O coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), desembargador Antonio Malheiros, criticou os que defendem a internação compulsória para tratamento de viciados em drogas, especialmente o crack. Para o desembargador, iniciativas como a dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro não surtem efeitos e servem como medidas “higienistas”: apenas tiram das ruas as pessoas sem apresentar uma solução efetiva. “Não é para esconder o problema como o estado de São Paulo fez”, criticou.
O magistrado, que coordena o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), um centro de atendimento a crianças e adolescentes usuários de drogas na região conhecida como Cracolândia, defendeu o tratamento em meio aberto como medida mais eficaz. “O tratamento em meio aberto é muito melhor e a recuperação se mostra muito mais plausível. Nós temos que aumentar o número de vagas, o número de CAPs (centros de Apoio Psicossocial) para tratamento ambulatorial em meio aberto.”
O trabalho é considerado pioneiro por levar ações de Justiça diretamente aos usuários de drogas com o apoio de uma equipe especializada formada por psiquiatra, psicólogos e assistentes sociais. “É o Judiciário que sai dos seus gabinetes e vai para as ruas encontrar as pessoas em drogadição. Há todo um convencimento para que elas busquem um tratamento de forma voluntária,” disse Malheiros.
Segundo o desembargador, só na região da Cracolândia, área central da cidade, estima-se que até 400 crianças estejam envolvidas com drogas, principalmente crack. Ele disse que foi conhecer de perto os casos encaminhados ao Judiciário. “Fui conhecer a situação para saber o que é este maldito crack e o quanto ele é devastador. Eu vivi intensamente, às vezes pela manhã, à tarde, à noite e, muitas vezes, de madrugada, para saber quem é o usuário da droga. Ela ultrapassa qualquer fronteira e submete a pessoa a uma tragédia.”
Para Malheiros, a internação compulsória (por determinação do juiz e contra a vontade do paciente) acaba gerando um ciclo perpétuo de internação e recaída e só deve ser usada como último recurso. “Só com evidência de risco em relação à vida do dependente ou de outra pessoa”, ressaltou.
“A cidade está doente. Do rico ao pobre”. A frase é de Léo (nome fictício), 40 anos. Há 11, ele perdeu tudo para o crack. Passou a peregrinar pelas ruas e dormir em calçadas. A pedra já consumiu boa parte da memória, mas ele ainda se lembra dos familiares, sobretudo dos apelos para que procurasse tratamento. Mesmo em estágio avançado de dependência, não quis ser internado e pôs em risco a vida dos mais próximos. O caso dele não é isolado. Um projeto de lei em tramitação na Câmara de Vereadores do Recife pretende implementar a internação compulsória para dependentes químicos e de álcool. A medida já está em vigor na cidade de São Paulo desde janeiro. Autoridades e especialistas ouvidos pelo Diario foram unânimes em apontar o projeto como positivo para casos em que há risco de morte ao usuário e perigo à família e à sociedade.
A solicitação de internação poderá ser feita por um familiar ou pela polícia, mas caberá à Justiça a decisão, com base na avaliação de um médico especializado, que vai identificar se o paciente já não tem mais discernimento e corre risco de morte. “Essa escolha pode ser imprescindível para garantir a vida da pessoa. A internação involuntária, que já é realizada aqui, não pode se tornar rotina. Após a desintoxicação, o paciente tem o direito de decidir se quer continuar o tratamento”, pontuou o psiquiatra e psicanalista Evaldo Melo. O projeto de lei, do vereador Luiz Eustáquio (PT), prevê que dependentes sejam encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Especializados. Atualmente há seis no Recife.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional Pernambuco, Pedro Henrique Reynaldo, também é a favor do projeto, que está sob análise de quatro comissões para ir a votação no plenário, possivelmente neste mês. “Mas a voz determinante para a internação deve ser do médico e não do delegado”, reforça. O secretário de Segurança Pública do Recife, Murilo Cavalcanti, tem a mesma opinião. “Essa é uma questão de saúde e tem que ser discutida caso a caso. Quando não há mais escolha, o estado tem que intervir”. Procurado pelo Diario, o Ministério Público de Pernambuco não quis comentar o assunto.
Saiba Mais
Os detalhes do projeto de lei municipal
Na internação compulsória, a avaliação será feita por profissionais de saúde especializados, mediante decisão Judicial
A solicitação poderá ser feita por médicos, pela polícia ou pela família
O médico especializado vai determinar quando será o término da internação
Na internação involuntária, o encaminhamento será feito após solicitação de familiar ou representante legal
O término da internação involuntária ocorrerá após nova solicitação da família ou representante legal, ou por determinação do médico
Na internação voluntária, o encaminhamento à avaliação será feito após pedido por escrito do paciente e aceito pelo médico
Nos três casos, os dependentes em situação de risco serão encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial Especializados (CAPS-AD)
A cantora Amy Winehouse eternizou em sua voz um dos versos mais cantados pela nossa juventude atual, dizia ela: “They tried to make me go to rehab/But I said ‘no, no, no’/Yes, I’ve been black, but when I come back/You’ll know-know-know/I ain’t got the time/And if my daddy thinks I’m fine/He’s tried to make me go to rehab/But I won’t go-go-go”.[2]
Na Inglaterra, onde Amy residia, ela pode dizer não à internação, como podemos ver em sua canção. Aqui, no Brasil, notadamente, no estado de São Paulo, e mais recentemente, também no estado do Rio de Janeiro, em oposição, as pessoas têm sido internadas, compulsoriamente, a fim de tratar a dependência das drogas.
A liberdade individual é uma das conquistas da modernidade, de tal modo que não é estranho a um país que nos legou um documento como Carta Magna de 1215, separando bem o campo de atuação do indíviduo, do campo do Estado, que a decisão por uma eventual internação seja, de fato, algo íntimo e individual.
No Brasil, onde a cultura de preservação dos direitos fundamentais é algo recente e ainda não tão enraizado no inconsciente coletivo, temos, constantemente, que lidar com esse tipo de conflito. Afinal, seríamos “livres” para consumir drogas? O Estado pode-nos internar, compulsoriamente, sob o argumento de que tal segregação nos seria benéfica? Bem, segundo a lei de tóxicos, o simples consumo não ocasiona ao indivíduo qualquer prisão, pois, aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sujeita-se, tão somente, à advertência sobre os efeitos das drogas; à prestação de serviços à comunidade e à medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.
Sendo assim, percebe-se que o Estado “permite”, sob um certo prisma, que as pessoas consumam drogas “livremente”, ou seja, sem o temor de eventual prisão. Por outro lado, se esse consumo levar o indivíduo a um estado de “anormalidade” atestado por um profissional de saúde, tal conduta passa a ser condenável, e a liberdade tolhida, sem que se observe qualquer processo minimamente condizente com os preceitos legais.
Este estado de coisas nos leva a um contrassenso, já que se pode consumir drogas sem o perigo de prisão, como impor a perda de liberdade a alguém que apenas realizou aquilo que o Estado “permitia”? Percebam, está-se a falar em cerceamento do direito de alguém pela consequência de um ato o qual na sua origem e desenvolvimento, nenhuma consequência drástica era imposta, ou seja, o Estado se furta de reprimir mais duramente o consumo de drogas, no entanto, arvora-se presente na consequência nefasta que tal consumo ocasiona.
Pois bem, segundo a nossa Constituição, ninguém terá a sua liberdade violada sem o cumprimento do devido processo legal. Ora, a liberdade pressupõe autonomia, se alguém a possui, certamente, não pode ser recolhido a qualquer espaço de tratamento, sem que este encaminhamento dependa exclusivamente da sua vontade individual, afinal como cantou certa feita Amy, o direito a dizer e repetir, não, compete ao indivíduo e a Constituição consagra isso.
Daí se vê que a internação compulsória como política pública, ainda que com o apoio dos integrantes da família não encontra amparo em um ambiente de respeito às liberdades individuais, mas tão somente, quando o próprio indivíduo assim consinta. É certo, porém, que a internação compulsória dos que vagam nas ruas, legados a sua própria sorte, vagando em cracolândias pelo país afora, como algozes e vítimas de sua condição, seja algo aceitável aos olhos de muitos, mas quando tais volantes policiais expandirem suas ações a outros locais, é possível que pensemos melhor a respeito.
[1] Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP e mestrando em Direito Constitucional pela USP.
[2] Tradução: “Tentaram me mandar pra reabilitação/Eu disse “não, não, não”/É, eu estive meio caída, mas quando eu voltar/Vocês vão saber, saber, saber/Eu não tenho tempo/E mesmo meu pai pensando que eu estou bem/Ele tentou me mandar pra reabilitação/Mas eu não vou, vou, vou.
A polêmica internação compulsória de dependentes químicos, que hoje avança no Rio de Janeiro e em São Paulo, pode se transformar em diretriz nacional. A medida consta de projeto de lei (PL 7663/10) já aprovado em comissão especial da Câmara e que está pronto para votação em Plenário, a partir de fevereiro.
O texto altera a Lei do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad – Lei 11.343/06). Entre as novidades, aparece a internação involuntária de dependente químico por prazo máximo de seis meses e devidamente registrada no Sistema Nacional de Informações, para acompanhamento do Ministério Público e dos Conselhos de Políticas sobre Drogas.
O autor da proposta, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), afirma que, mais do que solução para as cracolândias das grandes cidades, a intenção é o resgate pleno do paciente.
“O objetivo é desintoxicar. A pessoa está na rua, dormindo na rua, comendo resto de lixo, vendendo tudo o que tem em casa, não consegue trabalhar, não consegue estudar, não consegue cuidar da família. Essa pessoa não tem capacidade de discernir o que é bom para ela e precisa da ajuda da família”, diz o parlamentar. “Hoje, ela só é internada se quiser, já que a lei atual é restritiva. E nós colocamos que ela é internada mesmo contra a vontade, se a família pedir e o médico determinar.”
Segundo o projeto, esse pedido da família e a determinação do médico devem ser apresentados formalmente.
Divergências
A internação compulsória, no entanto, divide opiniões no Parlamento, na sociedade e entre os especialistas. Para o psicólogo Sílvio Yasuí, da Universidade Estadual Paulista, as ações governamentais devem ser mais articuladas. “Medidas tomadas isoladamente ou com efeitos apenas midiáticos, como essa quase medida higienista de algumas grandes capitais [a internação compulsória], são absolutamente ineficazes.”
dep osmar terra 21122012
Osmar Terra: usuário poderá ser internado mesmo contra a vontade, se houver pedido da família e do médico.
Para evitar essas ações isoladas, o PL 7663/10 também aumenta a pena para os traficantes; divide a competência das ações antidrogas entre União, estados e municípios; obriga a oferta de vagas de trabalho para ex-usuários em todos os contratos fechados com recursos públicos; e traz um conjunto de regras gerais para a avaliação e o acompanhamento da gestão das políticas públicas sobre drogas.
Cracolândia em São Paulo
Em São Paulo, as internações compulsórias de dependentes químicos na região da cracolândia vão começar na próxima segunda-feira (21), segundo anúncio do governador do estado, Geraldo Alckmin.
Os casos com indicação de internação serão encaminhados por profissionais da área de saúde e avaliados por promotores, juízes e advogados. Também está prevista a atuação de plantonistas para viabilizar internações de dependentes químicos com estado de saúde mais grave, sem consciência de seus atos e que se recusem ao tratamento voluntário.
O combate à epidemia do crack ganhará reforço mais ostensivo nos pontos críticos de uso e venda da droga no Recife. A partir de janeiro, 120 policiais militares serão destinados exclusivamente para identificar e reprimir o consumo e o tráfico, 24 horas por dia. Inicialmente, três locais, considerados mais vulneráveis e com altos índices de homicídios, serão os primeiros: o bairro de Santo Amaro e as comunidades de Capilé e Chié, ambas em Campo Grande. Esses locais receberão câmeras para que a PM possa fazer o monitoramento.
Os policiais irão receber as imagens da movimentação em três bases móveis (veículos equipados com sistema de videomonitoramento), que foram doados pelo Ministério da Justiça. Um arsenal de 350 armas Tasers e 150 Sparks (consideradas menos letais) também foi distribuído aos batalhões da PM. A expectativa é que a ação mais ostensiva de combate ao crack seja estendida para toda a Região Metropolitana do Recife e o município de Caruaru, no Agreste.
A PM já capacitou dois mil homens para o uso adequado do armamento que tem a finalidade de imobilizar, por alguns instantes, o alvo e rendê-lo. Mas, a depender de alguns fatores, como o consumo de álcool ou drogas, a pessoa atingida pode chegar a óbito. O coordenador estadual de Polícia Comunitária, coronel Gilmar Oliveira, explicou que, no primeiro momento, os PMs visitarão as localidades como uma forma de conscientizar a população.
Os usuários de crack serão abordados e encaminhados para programas estaduais, como o Atitude – que prevê acolhimentos provisórios ou permanentes para tratamento do vício e reinserção social. “Nossa intenção é de que as armas de menor potencial só sejam usadas em última instância, quando houver resistência. Os policiais estão preparados para essas ocasiões extremas. O combate mais efetivo ao crack é uma necessidade urgente. A sociedade precisa disso”, afirmou Oliveira.
O treinamento dos PMs para uso das armas está sendo realizado pela Coordenação de Operações e Recursos Especiais (Core). O comandante José Silvestre informou que as duas pistolas são semelhantes, mas a Spark – que é uma versão nacional – tem uma corrente elétrica mais baixa que a Taser, afetando menos o corpo humano. “O sistema de controle dela também é mais eficaz, pois cada disparo é controlado por uma trava”, disse. Silvestre afirmou ainda que todo o armamento está passando por testes para evitar qualquer incidente. As 350 Tasers já são usadas nas ruas em abordagens de rotina e, segundo o comandante, nunca houve morte. A ação ostensiva de combate à droga faz parte do programa federal “Crack, é Possível Vencer”, lançado no estado em março.
Uma ferida que está aos olhos de todos nós e que chegou a chamar a atenção até de uma CPI nacional continua incomodando as autoridades locais. A exploração sexual de jovens e adolescentes, a prostituição de mulheres e a comercialização e o consumo de drogas, sobretudo o crack, seguem acontecendo na Rua dos Palmares, no bairro de Santo Amaro, no Recife.
Nessa sexta-feira, uma operação da Polícia Militar encontrou muitas jovens no local, mas não achou drogas. No entanto, aquele local já é conhecido para tal fim. A oferta de sexo e de drogas acontece a qualquer hora do dia. Pelo visto, as atenções das autoridades finalmente parecem estar voltadas para esse problema. Porém, vale ressaltar que esse não é o único ponto do estado que precisa ser visitado pela polícia.
Veja matéria publicada no Diario de Pernambuco deste sábado.
Conhecido ponto de exploração sexual de crianças e adolescentes do Recife, a Rua dos Palmares, em Santo Amaro, voltou a ser alvo de ações da Polícia Militar ontem. Desde a última terça-feira, as operações ostensivas foram reforçadas na região com a intenção de coibir a exploração de jovens, além do uso e tráfico de drogas e de degradação da área de mangue. Após duas investidas, pela manhã e à tarde, a operação terminou sem prisões e apreensões de droga. A situação na Rua dos Palmares é considerada uma das mais graves da capital e o local chegou a ser visitado por integrantes da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
A ação da PM na região foi rápida. Pela manhã, duas jovens foram detidas para averiguação, mas terminaram liberadas. A PM não encontrou drogas com as mulheres, mas elas estavam em situação de risco para exploração sexual. Ambas estavam sem documentos e a polícia não comprovou na hora da detenção se eram adultas ou menores de idade. A situação na via é antiga e o lugar já é chamado de cracolândia do Recife. Denúncias apontam que jovens do lugar vendem o corpo em troca de pedras de crack. Apesar das últimas operações e da visita de membros da CPI, o movimento de prostituição de mulheres adultas continua a qualquer hora do dia na Rua dos Palmares.
Além de entrar na área de mangue, a PM também fez ações educativas. Conversou com algumas jovens que estavam nas proximidades, na Rua da Aurora. “Isso aqui não adianta. O governo tem que dar tratamento para a gente”, falou uma dependente de crack. A CPI recebeu informações de que pelo menos vinte locais do Recife são pontos críticos de exploração sexual. “Muitos pagodes e festas da periferia têm esse perfil. É preciso coibir, fazer fiscalização”, considerou o deputado federal Paulo Rubem (PDT), que é titular da CPI.
Segundo o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec), em 2009, 30% dos 947 municípios brasileiros identificados com graves índices de abuso e exploração estão concentrados no Nordeste. Sessenta e três deles estão em Pernambuco.
A Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), por sua vez, contabilizou 78 casos de exploração sexual e situação de risco desde o ano passado em seis pontos mapeados no Recife. Além de Santo Amaro, são eles a Praça da Encruzilhada, na Encruzilhada; a ponte em frente ao Sesc, na Avenida Norte, na Tamarineira; o trecho da Avenida Recife que fica perto do PAM de Areias; e pontos das avenidas Boa Viagem, em Boa Viagem, e Presidente Kennedy, em Peixinhos, Olinda.
Dois casos descobertos pelos agentes penitenciários de duas grandes unidades prisionais do estado trouxeram à minha lembrança a matéria publicada no Diario de Pernambuco no dia 22 de abril deste ano com o título Mulheres-bomba. A repórter Marcionila Teixeira conversou com algumas mulheres que estão presas por tentarem entrar nos presídios para levar droga para os companheiros. Elas escondem o entorpecente nas partes íntimas ou mesmo em suas bolsas. Enfrentam o perigo de frente, em nome do amor ou por medo de ser castigada pelo companheiro.
Nesse sábado, uma mulher de 30 anos estava com 200 gramas de maconha nas partes íntimas e foi descoberta quando tentava entrar no Complexo Prisional Aníbal Bruno. Já na manhã desse domingo, outra mulher de 30 anos foi presa tentando entrar com cerca de 1kg de maconha e 250 gramas de crack na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá. Os entorpecentes estavam escondidos dentro da bolsa dela. Durante a revista, na entrada da unidade, agentes penitenciários identificaram o material e o flagrante foi efetuado após a chegada da Polícia Militar.
Leia abaixo parte da reportagem escrita por Marcionila Teixeira
Tânia foi pega após uma denúncia anônima. Imagem: ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESS
Dulce (nome fictício), 22 anos, abre as pernas e agacha-se no chão. Pega óleo corporal e passa uma boa quantidade do líquido na vagina. Depois, começa a embutir dentro de si mesma várias gramas de crack. A droga está embalada em fita crepe e envolta em preservativo masculino para facilitar a entrada no órgão genital. O máximo que ela conseguiu pôr no próprio corpo de uma só vez foram dois celulares e 200 gramas de crack. Três celulares ao mesmo tempo distribuídos em si mesma é outro recorde. Dulce é uma traficante que “encaixa” drogas e celulares na vagina com facilidade. É uma das inúmeras mulheres- bomba. Seus corpos, mais precisamente suas partes íntimas, são usadas para o tráfico.
O produto é repassado dentro das unidades penais ou na rua, entre os viciados, em troca de muito dinheiro. Em um dia de domingo, somente na Colônia Penal Feminina do Recife, ela faturava em torno de R$ 5 mil com a venda de crack entre as detentas que vivem do tráfico na cadeia. Nas segundas-feiras, o lucro era mais tímido: R$ 1,2 mil. Dulce hoje está presa na mesma detenção onde repassava a droga. Durante anos, carregou bombas invisíveis dentro de si. Sempre esteve pronta para o risco do flagrante. Até que um dia, uma denúncia tirou a mulher-bomba de cena.
Dulce é uma profissional do crime. Assim como ela, muitas outras vão e vem nos presídios sem ser percebidas pela vistoria dos agentes penitenciários. Na cadeia, o toque vaginal é proibido. Em algumas unidades, a forma de impedir o tráfico das mulheres-bomba é pedir para elas se agacharem. Se elas não têm um bom treinamento, deixam escapar a droga e os celulares. “O segredo é treinar em casa. A gente abaixa várias vezes e prende a respiração para contrair a vagina e segurar o objeto na hora da revista policial”, ensina Dulce.
Atualmente, 67% das mulheres presas na Colônia Penal Feminina do Recife estão lá por tráfico de drogas. “Não sabemos quantas delas foram pegas por conta do porte do entorpecente na vagina, mas podemos dizer que todo mês temos notícia de pelo menos um caso desse tipo”, conta a diretora da unidade, Alana Couto. Luciana, 33, entregou-se à polícia pelo próprio nervosismo. “Nunca tinha feito isso. Meu companheiro, que estava preso, me obrigou. Não coloquei direito a droga e ela apareceu na hora da revista”, conta a mulher, mãe de cinco filhos menores de idade. Hoje ela cumpre pena na Colônia Penal do Recife.
O toque vaginal na hora da revista é proibido. Se a mulher não se entrega pelo nervosismo ou na hora do agachamento, só a denúncia pode tirar ela da rota do tráfico invisível. Nesse caso, a suspeita deve ser encaminhada para exame no Instituto de Medicina Legal (IML). “De toda forma, ela não é obrigada a ser submetida ao exame, pois não pode produzir provas contra si mesma”, explica Alana Couto. Uma denúncia anônima pôs Tânia, 24, atrás das grades. “Uma colega me pediu para levar maconha para dentro do presídio. Coloquei 200 gramas na vagina e na hora de entrar fui apontada”, lembra. A concorrência entre os donos de ponto de venda de droga dentro da cadeia é acirrada pelas denúncias. “Para algumas mulheres entrarem, outra tem que rodar”, diz Dulce, se referindo ao flagrante de uma mulher bomba para que as outras escapem.
Saiba mais
Colônia Penal Feminina do Recife
713 mulheres presas
563 vagas deficitárias
150 vagas
67% das presas respondem por tráfico de drogas
Autor e coautor de 20 livros, incluindo sucessos como Cabeça de porco, Meu casaco de general e Elite da Tropa 1 e 2, o mestre em antropologia, doutor em ciência política e pós-doutor em filosofia política Luiz Eduardo Soares lançou recentemente no Recife Tudo ou nada. A narrativa conta a impressionante história de Lukas Mello, pseudônimo de Ronald Soares, brasileiro de classe média que fez fortuna na década de 1990, passou dez anos velejando, se tornou dependente de heroína e foi preso na Inglaterra por associação ao tráfico de duas toneladas de cocaína. Réu no julgamento mais longo da Europa, foi condenado a 24 anos de prisão.
Separado dos outros presos, passou quatro anos sem trocar uma palavra com alguém, à exceção dos dois guardas que faziam sua vigília. Da Inglaterra, Ronald foi tranferido para o Brasil. Passou da solidão para uma cela com cem pessoas em Bangu, no Rio de Janeiro. Hoje, está em liberdade. Tudo ou nada tem tudo para virar filme. E tudo indica que vai virar. Nesta entrevista à repórter Juliana Colares publicada no Diario de Pernambuco nesta segunda-feira, Luiz Eduardo Soares, que é ex-secretário nacional de Segurança Pública, fala sobre o livro e detalha as razões que o levam a defender a legalização não só da maconha, mas de todas as drogas.
Como você conheceu a história do Ronald Soares?
Eu vim a conhecer pelo intermédio de um primo (de Ronald), um psicanalista do Recife que eu admiro muito e com o qual eu costumava conversar quando vinha a Pernambuco. Em uma das nossas conversas no início de 2007, ele me falou de um primo que estava sendo transferido para cumprir o resto da pena no Brasil. Ele ficara seis anos em uma penitenciária de segurança máxima da Inglaterra. Na acusação, constava a responsabilização dele pela logística, a orientação do transporte e a parte das finanças de jogadas internacionais envolvendo o Cartel de Cáli e grupos de traficantes ingleses. Depois que ele me disse que era uma pessoa de classe média como nós, que fez fortuna na bolsa de valores. Aos 20 e poucos anos, resolvera abandonar tudo para realizar seu sonho de adolescência para velejar e que tinha passado 10 anos no mar, em um veleiro. Ao final, ele se envolvera no consumo, como dependente, de heroína e acabara por se envolver nessa trama toda.
E dentro dessa trama tão cinematográfica sobre o tráfico internacional de drogas, o que lhe chamou mais atenção?
Eu não conhecia quase nada. Conhecia genericamente valores, processos… Mas os bastidores, o dia a dia, como efetivamente essas aventuras se davam, nada disso eu conhecia. Eu pude conhecer pelo testemunho do biografado, que se tornou meu amigo. Quando o primo dele me contou a história, eu fiquei muito interessado em conhecer essa pessoa. Eu disse a ele (ao primo de Ronald): não tenho como escrever esse livro agora. Eu tenho uma série de compromissos, mas independente de livros e filmes e do que quer que venha a acontecer, eu gostaria de conhecer essa pessoa e acho que tenho muito a aprender com ela. Não só sobre o tráfico, mas do ponto de vista humano é uma experência existencial incrível. Nos encontramos, conversamos e desde então passamos a nos encontrar. Isso tem cinco anos e foi o tempo necessário para que, ao final, o livro pudesse ser escrito.
Algo chamou mais atenção?
O que mais me chamou a atenção foi o fato do Ronald estar vivo. Vivo mentalmente, moralmente. A pessoa passar por isso tudo e estar contando a história sem ressentimento e com coragem de me permitir que contasse a história sem dourar a pílula, sem mascarar erros cometidos… Um dos títulos do livro, que eu passei por vários, era Duas toneladas de cocaína não contam a história de um homem. Essa passagem por tudo isso é crucial, claro, para a vida de uma pessoa, mas é parte da vida.
Em Cabeça de Porco, MV Bill, um dos coautores do livro, chega a se perguntar se o problema das drogas tem jeito. Tem jeito?
Depende do que a gente defina como jeito. Eu sempre tive uma posição em relação às drogas e à política de drogas. Desde os anos 1970, quando era proibido falar disso por conta da censura, eu sempre fui favorável à legalização das drogas mesmo e sobretudo quando assumi posições de governo. No entanto, em havendo a proibição, era preciso seguir a lei e aplicá-la da melhor forma possível. Eu diria que se nós continuarmos nesse caminho, não vamos a lugar nenhum. Ao contrário, vamos ao inferno. Alguns números são eloquentes em relação a isso. Primeiro lugar: o tráfico internacional de drogas consumiu bilhões de dólares dos governos dos países ocidentais envolvidos na chamada guerra às drogas sem que tenha havido queda no consumo, alteração na qualidade ou aumento de preço, que desestimularia, supostamente, o consumo. Portanto, todo esse dinheiro investido não produziu nenhum benefício.
Que malefícios produziu?
A “guerra” nas cidades, o aspiral de violência, mais e mais corrupção de autoridades governamentais e policiais, etc. Além disso, estamos plantando uma mina sob os nossos pés no Brasil porque estamos encarcerando velozmente jovens que não se envolveram com violência ou com o crime organizado e que comercializaram substâncias ilícitas e estão sendo presos cada vez com mais frequência. Os presos brasileiros eram em torno de 140 mil em meados dos anos de 1990. Hoje são 540 mil. Nós temos a terceira população carcerária do mundo e a taxa de crescimento da população carcerária é a mais veloz do mundo. Também somos vice-campeões, do ponto de vista do número absoluto, de homicídios dolosos que, entretanto, não são investigados. Sabemos que no máximo 8% dos homicídios dolosos perpetrados no Brasil são efetivamente investigados.
Então, qual a forma correta de lidar com esse problema?
Somos campeões em impunidade por um lado e, por outro lado, em velocidade de encarceramento. O que parece um paradoxo em certo sentido, é uma enorme contradição. Estamos prendendo errado, com foco absolutamente equivocado. Ao invés de darmos atenção aos crimes mais graves, estamos focalizando as energias na busca, apreensão e captura em flagrante de jovens pobres, de baixa escolaridade, em geral negros que se envolvem nessa venda varejista das drogas, sem uso de arma de fogo, sem prática de violência sem vínculo com organizações criminosas. Isso tudo vai acabar na medida em que eles sejam encarcerados. Estamos destruindo o destino desses jovens e plantando uma mina explosiva para o nosso futuro.
Existe algum modelo de sucesso? Que modelo funcionaria no Brasil?
Nós vamos ter que inventar o nosso próprio modelo porque as circunstância são sempre distintas. O grande sucesso é o caso da Suíça. Todos dirão: “Bom, a Suíça é muito diferente do Brasil”. Claro. Tanto que tomou essa decisão de legalização de todas as drogas, com disciplina no consumo, alguma regularização, controle de qualidade. É curioso que as piores drogas, as que mais matam, não são proibidas: álcool e tabaco. Felizmente, ninguém está falando em cadeia e política criminal para lidar com esse problema. Temos lidado de uma maneira mais inteligente e eficaz. A eficácia é reduzida, mas é possível.
Fala-se muito da maconha. O senhor defende a legalização de todas as drogas, não só da maconha?
Minha posição é radical. Eu não aceito que o estado defina a dieta do indivíduo na sua esfera privada do ponto de vista da sexualidade, da relação com o seu corpo e também do que vai ser ingerido, com que propósito, etc. O que é importante é que haja informação, controle de qualidade, que cada um assuma responsabilidades. As escolhas que se fazem no âmbito privado, desde que não afetem a liberdade de terceiros, têm que ser respeitadas. Não podem ser objetos de uma política criminal.
O enfrentamento contra as drogas está em pauta mais uma vez. A oportunidade agora é da Igreja Católica, por meio da Arquidiocese de Olinda e Recife. Será inaugurada a primeira Fazenda Esperança da RMR, em Jaboatão dos Guararapes. A instituição trabalha com dependentes químicos de 15 a 45 anos numa ação que envolve trabalho, espiritualidade e convivência. O município doou 30 hectares de terra para a construção da fazenda. O tratamento dura 12 meses e todo o projeto é promovido por voluntários. A proposta é que a fazenda seja masculina, e inicialmente receba 80 rapazes, divididos em quatro casas. Além disso, o espaço contará com uma capela, um refeitório, salas de estudos e uma casa de triagem. Lá, os jovens tem portas e portões abertos para ir e vir a hora que quiserem.
Na fazenda, os jovens lidam com animais e vivem do próprio trabalho. Aprendem ou desenvolvem algum ofício, além de distribuírem artefatos de sua autoria para a família vender. “A Fazenda Esperança mostra o lado social da Igreja Católica. É a difusão do evangelho vivido na prática”, afirmou o coordenador arquidiocesano de pastoral, padre Josenildo Tavares. A introdução do jovem na fazenda não é totalmente gratuita. Deve ser pago o valor de mais ou menos um salário mínimo, que é convertido na venda dos produtos feitos pelos jovens ao longo do ano, realizada pela família. Quem quiser procurar em Garanhuns pode telefonar para (87) 3762-4661 ou (87) 3761-0594.
A iniciativa é louvável, não há como negar, no entanto, é preciso ainda muito mais para acabar com o problema das drogas em Pernambuco e no Brasil. O crack está acabando com famílias inteiras e o poder público parece ainda não ter acordado para essa realidade. No Recife, meninas estão se prostituindo para sustentar o vício da droga, jovens estão mergulhados numa onda que não conseguem sair e falta mais ação dos gestores para tal problema.
Vinte e oito ligações por dia. Essa é a média recebida pela central do Disque-Denúncia sobre os casos de venda e compra de crack em Pernambuco. Só neste ano, foram contabilizadas 5.956 denúncias relacionadas ao crack. No ano passado, o número foi de 11.252 denúncias. O que corresponde a um aumento de 225%, só na Região Metropolitana do Recife (RMR), em relação ao ano passado. Esse percentual vem crescendo num período de dez anos. Em 2002, o Disque-Denúncia somava apenas 26 queixas sobre o assunto.
Segundo a superintendente do Disque-Denúncia Pernambuco, Carmela Galindo, o crack é o líder do ranking de denúncias. “O perfil das informações recebidas pela central alertam para uma redução expressiva do uso de outras drogas, como maconha ou cola, em detrimento ao crack. O aumento, a cada ano, é alarmante. Entre 2010 e 2011, o crescimento foi de 225% apenas na Região Metropolitana do Recife”, explicou. Até o dia 22 de junho, a polícia de Pernambuco apreendeu 91 kg de crack prontos para o consumo. No ano passado todo, foram retirados de circulação um total de 84 kg da droga.
A superintendente acredita que o aumento está diretamente ligado à campanha de combate ao crack lançada no ano passado pelo governo do estado. De acordo com a central, 17% das denúncias referem-se ao tráfico de crack e os outros 83% tratam da venda da droga aliada a outros tipos de entorpecentes. Quase metade dos registros, 48%, revelam que a droga é encontrada com mais facilidade nas ruas. Em 17% dos casos, a venda de crack acontece à noite. O Recife é o responsável por 48% das denúncias, seguido por Olinda (16%), Jaboatão dos Guararapes (12%) e Caruaru (11%).
O Disque-Denúncia funciona durante 24 horas, todos os dias da semana. Quem telefona, tem o anonimato preservado e pode receber, no caso de informações sobre a venda da droga, até R$ 2.000 em recompensa. O serviço funciona através dos telefones 3421.9595, no Recife e RMR, e (81) 3719.4545.