A agonia além dos muros do Complexo Prisional do Curado

Do Diario de Pernambuco, por Rosália Rangel e Thiago Neuenschwander

O secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, estará hoje na cidade de San José, na Costa Rica, para dar explicações à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre reiteradas violações aos direitos humanos no Complexo Prisional do Curado, antigo Aníbal Bruno. À defesa junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele terá de acrescentar justificativas sobre a morte do autônomo Ricardo Alves da Silva, 33, assassinado ontem dentro da própria residência, vizinha ao complexo prisional, ao ser atingido por disparos que teriam partido de dentro da prisão – após confusão entre detentos do Frei Damião de Bozzano (PFDB), um dos três da unidade.

Confusão no Complexo Prisional resultou na morte de um vizinho da unidade. Fotos: Roberto Ramos/DP/D.A Press
Confusão no Complexo Prisional resultou na morte de um vizinho da unidade. Fotos: Roberto Ramos/DP/D.A Press

A morte acontece na esteira de um processo que se arrasta desde 2011, quando uma coalização de organizações de direitos humanos começou a documentar uma série de abusos contra os detentos. O trabalho resultou na produção de um dossiê com 750 páginas. Segundo a ONG Justiça Global, uma das responsáveis pelo documento, há casos alarmantes, como o de um preso que teria sido torturado por agentes e solto dez anos após ter cumprido a sentença.

Moradores da localidade fizeram protesto por causa da morte do autônomo
Moradores da localidade fizeram protesto por causa da morte do autônomo

Os autos do processo internacional do Complexo Prisional do Curado contêm denuncias de 268 casos de violência no presídio (assassinatos, torturas e outros), dentre esses 87 de mortes violentas, 175 casos de denegação de acesso à saúde, 74 mortes não violentas ou por causas desconhecidas e 267 pedidos de assistência jurídica. Hoje, o presídio funciona com quase quatro vezes mais detentos que a capacidade. São 6.965 presos em um local que só comporta 1.819. A OEA exige a redução da superlotação, a garantia de atenção médica e a eliminação da revista vexatória. A reportagem tentou falar com o secretário-executivo de Ressocialização, Éden Vespaziano, mas a assessoria disse que ele não daria entrevistas.

Polícia Militar foi acionada para tentar conter ânimos da comunidade após a morte
Polícia Militar foi acionada para tentar conter ânimos da comunidade após a morte

Revoltados com a morte de Ricardo, moradores do Alto da Bela Vista, no Totó, interditaram os dois sentidos da BR-232, no Curado. A confusão no presídio começou às 6h. No tiroteio, os detentos José Carlos Serafim, 32, e Mário Francisco do Nascimento, 26, foram atingidos por disparos. Os dois foram socorridos para o Hospital Otávio de Freitas, onde seguem internados.

Corpo de  vai ser sepultado nesta segunda-feira, no Cemitério Parque das Flores
Corpo de Ricardo será sepultado nesta segunda-feira, no Cemitério Parque das Flores

A Polícia Civil solicitou à Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) as armas utilizadas por agentes penitenciários para averiguar se o disparo partiu das forças de segurança ou dos detentos. “Trabalhamos só com uma linha de investigação: a de que o tiro partiu de dentro do presídio. Cabe saber quem atirou”, relatou o delegado Joaquim Braga, da Força-Tarefa.

Ricardo teve três lesões na face, mas isso não inviabilizaria a tese de bala perdida. “Foram pelo menos dois tiros. É possível, dependendo da arma, dar dois disparos rápidos em sequência. O tipo da arma, só após a perícia”, disse. A casa de Ricardo, diz o delegado, ficava a 300 metros do presídio. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa investiga o crime.

 

Família quer processar estado 

“Vamos terminar o que o governo fez. Vamos sepultar meu irmão e processar o estado, que está sem domínio e sem controle”. O desabafo em tom de revolta é do irmão de Ricardo Alves, Maviel Alves, ao falar da perda trágica do familiar. Segundo ele, Ricardo trabalhava há pelo menos 15 anos com conserto e venda de peças de bicicleta em feiras da cidade, de onde tirava o sustento para os dois filhos, de 6 e 10 anos, e a esposa.

Irmão da vítima disse que família pretende processar o estado
Irmão da vítima disse que família pretende processar o estado

O autônomo foi baleado enquanto escovava os dentes em um pequeno tanque de lavar roupas, em uma área da casa onde é possível ver o conjunto de presídios. Vizinhos e familiares de Ricardo contaram que é comum ter tiroteio na comunidade. “Policiais chegam atirando e não querem nem saber quem é bandido ou morador”, disse um deles.

Maviel acrescentou que os moradores se articulam para um novo protesto na BR-232, hoje, às 15h. “Ninguém aguenta mais o presídio no meio do bairro. Há meses, na mesma passarela que fica em frente à casa do meu irmão, um policial foi baleado ”, disse o irmão da vítima. O velório será às 7h e o sepultamento, às 14h, no Cemitério do Parque das Flores, no Sancho.

Raio x

3 presídios
compõem o Complexo Prisional do Curado

Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb)

Capacidade:
901
Detentos:
3.215 (256.8%)

Presídio ASP Marcelo Francisco Araújo (Pamfa)

Capacidade:
464
Detentos:
1.868 (302.5%)

Presídio Frei Damião de
Bozzano (PFDB)

Capacidade:
454
Detentos:
1.882 (414.5%)

Total

Capacidade:
1.819
Detentos:
6.965 (382.9%)

Fonte: Seres

Nomeado interventor do Centro de Ressocialização de Itaquitinga

O chefe do gabinete de Projetos Estratégicos do estado, Renato Thièbaut, foi o escolhido pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos para ser o interventor do Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga, Mata Norte. Ele ficará à frente da coordenação das obras no presídio, paralisadas desde 2012.

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O nome foi anunciado pelo secretário Pedro Eurico um dia depois de o governador Paulo Câmara decretar estado de emergência no sistema prisional. O presídio de Itaquitinga deixará de ser uma obra pública-privada e passará a ser apenas pública, com 62% da construção concluída.

A partir de agora, Renato Thièbaut, que é bacharel em direito, tem seis meses ocupar e proteger as instalações em Itaquitinga além de minimizar os prejuízos provocados pela paralisação das obras, realizar avaliações dos prejuízos, determinar abertura de processo administrativo para apurar falhas no contrato da concessão e adequar os projetos de engenharia, para contratar as obras necessárias para concluir a contrução do presídio.

Obras na unidade estão paradas desde 2012. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Obras na unidade estão paradas desde 2012. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

Sobre as denúncias de agentes penitenciários que criticam o número muito inferior de profissionais com relação à quantidade de presos, Pedro Eurico afirmou que o estado “não vai ser refém de sindicato”, mas informou que 132 agentes, que passaram no concurso de 2009, serão contratados. “Eles vão se juntar aos outros já existentes. Com isso, pretendemos amenizar a situação carcerária atual. A possibilidade de contratação de outros agentes depende das medidas o estado pretende tomar e da Lei de Responsabilidade Fiscal”, pontuou. Atualmente, há 31 mil presos no estado e apenas 1.420 agente penitenciários.

Presídio começou a ser construído por meio de uma PPV
Presídio começou a ser construído por meio de uma PPV

Outras medidas para reverter a atual situação carcerária foram anunciadas, como retomada das obras e assinatura de ordem de serviço para acelerar a conclusão dos complexos prisionais de Araçoiaba e Tacaimbó, com capacidade para 3,5 mil presos em sete unidades (cinco masculinas e duas femininas) e 676 reenducando, respectivamente. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos anunciou um prazo de 180 dias para administrar a situação, realizando dispensa de licitações e revisão de dados dos presídios em obras.

As ações foram tomadas oito dias depois da rebeilão que se instalou no Complexo Prisional do Curado, no Recife, deixando um clima de insegurança entre a população e terminando no dia 21 com um saldo de mais de 60 feridos e três mortos, sendo dois detentos e um policial militar.

“Vamos economizar tempo e trazer maior eficiência às medidas. Todas as obras do sistema prisional estão em regime de emergência. Além disso, estamos realizando constantes revistas nas unidades existentes”, afirmou o secretário. Nessa quinta-feira, a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) fez uma revista na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá. Foram aprendidos celulares, facões, barrotes de madeira e bebida alcoólica.

Dois revólveres encontrados na Barreto Campelo

Em uma varredura realizada por policiais militares e agentes penitenciários na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, após a rebelião da última terça-feira dois revólveres foram encontrados no local. Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Pernambuco, João Carvalho, as duas armas estavam escondidas em um buraco perto do pavilhão B da unidade prisional.

Foto: Sindasp-PE/Divulgação
Foto: Sindasp-PE/Divulgação

Além das duas armas de fogo, as munições também foram encontradas durante a revista na penitenciária. Na última terça-feira, cerca de 120 detentos subiram no telhado do presídio e levantaram faixas e cartazes pedindo agilidade nos julgamentos dos processos.

Os detentos estavam com caixa de som e microfone, além de estarem armados com pedaços de madeira, porretes e facões. O promotor da Vara de Execuções Penais de Pernambuco Marcellus Ugiette foi para a penitenciária e conversou com os presos, no final do dia o movimento dos presos foi encerrado.

Secretário Pedro Eurico chega ao Complexo do Curado de helicóptero

Depois da rebelião que terminou com dois mortos (um sargento da PM e um detento) e 29 presos feridos nessa segunda-feira e de um novo tumulto nesta terça-feira, o secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado, Pedro Eurico, chegou ao Complexo Prisional do Curado de helicóptero nesta manhã. A ida de Eurico ao complexo deve ser para tentar uma negociação com os presos.

Situação no complexo ainda está complicada. Foto: Thais Arruda/Esp/DP/D.A Press
Situação no complexo ainda está complicada. Foto: Thais Arruda/Esp/DP/D.A Press

A situação no local está tensa desde o início da manhã. O Batalhão de Choque foi acionado para controlar o novo tumulto. A fumaça saindo do pátio da unidade prisional indica que os reeducandos podem ter voltado a se rebelar. Segundo parentes, os detentos avisaram as famílias por meio de mensagens no celular que uma nova movimentação estaria começando.

Dois mortos, 29 feridos e um batalhão à espera de notícias do lado de fora

Esta segunda-feira (19) dificilmente será esquecida pelos familiares dos presos que cumprem pena no Complexo Prisional do Curado e pelos parentes dos policiais militares e agentes penitenciários que fazem a guarda das três unidades prisionais do local. Depois de horas protestando por conta da superlotação e pela demora no andamento de alguns processos judiciais, os detentos iniciaram uma rebelião.

Helicóptero da SDS sobrevoou o complexo com vários PMs a bordo. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Helicóptero da SDS sobrevoou o complexo com vários PMs a bordo. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

Depois de um confronto entre presos e policiais militares, no meio da tarde, a notícia da morte de um sargento da Polícia Militar e de um preso, além de ferimentos em outras 29 pessoas caiu como uma bomba no colo do novo secretário de Ressocialização do estado, coronel Eden Vespaziano, que assumiu a cargo há pouco mais de uma semana. O cenário que viu ontem na Avenida Liberdade era de dezenas de carros de polícia, muitas ambulâncias e até mesmo o helicóptero da Secretaria de Defesa Social (SDS).

No final da tarde, carro do IML chegou para pegar um dos corpos
No final da tarde, carro do IML chegou para pegar um dos corpos

Enquanto o movimento de PMs, bombeiros e agentes penitenciários era grande nas portas dos presídios, dezenas de parentes de presos se desesperavam em busca de notícias sobre as pessoas mortas ou feridas na rebelião. Muitas mulheres chegaram a passar mal por não conseguirem informações sobre os familiares detidos. Aos poucos, alguns nomes de feridos foram sendo informados, o que consolava algumas mulheres que permaneceram na frente do complexo até a noite desta segunda-feira.

Tráfego na Avenida Liberdade chegou a ser fechado. Várias viaturas da PM estavam no local
Tráfego na Av. Liberdade chegou a ser fechado. Várias viaturas da PM estavam no local

O tumulto, que começou com uma greve de fome dos internos exigindo uma reformulação na Vara de Execuções Penais da Capital, só foi controlado com a chegada do Batalhão de Choque e da Companhia Independente de Operações Especiais, no fim desta tarde. De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização, “as medidas adotadas pelo policiamento foram as adequadas para garantir a segurança no local e a integridade física de todos”.

Familiares dos presos estavam desesperados querendo saber os nomes dos feridos e do morto
Familiares dos presos estavam desesperados para saber nomes dos feridos e do morto

Os presos pediam o afastamento do juiz Luiz Rocha, da 1ª Vara de Execuções Penais do Recife. Muitos disseram estar com problemas com os alvarás de soltura. Eles alegam que os processos estão atrasados e que alguns já deveriam, inclusive, estar fora do sistema. O ato de protesto era considerado tranquilo, no entanto, no início da tarde, houve a “radicalização do movimento, com agressões contra os agentes públicos e danos ao patrimônio”, segundo a Seres.

O Sindicato dos Agentes e Servidores no Sistema Penitenciário de Pernambuco divulgou uma nota lamentando a morte do sargento da PM e dizendo que o estado tem hoje um deficit de 4.700 agentes penitenciários. Além disso, o Sindasp-PE ressalta as “péssimas instalações, falta de condições de trabalho e a morosidade no julgamento dos processos dos apenados, principalmente, pela falta de agentes para apresentações jurídicas e a falta de defensores públicos.”

BPChoque está atuando em duas unidades da Funase

Do Diario de Pernambuco, por Raphael Guerra

A superlotação e a falta de controle do estado para evitar conflitos e rebeliões nas unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) continuam fazendo vítimas. Dois tumultos foram registrados ontem nos centros do Cabo de Santo Agostinho e de Abreu e Lima, deixando, no total, cinco feridos. Quatro deles correm risco de morte. Sem alarde, há um ano, as unidades mantêm equipes do Batalhão de Choque 24 horas. Mas, nem com essa ação extrema foi possível sanar os problemas.

Prédios passaram a ter vigilância rigorosa por causa dos constantes tumultos (BERNARDO DANTAS/DP/D.A PRESS)

Equipes formadas por dez homens do Choque estão instaladas em contêineres fixos na entrada das unidades. O cenário virou rotina após pedido de intervenção da Secretaria da Criança e Juventude à Secretaria de Defesa Social. “Foi necessária essa intervenção militar, visto que há superlotação e às vezes é necessário o deslocamento de internos, mas os policiais só usam armas não-letais”, afirmou o presidente da Funase, Eutácio Borges.

Comandante do Batalhão, o tenente-coronel Walter Benjamin foi mais enfático sobre a problemática. “Os agentes socioeducativos não têm técnica nem armamento para evitar tumultos e rebeliões, por isso fomos acionados de forma permanente”, disse.
Sindicâncias administrativas foram instauradas para apontar os culpados e puni-los pelos tumultos registrados ontem. Eles podem ser transferidos para outras unidades.

No Cabo, a confusão teve início por volta das 9h, com a queima de colchões. Quatro reeducandos envolvidos tiveram graves queimaduras pelo corpo e ainda lesões pulmonares, provocada pela inalação de fumaça. Eles foram encaminhados ao Hospital da Restauração, onde seguem internados em estado grave. Um deles respira com ajuda de aparelhos.

Em Abreu e Lima, um adolescente ficou ferido num princípio de rebelião envolvendo cerca de 30 garotos, por volta do meio-dia. Briga entre gangues rivais seria a motivação. Foram necessários 30 homens do Batalhão de Choque, além de PMs e agentes socioeducativos para controlar a situação. “Há colchões e ventiladores queimados. Os responsáveis serão autuados por dano ao patrimônio”, afirmou o delegado Paulo Albéres.

PMs e agentes irão depor sobre as mortes dos dois presos da PAISJ

Todos os policiais militares e agentes penitenciários que trabalharam durante a rebelião ocorrida na Penitenciária Agroindustrial São João (PAISJ), em Itamaracá, na última quinta-feira – cerca de 70 pessoas ao todo – serão intimados a prestar depoimento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

A delegada Lidia Barci, que foi designada especialmente para investigar o caso, recebeu ontem o inquérito instaurado logo após o registro das duas mortes e dos oitos detentos feridos na confusão. “Além de ouvir os policiais militares e agentes da unidade, vamos solicitar perícias no local e nos materiais apreendidos durante a revista feita na penitenciária”, adiantou a delegada.

Cinco presos prestaram depoimento ontem, depois que receberam alta médica. Eles tiveram pequenos ferimentos no tumulto. Apenas Joseilton de Oliveira segue internado no Hospital Miguel Arraes. O estado de saúde dele é estável.

Como foi antecipado pelo blog, o nome do novo diretor da unidade foi anunciado oficialmente pela manhã. O agente penitenciário Roger Moury assumiu a gestão no lugar do também agente Ricardo Pereira, afastado após o motim. A principal reivindicação dos apenados era a saída do antigo diretor, que passou três meses no cargo.

Segundo a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), nenhuma arma de fogo foi encontrada com os presos ou escondida na penitenciária. “A grande questão é saber de onde partiram os tiros que mataram os detentos. Para isso, estamos intimando todas as pessoas que estavam no local. Depois que identificarmos de quais armas saíram os disparos, vamos afinar as investigações para descobrir quem são os responsáveis”, explicou Lidia Barci.

O promotor da Vara de Execuções Penais, Marcellus Ugiette, formalizou o pedido de contratação imediata de 100 agentes penitenciários do grupo que espera nomeação. “Entreguei esse pedido à Seres, ao procurador-geral e à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos”, explicou.

Quando elas assumem a liderança

Enquanto os presos se rebelavam e os agentes penitenciários e policiais militares tentavam controlar a situação na Penitenciária Agro-industrial São João (PAISJ), em Itamaracá, nessa quinta-feira, uma legião de mulheres “brigava” com todas as forças para conseguir notícias dos filhos, maridos e outros familiares que cumprem pena na unidade.

Proibidas de chegar perto da portaria, as mulheres gritavam, tentavam telefonar para os presos (mas os celulares deles estavam desligados), faziam esforço para enxargar os familiares entre os presos amotinados e até usavam binóculos para deixar a tarefa mais fácil.

Esposas e mães dos presos estavam revoltadas. Foto: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Esposas e mães dos presos estavam revoltadas. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

Do lado de fora, elas também se rebelaram, mostraram que têm força e que não desistem fácil das pessoa que amam. “Eu sei que todo que estão lá dentro erraram e estão pagando por isso, mas não temos direito de ser bem tratadas pelos agentes”, desabafou a mulher de um preso, que estava com o filho pequeno nos braços.

Depois de esperarem algumas horas por notícias dos presos, e logo depois que o Batalhão de Choque deixou a unidade, as mulheres chegaram a caminhar atá a porta da penitenciária com gritos de pedido de saída do diretor. Na primeira tentativa, ainda com um grupo tímido, elas foram obrigadas a voltar para a área do estacionamento de onde podiam ver parte do que acontecia na unidade. Os barulhos de tiros e explosões ouvidos por quem estava fora do presídio fazia as mulheres entrarem em desespero.

No segundo monento de aproximação com a portaria da PAISJ, as esposas e mães dos presos tiveram um pouco mais de sucesso. Nesse momento, duas assistentes sociais saíram da unidade com uma lista com os nomes dos feridos e leram os oito nomes. Nenhum parente dos feridos ou dos mortos estava no local.

“A gente sofre muita humilhação aqui nesse presídio. As mães ficam na chuva com crianças pequenas em dias de visita e as comidas que a gente traz para nossos maridos eles não deixam a gente entrar”, relatou uma mulher.

Após rebelião e duas mortes, diretor da PAISJ é afastado do cargo

Duas vidas foram perdidas, oito pessoas ficaram feridas e parte da área interna da Penitenciária Agro-industrial São João (PAISJ), em Itamaracá, precisou ser destruída para que a Secretaria de Ressocialização do estado (Seres) mudasse a direção da unidade prisional. A rebelião ocorrida nessa quinta-feira, e que teve repercussão nacional, foi o estopim de uma situação vivida pelos presos e seus familiares a cerca de três meses, quando o agente penitenciário Ricardo Pereira assumiu a direção da “cadeia”.

Detentos iniciaram manifestação logo cedo. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press
Detentos iniciaram manifestação cedo. Fotos: Wagner Oliveira/DP/D.A Press

O tumulto, que transformou a unidade em um inferno e provocou pânico entre famílias de detentos, começou por volta das 7h e terminou no fim da tarde. Ainda na noite de ontem, o governo estado resolveu afastar o gestor, que foi o principal pedido feito pelos presos que estão no regime semiaberto. Fontes do blog informaram que a penitenciária será gerida por Roger Moury, que já foi diretor do local. O anúncio oficial será feito hoje. Vai ficar sob a tutela do novo gestor resolver as demais queixas dos apenados.

Além dos agentes penitenciários, dezenas de PMs entraram na unidade
Além dos agentes penitenciários, dezenas de PMs entraram na unidade

A divisão norte do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) já começou a investigar as mortes dos dois detentos assassinados na rebelião. A delegada Alcilene Marques ouviu depoimentos de cinco dos oito presos feridos. Eles retornaram à unidade após atendimento. Na lista de reinvidicações também estão melhorias na alimentação, melhor tratamento aos familiares nos dias de visita e retirada das tornozeleiras eletrônicas. Os detentos subiram nos telhados dos pavilhões, de onde exibiram cartazes e mostraram homens feridos. Explosões e tiros foram ouvidos.

Secretário Romero Ribeiro e promotor Marcellus Ugiette passaram o dia na PAISJ
Secretário Romero Ribeiro e promotor Marcellus Ugiette passaram o dia na PAISJ

O promotor da Vara de Execuções Penais do estado, Marcellus Ugiette, entrou na penitenciária para conversar com os detentos. “Eles reclamaram da forma como as visitas estão sendo tratadas e alertaram que a comida é de péssima qualidade”, disse Ugiette.

Leia cobertura completa na edição impressa do Diario de Pernambuco desta sexta-feira

Nova rebelião na Funase, mais uma morte e a dor dos familiares

Olhe para esta foto abaixo e tente sentir um pouco da agonia dessas mulheres. São mães, esposas, namoradas e irmãs de jovens infratores que cumprem medida socioeducativa no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da Funase do Cabo de Santo Agostinho. Nessa sexta-feira, os internos, motivados por uma briga de disputa de comando, fizeram mais uma rebelião na unidade. O saldo: um morto, três feridos e muito desespero do lado de fora da unidade.

Parentes dos internos entraram em desespero. Foto: Helder Tavares/DP/D.A/Press

Essa foi a quinta morte ocorrida neste ano em centros de atendimento de adolescentes e jovens infratores. Coisa que não se tem visto, pelo menos nos últimos anos, nas penitenciárias e presídios do estado. O corpo do jovem que morreu deve ser sepultado ainda neste sábado. Ele sabia que estava marcado para morrer e chegou a dizer isso aos familiares e pediu para ser transferido da unidade. A morte foi mais rápida. Agora, resta aos parentes enterrar o seu corpo. Resta também esperar para saber quem vai responder pela morte do jovem que estava guardado pelo estado por ter praticado ato infracional correspondente ao crime de homicídio.

 

Leia matéria publicada no Diario de Pernambuco deste sábado:

No começo da tarde de ontem, Alexandre de Melo Camilo, 20 anos, telefonou para
os familiares. Pediu que fossem tirá-lo do Centro de Atendimento
Socioeducativo (Case) do Cabo de Santo Agostinho, pois estava marcado para
morrer. O prenúncio de Alexandre confirmou-se horas depois, por volta das
19h30, quando a polícia fez o balanço da rebelião ocorrida no centro. Foi a
segunda rebelião e o quarto assassinato na unidade do Cabo somente neste ano,
onde estão 338 jovens. Outra morte ocorreu, em setembro, no Case de Abreu e Lima.

Os feridos foram levados para um hospital. Foto: Helder Tavares/DP/D.A/Press

A confusão, iniciada por volta das 16h30, deixou ainda três jovens feridos.
Interno há seis meses pela acusação de homicídio, Alexandre morreu após sofrer
golpes de facão ou arma similar. Possivelmente peça artesanal. “A vítima
estava com um corte profundo no pescoço e um grande ferimento na face”,
detalhou o perito do Instituto de Criminalística Severino Arruda. É como se
quisessem degolá-lo. Havia outros sinais de ferimentos, que podem ter sido
feitos por uma ou mais pessoas.

Ambulâncias do Corpo de Bombeiros foram ao local. Foto: Helder Tavares/DP/D.A/Press

Alexandre morreu no Case, enquanto os três feridos seguiram para o Hospital
Dom Helder Camara, no Cabo de Santo Agostinho. Dois deles, Airton Genes
Amorim, 18, e Hamilton José de Oliveira, 19, tiveram ferimentos por arma de
fogo. “Levei um tiro de revólver 38 no joelho”, disse um dos rapazes quando
era socorrido pelo Corpo de Bombeiros. Ele não se identificou. O terceiro
interno a receber socorro médico fora do Case foi Jailson Ângelo da Silva, 18
anos.

Na agonia, algumas pessoas passaram mal. Foto: Helder Tavares/DP/D.A/Press

O motim começou no pavilhão 1, segundo a polícia, por conta de uma briga entre
grupos inimigos. “Foi uma guerra pelo comando do lugar”, disse a comandante da
Radiopatrulha, tenente-coronel Conceição Antero. Temendo ataques, os internos
do pavilhão 5 fizeram uma barricada com pedaços de madeira e colchões e
atearam fogo. A Radiopatrulha foi a primeira unidade da polícia a chegar no
centro. Em poucos minutos, o helicóptero da Secretaria de Defesa Social (SDS)
passou a sobrevoar a unidade, enquanto ouvia-se tiros dentro do Case. Ao todo,
cerca de 70 policiais atuaram para conter a rebelião. (Jailson da Paz)

Sofrimento das famílias na frente da unidade. Foto: Helder Tavares/DP/D.A/Press