiro é generalizada, do Norte ao Sul do país, como pode ser observado durante os recentes episódios nas rebeliões, matanças e fugas em estabelecimentos prisionais de vários estados. Não há fórmula mágica para solucionar este grave e crônico problema. Queiramos ou não, a construção de presídios e penitenciárias é urgente e é uma das providências a serem adotadas pelo Poder Executivo na busca de minimizar a superlotação.
O que o senhor considera mais grave, hoje, dentro das unidades prisionais?
Dentre os vários problemas existentes, tenho que a superlotação das unidades prisionais e a pouca oportunidade de prática de atividade laborativa pelos presos são os maiores problemas. Oportunizar que o preso trabalhe enquanto cumpre sua pena é uma das etapas do processo de ressocialização. A pena é cumprida de forma progressiva (regime fechado, semiaberto e aberto). Com isso, todos os condenados, cedo ou tarde, voltarão livres para a sociedade.
Qual é a situação atual do sistema carcerário em Pernambuco?
O sistema carcerário do estado de Pernambuco conta atualmente com 10.967 vagas e existem 30.028 presos. Assim, é inquestionável que existe um déficit enorme de vagas. Não obstante o elevado número de réus presos recolhidos nos estabelecimentos prisionais do estado, um dado significativo que merece ser considerado é a rotatividade/movimentação destes presos: segundo informações obtidas junto à Secretaria Estadual de Ressocialização (Seres), durante o ano de 2016, um quantitativo de 17.711 pessoas ingressaram (flagrante, preventiva, condenação, regressão de regime) no sistema prisional e 17.979 saíram (liberdade provisória, absolvição, progressão para regime aberto, livramento condicional). Estes dados comprovam que o Poder Judiciário de Pernambuco vem cumprindo a sua missão, vez que toda entrada e saída de réus no sistema penitenciário antecede uma decisão judicial.
A Justiça é sempre acusada de ser lenta nas execuções penais. O senhor concorda com essa afirmação?
O Poder Judiciário de Pernambuco vem, nos últimos anos, buscando melhorar a estrutura das Varas de Execuções Penais, e atualmente conta com cinco Varas Regionais Especializadas (três no Recife; uma em Caruaru; e uma em Petrolina), além da Vara de Execução de Penas Alternativas. Cada uma destas varas conta com uma estrutura de pessoal diferenciada das demais varas criminais, tudo em face da peculiaridade das mesmas. Ultimamente, não registramos queixas em relação ao tempo para que os juízes apreciem os benefícios a que fazem jus os réus já condenados: remição de pena; saída temporária; trabalho externo; progressão de regime; livramento condicional; indulto; comutação. O Tribunal de Justiça de Pernambuco também estuda a possibilidade de criar uma Vara de Execuções Penais para acompanhar o sentenciado que cumpre sua pena no meio aberto (regime aberto e livramento condicional) visando desafogar as demais varas e criando mecanismos para um melhor acompanhamento destes condenados que se encontram na etapa final do cumprimento de suas penas. Quanto aos presos provisórios (ainda não condenados), durante o ano de 2016, os juízes julgaram mais processos do que os iniciados no ano, cumprindo assim a Meta 01 estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nacionalmente, o Poder Judiciário de Pernambuco foi elogiado pelo CNJ porque obtivemos o maior número de júris realizados em novembro, no mês nacional do Júri. Obtivemos um total 558 processos relativos a crimes dolosos contra a vida julgados em 133 unidades judiciárias estaduais. O número de condenações na iniciativa foi de 341. Do total de júris realizados, 47 envolviam casos de violência contra a mulher; 49 foram relativos a crimes praticados dentro ou próximos a bares e casas noturnas; além de três cometidos por policiais.
O Poder Judiciário de Pernambuco criou a Comissão de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. Como vai funcionar essa comissão?
Na realidade já existe o Grupo de Monitoramento Carcerário – GMF no âmbito do TJPE, criado por recomendação do Conselho Nacional de Justiça, integrado por mim, por juízes assessores e pelos juízes das Varas das Execuções Penais. O que foi decidido recentemente pelos desembargadores, presidente e corregedor do TJPE foi a formação de uma comissão para, em caráter emergencial, buscar a adoção de providências que vissem a melhoria da prestação jurisdicional na área criminal. Esta comissão já se reuniu por três oportunidades nos últimos dez dias e vem discutindo a matéria e adotando providências, dentre elas: um programa de agilização processual para julgamento das ações penais de réus presos. Uma providência que já vem sendo adotada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco é a Audiência de Custódia, onde o indivíduo preso em flagrante, no prazo de 24 horas, antes de ser encaminhado ao presídio, é apresentado ao juiz que, na presença do representante do Ministério Público e do defensor, decide pela conversão do flagrante em prisão preventiva ou pela concessão da liberdade provisória. Durante o ano de 2016 passaram pela Audiência de Custódia aproximadamente 7.500 indivíduos, dos quais 4.500 foram encaminhados aos presídios (responderão o processo preso) e 3.000 foram beneficiados com a liberdade provisória (responderão o processo em liberdade).
Qual é o perfil dos presos que terão prioridade na agilização dos processos por parte do Poder Judiciário de Pernambuco?
Dentre as providências emergenciais, adotadas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, temos o programa de agilização processual para julgamento das ações penais de réus presos. Assim, serão utilizadas as estruturas já existentes das Centrais de Agilização Processual, onde um grupo de juízes que ali atuam, irá receber das diversas varas criminais os processos que já estejam na fase de prolatação da sentença. Ou seja, serão aproximadamente vinte juízes, que se juntarão aos demais juízes criminais, para julgar os processos que estejam conclusos para sentença.
Haverá também mutirão voltado para presas da Colônia Feminina?
O trabalho abrangerá indistintamente os processos dos réus homens e mulheres. O que será observado é a condição de encontrar-se preso preventivamente e a instrução processual já concluída. Deve ser registrado que o trabalho não terá como objetivo a liberação do preso, e sim o julgamento do processo. Caso o réu seja absolvido, e não responda preso a outro processo, será posto em liberdade. Já em caso de condenação, o réu dará início à execução da pena que lhe for imposta, computando-se o tempo que ficou recolhido provisoriamente durante a instrução processual.
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, reuniu os presidentes dos tribunais de Justiça de todo o país para tratar da crise carcerária. Quais foram as solicitações e recomendações?
A ministra presidente do Supremo Tribunal Federal reuniu-se com os presidentes dos Tribunais de Justiça e ouviu de todos um relato da situação de cada estado e, ao final, pediu aos desembargadores esforço concentrado nas varas criminais e de execução penal durante os próximos 90 dias com a designação de juízes auxiliares e servidores para realizar a tarefa. A presidente do STF anunciou a realização do censo penitenciário e do cadastro de presos do país, que será mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o maior problema do sistema prisional é a corrupção. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Como afirmei anteriormente, acredito que o maior problema do sistema prisional é a falta de vagas, sendo certo de que existem vários outros problemas a serem enfrentados. A corrupção é um destes problemas, o que pode ser constatado todas as vezes que se faz revista nos presídios e ali são encontradas armas e celulares.
Como o senhor avalia o Plano Nacional de Segurança anunciado pelo governo federal?
De acordo com o Ministério da Justiça, os três principais objetivos do Plano Nacional de Segurança Pública são a redução de homicídios dolosos; o combate integrado à criminalidade organizada internacional e crime organizado dentro e fora dos presídios; e a racionalização e modernização do sistema. Várias ações para atender tais objetivos foram anunciadas pelo Ministro da Justiça, todas com bons propósitos, restando-nos aguardar para que possamos avaliar o êxito das medidas.
Qual é a opinião do senhor sobre a utilização das Forças Armadas nos presídios?
Até onde tomei conhecimento, as Forças Armadas não iriam fazer o trabalho de vigilância e guarda que hoje é realizado por agentes penitenciários e policiais militares nas unidades prisionais, até porque não possuem tal competência constitucional. A proposta seria de fazer uma varredura pontual em busca de armas nos presídios. Este tipo de trabalho também já é feito rotineiramente pela polícia militar. Assim, salvo a hipótese de serem utilizados equipamentos que a Polícia Militar não possua, não vejo, no primeiro momento, em que poderiam ser utéis.
A Comissão de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decidiu, em reunião ontem, que vai agilizar os trâmites processuais visando o julgamento de réus presos no estado. Para isso, será elaborado um plano de ação que envolve audiências pendentes e julgamentos dos presos provisórios. Atualmente, as unidades prisionais de Pernambuco têm 30.028 detentos em locais onde caberiam apenas 10.967.
De acordo com presidente do TJPE, desembargador Leopoldo Raposo, ainda nesta semana será iniciada a agilização dos processos. Segundo o secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado, Pedro Eurico, mais de 50% dos encarcerados no estado são presos provisórios.
“A Central de Agilização Processual receberá os processos de réus presos para julgamento, deixando as varas com maior liberdade para instruir os processos em andamento. Queremos cada vez mais julgar os processos de presos provisórios”, enfatizou Raposo, acrescentando que após a Central de Agilização da Capital iniciar as mudanças, a próxima será a de Caruaru, ainda sem data definida.
O desembargador disse ainda que a Central de Agilização tem obtido bons resultados. Segundo o TJPE, no interior do estado, do fim de junho a dezembro de 2016, 26 juízes proferiram 10.002 sentenças, 5.370 despachos e 773 decisões, o que somou mais de 16 mil atos processuais ao todo, entre cíveis e criminais. Na capital, oito juízes julgaram 10.273 ações cíveis em dois anos.
O desembargador Leopoldo Raposo reforçou que Pernambuco vem agindo de acordo com as orientações do Supremo Tribunal de Justiça (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para minimizar a crise penitenciária, inclusive no que se refere às audiências de custódia. Em Pernambuco, as audiências foram iniciadas em agosto de 2015 e até dezembro de 2016 somam 7.464.
Participaram da reunião de ontem o corregedor-geral do TJPE, desembargador Antônio de Melo e Lima; o gestor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), desembargador Mauro Alencar; além do juiz da execução penal Roberto Bivar e dos juízes auxiliares da Presidência e da Corregedoria-Geral de Justiça.
Em entrevista do Diario na noite do domingo, após o massacre em Alcaçuz, Rio Grande do Norte, o secretário Pedro Eurico garantiu que a situação dos presídios do estado está “sob controle, em ordem e sem nenhuma ocorrência”. Diante das rebeliões pelo país, que já deixaram dezenas de detentos mortos, Pedro não informou quais medidas preventivas específicas estariam sendo tomadas pela pasta para evitar chacinas em Pernambuco. “Estamos cuidando de manter a ordem e a tranquilidade em nossas unidades”, explicou.
A Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) também se pronunciou. Por meio de nota enviada à imprensa, a Seres ressaltou “que está atenta às questões nacionais, mas que o sistema prisional de Pernambuco está sob controle.”
Números
Justiça
10.002 sentenças proferidas do fim de junho a dezembro de 2016
773 decisões neste período
16 mil atos processuais, entre cíveis e criminais
7.464 audiências de agosto de 2015 e até dezembro de 2016
O secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, afirmou que o governo do estado está monitorando as movimentações de detentos dentro das 22 unidades prisionais para evitar matanças como as registradas na região Norte. Segundo Pedro Eurico, o serviço de inteligência que atua nos estabelecimentos penais acompanha informações para coibir rebeliões e chacinas. O secretário destacou que em Pernambuco não operam facções com a mesma força de outros estados, mas que a administração está atenta ao problema. Ele também informou que o estado tem interesse em receber um presídio federal.
“Temos um grupo de contenção de tumultos dentro da própria Seres (Secretaria de Ressocialização) e, além disso, câmeras de monitoramento instaladas nos presídios ajudam a controlar a situação. As imagens são acompanhadas não só pela direção da unidade, mas também pela Seres”, destacou o secretário.
Em entrevista ao Diario, Eurico disse ainda que uma das suas maiores preocupações quanto à segurança nos presídios é a entrada de armas de fogo. “No ano de 2016, foram apreendidas 51 armas de fogo nos presídios. Grande parte dessas armas estava no Complexo Prisional do Curado. Na última quinta-feira, duas pistolas calibre 380, celulares e facas foram encontrados numa revista em uma das unidades do complexo”, revelou o secretário. Ainda de acordo com Pedro, de janeiro a dezembro de 2016, 4,5 mil armas brancas foram apreendidas nas unidades prisionais.
Pernambuco é o quarto estado do Brasil no quesito superlotação. Perde apenas para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Atualmente, em espaços onde caberiam 10.967 detentos estão amontoados 30.028 presos, segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Aqui também existem presos ligados a facções criminosas, mas, segundo o secretário, todos eles estão sendo monitorados pelo serviço de inteligência da Seres.
“Não podemos negar que existem presos de facções, mas essas organizações aqui não são empoderadas como em outros estados. Também sabemos do problema da superlotação e estamos construindo novas unidades. Mas essa não é a única solução. Mais de 50% dos presos de Pernambuco são provisórios. É preciso que os processos sejam agilizados”, comentou.
A matança de detentos ocorrida em Manaus no último fim de semana fez com que o presidente Michel Temer se reunisse com o núcleo institucional do governo na última quinta-feira para discutir o Plano Nacional de Segurança Pública, que está sendo elaborado pelo Ministério da Justiça e Cidadania. Entre as ações do novo plano está a construção de mais cinco presídios federais, que vão custar entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões. O sistema carcerário pernambucano é um dos quatro investigados pela Procuradoria Geral da República.
Pedro Eurico ressaltou que o estado já comunicou ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen) que Pernambuco tem interesse em receber uma dessas cinco unidades federais. “Precisamos de uma unidade desse tipo para os presos mais perigosos. No Nordeste só existe um presídio federal e fica no Rio Grande do Norte”, apontou o secretário.
Depois das 60 mortes registradas em Manaus, uma nova matança em presídios foi registrada na madrugada da última sexta-feira. O novo massacre aconteceu na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), em Boa Vista, Roraima. O número de mortos, até o momento, é de 33 detentos, segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc).
Números
22 unidades formam o sistema estadual
10.967 detentos é a capacidade máxima
30.028 pessoas estão presas
51 armas de fogo foram apreendidas nos presídios em 2016
4,5 mil armas brancas foram confiscadas
R$ 45 milhões será o custo máximo estimado para a construção de cinco novos presídios federais
O imóvel de primeiro andar na Rua Comendador Álvares de Carvalho, na Iputinga, Zona Oeste do Recife, permanece de pé. As lembranças do que aconteceu nele há mais de 20 anos também. Hoje, o local abriga uma oficina mecânica. Foi lá que, em fevereiro de 1995, um pai e quatro filhas foram envenenados depois de tomarem café da manhã. O engenheiro e artista plástico Aloísio de Lima Vieira Filho, 35 anos, e as filhas Rita Vieira Valença, 13, Renata, 12, Raquel, 10 e Rebeca 9 morreram após a ingestão de cianureto de potássio. A substância tóxica estava no café da manhã da família. Enquanto o marido e as filhas faziam a refeição, a artista plástica Consuelo Valença de Lima Vieira, 38, foi até a casa da irmã, que morava no imóvel ao lado. Por esse motivo, escapou do envenenamento. Mas por muito pouco não foi presa sob a acusação de assassinar toda a família.
A investigação realizada pela Polícia Civil de Pernambuco apontou que Consuelo Valença havia sido a responsável pelo envenenamento da família. Em depoimentos prestados à polícia, a artista plástica revelou que o marido já planejava tirar a própria vida, como também a dela e das quatro filhas, devido a problemas financeiros. Aloísio estava desempregado e com algumas dívidas. “O inquérito que apurou essas mortes foi muito mal conduzido. Havia muitas falhas na investigação. Consuelo era inocente e conseguimos provar isso na Justiça, onde ela foi impronunciada”, lembrou o advogado Jorge Tasso de Souza.
Além da dor de sepultar as quatro filhas e o marido, Consuelo passou a ser apontada como a responsável pelas mortes. Nas ruas era chamada de assassina e passou a viver praticamente reclusa. Somente em junho de 2003, o juiz Nivaldo Mulatinho, da Vara da Infância e da Juventude, alegou que não havia provas para culpar Consuelo pelas mortes. Para a Justiça, foi o artista plástico Aloísio Vieira quem colocou o cianureto de potássio no café da manhã de toda família. Depois de ter a inocência provada, Consuelo iniciou outra batalha para ser reparada por tudo que passou. No ano de 2008, o Estado de Pernambuco foi condenado pela Justiça a pagar uma indenização de R$ 30 mil por danos morais. O Estado recorreu da decisão e até hoje a sentença final não foi anunciada.
Aos 60 anos, Consuelo vive atualmente com a irmã Iara Valença Menezes, 57, no estado do Rio de Janeiro. Após uma longa busca, o Diario descobriu o paradeiro da artista plástica, que está doente e vive apenas com a renda de um salário mínino de aposentadoria. A família espera o pagamento da indenização para ajudar no tratamento de Consuelo. “Minha irmã não tem condições de morar sozinha e toma remédios todos os dias. Hoje ela vive comigo e meu marido aqui no Rio de Janeiro. Já se passaram mais de 20 anos e a Justiça ainda não foi feita. Ela precisa receber essa indenização para que possamos custear o tratamento dela. Dinheiro nenhum vai reparar o que ela perdeu, mas vai ajudar a cuidar dela”, ressaltou Iara.
Garrafa d’água como travesseiro
Uma garrafa plástica cheia de água serviu de travesseiro para o encanador Severino Antero Alves quando chegou ao Presídio Professor Aníbal Bruno, em janeiro de 2012, aos 63 anos, acusado de um crime que não cometeu. Levado de casa por dois policiais que procuravam um acusado de homicídio com o mesmo nome que o seu, Severino chegou à unidade prisional com a roupa do corpo. Para dormir na cela apertada, ganhou pedaços de colchões velhos de outros presos. “Foi um sofrimento muito grande. Passei 20 dias no inferno. A comida de lá era péssima e fiquei todos esses dias sem ver minha esposa e meu filho ”, contou o encanador. O pesadelo de Severino o acompanha até hoje. A família diz que depois da prisão injusta ele ficou muito nervoso. No início da liberdade, costumava acordar no meio da noite assustado.
“Quando eu vi aqueles dois policiais na minha frente perguntando se o meu nome era Severino Antero Alves, eu respondi que sim. Daí um deles me disse que eu estava preso. Perguntei o motivo da prisão. Foi quando o policial respondeu que eu tinha matado um homem na Paraíba. Eu nunca nem fui na Paraíba. Não sei nem como faz para chegar lá. Então eu fui com eles para a delegacia certo de que tudo seria esclarecido. Mas acabei indo parar no Aníbal Bruno mesmo sendo inocente”, contou o encanador. A esposa de Severino, a dona de casa Rizalva Luiza da Silva, voltou para casa desesperada e deu a notícia ao filho do casal. O estudante Diogo Alves passou a trabalhar para ajudar no sustento da família enquanto o pai estava preso. “Quando meu pai voltou para casa foi uma festa. Mas cheguei a pensar que ele não iria sair mais da prisão”, confessou Diogo.
Seu Severino conta que depois da prisão os serviços que fazia como encanador estão cada vez mais escassos. A família vive da aposentadoria no valor de um salário mínimo e da esperança de receber a indenização no processo que moveu contra o Estado de Pernambuco. Hoje, eles não moram mais no mesmo endereço onde Severino foi preso. “Foi aberta uma rua onde eu morava. Com o dinheiro que recebi da indenização da casa comprei essa que moramos hoje. Também estou com um carro para facilitar minha locomoção, mas as pessoas deixaram de me procurar para fazer os serviços de encanador”, lamentou Severino.
De acordo com o advogado Ivaldo Fonseca, que atuou na defesa de Severino, o Estado foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a pagar uma indenização ao encanador. “A Justiça deu ganho de causa a seu Severino, mas o Estado recorreu ao TJPE e perdeu. Diante disso, recorreu novamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e estamos acompanhando para saber o resultado. Mas acredito que será favorável para seu Severino”, apontou Ivaldo Fonseca.
Acorrentado para provar inocência do filho
O porteiro Jorge Luiz da Conceição, 49 anos, ficou conhecido pela batalha que enfrentou para provar a inocência do seu fiho mais velho. No dia 19 de setembro de 2006, dois filhos dele foram acusados de assaltar duas mulheres que estavam dentro de um carro na Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem. Um dos meninos, na época com 17 anos, foi levado para uma unidade da então Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac). O mais velho, Jonatan Luiz da Silva, que já tinha 18 anos, foi autuado em flagrante e seguiu para o Centro de Triagem, o Cotel. De lá foi transferido para o Presídio Aníbal Bruno. O assalto às duas mulheres aconteceu perto da casa onde Jorge Luiz e a família moravam. Seus dois filhos não estavam em casa no momento do crime, mas, mesmo assim, foram levados para a delegacia.
“Uma das vítimas parece que era uma advogada. No dia do crime, 12 viaturas da Polícia Militar foram até o local para tentar prender os assaltantes, mas acabaram pegando meus filhos que não tinham nada a ver com a história. Nada do que as mulheres disseram que haviam roubado delas foi encontrado com os meus filhos. Eles eram inocentes, mas terminaram detidos”, lembrou Jorge Luiz. Depois de 45 dias, o filho mais novo do porteiro voltou para casa porque as vítimas do assalto não compareceram às audiências. Mas no caso de Jonatan, a liberdade demorou mais de três meses para chegar. Nesse tempo, segundo a família dos rapazes, os verdadeiros culpados pelo assalto foram presos por outro crime. Mas a injustiça seguia.
Jorge então iniciou a luta para tirar o filho da prisão. Dois protestos fecharam o trânsito na Avenida Domingos Ferreira, num deles parentes e amigos estavam acorrentados uns aos outros. Sem resposta, o porteiro decidiu fazer um protesto inusitado na frente do Palácio do Campo das Princesas. Por quase uma hora, ele ficou acorrentado a um poste. Dias depois, com o filho ainda preso fez uma nova manifestação. Jorge se acorrentou a um poste em frente ao Fórum Joana Bezerra, das 9h às 17h. Só encerrou o protesto quando recebeu a informação de que o processo do seu filho seria analisado. “Fiquei tão debilitado por conta dos protestos que fui parar no hospital. Fiquei internado mas queria voltar ao fórum para saber qual seria a resposta da juíza que avaliou o caso do meu filho. Minha esposa foi até lá com um amigo e só saiu quando estava com o alvará de soltura de Jonatan nas mãos. Foi quando tive a certeza de que minha luta valeu a pena”, contou Jorge.
Passado o trauma, Jonatan retomou sua vida e hoje trabalha como porteiro, mas as lembranças dos três meses e três dias que ficou atrás das grades injustamente não devem ser esquecidas. “Cheguei a pensar que não sairia mais nunca da prisão. Tem muita gente esquecida lá dentro. Quando minha história começou a aparecer na imprensa os presos vieram falar comigo e dizer que estavam torcendo por mim. Mas o tempo que eu passei no presídio foi muito difícil. Graças a Deus tudo foi esclarecido”, ressaltou Jonatan.
O vibrante som da redenção
A Orquestra dos Meninos de São Caetano, cidade do Agreste do estado, ganhou o Brasil e o mundo. Na década de 1990, o maestro Mozart Vieira conseguiu transformar a vida de meninos e meninas pobres do município. Com aulas de instrumentos musicais e canto, as crianças e adolescentes começaram a trocar o trabalho na roça pela cultura musical. A mudança causou estranheza em algumas famílias e deixou intrigados alguns grupos políticos da região. No ano de 1995, Mozart Vieira foi apontado pela Polícia Civil como o responsável pelo sequestro e estupro de um adolescente de 13 anos, integrante da orquestra. O menino foi agredido e abandonado num lixão da cidade. Os agressores tinham como objetivo atingir o maestro.
Depois de receber o apoio de dom Helder Camara e de vários artistas nacionais, Mozart conseguiu provar sua inocência. Durante vários dias, ele e os meninos da orquestra foram obrigados a sair de São Caetano. Foram recebidos pelos religiosos madre Escobar e dom Helder no Recife. Depois ficou esclarecido que Mozart havia sido vítima de uma armação de pessoas que temiam sua entrada no mundo da política. A história da orquestra e a acusação contra o maestro foram retratados no filme Orquestra dos meninos. “Nós éramos meros desconhecidos e nos tornamos famosos. No entanto, grandes forças políticas locais e pessoas de mentes pequenas e sem caráter se reuniram para me prejudicar e fechar a fundação. Eles achavam que eu tinha pretensões políticas, o que nunca foi verdade. Me levaram para o fundo do poço”, ressaltou.
As acusações contra o maestro fizeram ainda o Fundação Música e Vida ficar fechada por um período. “Eu era um simples professor. Era muito mais fácil dizer que o culpado de tudo era. A polícia tinha que dar uma resposta à sociedade e eu acabei sendo indiciado. No entanto, advogados que estavam no meu caso conseguiram levar o processo para o Recife. No julgamento feito pelos desembargadores ficou provada minha inocência”, contou o maestro. Atualmente, Mozar é presidente da Fundação Música e vida, que oferece aulas de música e canto a crianças e adolescentes de São Caetano. O maestro é casado com Creusa, que fazia parte da Orquestra dos Meninos e hoje também dá aulas na fundação.
Quando a Justiça não enxergou a verdade
O ex-mecânico Marcos Mariano da Silva tornou-se símbolo da injustiça depois de passar 19 anos preso por um crime que nunca cometeu. Ele foi preso pela primeira vez em 1976, no Cabo de Santo Agostinho, acusado de ter praticado um homicídio. No entanto, seis anos depois, o verdadeiro culpado foi identificado e preso. Só então Marcos foi solto. A liberdade durou apenas três anos. Em 1985, Marcos Mariano voltou à unidade prisional porque a polícia entendeu que ele estava foragido.
Durante o segundo período em que ficou preso no antigo Presídio Aníbal Bruno, Marcos ficou cego dos dois olhos após ser ferido por estilhaços de bomba de gás lacrimogênio durante uma rebelião. Deixou o presídio em outubro de 1998. Logo após ser preso pela primeira vez, Marcos foi abandonado pela esposa e pelos filhos. No presídio, conheceu outra mulher com quem casou e adotou um filho.
Assim que foi solto, o ex-mecânico entrou com uma ação judicial contra o Estado pedindo indenização de R$ 2 milhões por danos morais e materiais. A primeira parte (R$ 1 milhão) foi paga em 2009. Com o dinheiro, Marcos comprou casas para ele e os parentes. A notícia sobre o pagamento da segunda parte da indenização foi recebida por Marcos Mariano no dia 22 de novembro de 2011. Nesse dia, o homem que teve o caso considerado como o maior erro judicial do Brasil sofreu um infarto e morreu.
De acordo com o advogado Afonso Bragança, responsável pelo pedido de indenização para Marcos Mariano, até hoje a família do ex-mecânico não recebeu a segunda parte da indenização. “Falei com seu Mariano no dia em que havia sido publicada a decisão favorável a ele. Avisei que o restante do dinheiro seria pago. Ele foi dormir e não acordou mais. Morreu durante seu descanso. A família ainda terá que esperar mais um tempo para receber o que tem direito”, contou o advogado.
Os reeducandos da Penitenciária Agroindustrial São João, em Itamaracá, terão a oportunidade de trabalhar no segmento de fabricação de esquadrias de metal. A empresa IBRAP Indústria Brasileira de Alumínio e Plástico vai atuar dentro da unidade onde empregará 200 detentos. A iniciativa é uma parceria entre o estado, por meio das secretarias de Justiça e Direitos Humanos e da Micro e Pequena Empresa, Trabalho e Qualificação. O Protocolo de Intenções foi assinado ontem pelo governador Paulo Câmara durante a reunião do Pacto pela Vida, na sede da Secretaria de Planejamento e Gestão.
A parceria prevê que o estado ceda o espaço na penitenciária, promova melhorias de acesso à unidade e adequações da rede elétrica, além do apoio na seleção e qualificação da mão de obra carcerária. “Entre as prioridades dos que fazem o sistema prisional em Pernambuco estão a segurança da sociedade e a redução dos padrões de reincidência. Investir na formação de mão de obra e em iniciativas de empregabilidade são formas eficientes de ressocialização e redução da criminalidade”, destacou o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico. As obras de adaptação do galpão, no interior da penitenciária, serão concluídas até o final de junho de 2016.